Interlocutores do poder público saíram pessimistas da primeira das três reuniões da mesa de negociação da repactuação de Mariana marcadas para esta semana, em Brasília.
O Fator apurou que a reunião desta terça-feira (6) tratou sobre termos da Gestão de Áreas Contaminadas (GAC) – ou seja, as responsabilidades das empresas Vale, BHP Billiton e Samarco, e dos governos estaduais e federal, nas regiões que foram afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015.
Uma fonte que participou do encontro afirmou que a reunião teve poucos avanços e deixou uma impressão pessimista quanto a um acordo pela repactuação. “Ficou a dúvida no ar se as empresas querem mesmo fazer esse acordo”, conta o interlocutor.
Ainda segundo essa fonte, o poder público tem “se desdobrado dentro dos limites legais” para conseguir negociar e atender demandas feitas pelas mineradoras que, no entanto, estariam “recuando” nas conversas mesmo quando são atendidas em pontos cruciais.
“Fica a sensação que estão tentando ganhar tempo para manter a Fundação Renova, manter o Comitê Interfederativo (CIF), e depois judicializar o que acharem que deve”, desabafa um dos negociadores da repactuação.
Nesta quarta-feira (7), a segunda reunião vai tratar dos povos e comunidades tradicionais que foram atingidos pelo rompimento. A expectativa é que seja um encontro tenso pela falta de consenso no tema até aqui.
Pelo que a reportagem apurou, a União tem defendido que as mineradoras realizem uma consulta prévia e informada seguindos os termos da convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa convenção trata sobre Povos Indígenas e Tribais e prevê que essas comunidades precisam ser consultadas sempre antes que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. Essas medidas podem ser tanto adotadas pela esfera pública quanto pela esfera privada.
Os valores do acordo ainda são negociados, embora não sejam mais o principal entrave. Na última proposta feita pelas mineradoras, no início de junho, houve a oferta de pouco mais de R$ 82 bilhões de “dinheiro novo” – sendo R$ 140 bilhões somando, inclusive, o que já foi gasto com a Fundação Renova.
A União ainda tenta crescer o valor de dinheiro novo na negociação – cerca de R$ 5 a R$ 8 bilhões a mais.
A propósito, o destino da Fundação Renova é um dos pontos já pacificados entre os negociadores. O acordo, se fechado, deve prever o fechamento quase total da entidade, com exceção de projetos que façam o atendimento da população (por exemplo, com o fornecimento de água em regiões muito afetadas pela contaminação do rio). Esses projetos funcionariam até a substituição por ação estatal.
A reunião de quinta-feira (8) vai focar nas indenizações a pessoas e entidades atingidas.
Em junho, O Fator teve acesso a detalhes da última proposta das mineradoras na negociação. Desde então, o poder público pediu alterações e reuniões foram feitas, mas ainda sem novas ofertas.
Detalhamento da Proposta de junho:
Obrigações de Pagar: R$ 82 bilhões
A proposta inclui R$ 82 bilhões em obrigações de pagar ao Poder Público a serem desembolsados ao longo de 20 anos. Estes pagamentos serão feitos em parcelas anuais, iguais e sucessivas, corrigidas pelo IPCA. Deste montante:
Aproximadamente 70% (cerca de R$ 57,4 bilhões) será destinado a beneficiar diretamente as pessoas da região afetada, através de programas como:
- Programa de transferência de renda para os mais vulneráveis
- Fortalecimento do sistema de saúde local com a criação de um fundo perpétuo
- Universalização do saneamento na Bacia do Rio Doce
- Programa coletivo para Povos e Comunidades Tradicionais elegíveis
- Repasse direto aos Municípios
- Fundo de resposta a enchentes
- Fundo para deliberação direta das comunidades
- Assessoria Técnica Independente
- Fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
- Investimento nas rodovias da região
Os 30% restantes (cerca de R$ 24,6 bilhões) serão dedicados a outros programas socioambientais geridos pela União e Estados, incluindo iniciativas de desenvolvimento rural, resposta a desastres, adequação às mudanças climáticas, fiscalização de barragens, educação ambiental, cultura e turismo, prevenção à violência doméstica, apoio a microempreendedores e fomento ao crédito rural.
Obrigações de Fazer: R$ 21 bilhões
A Samarco permanecerá responsável por obrigações de fazer estimadas em R$ 21 bilhões. Deste valor:
60% (aproximadamente R$ 12,6 bilhões) beneficiará diretamente as pessoas da região, incluindo:
- Soluções indenizatórias definitivas para pessoas elegíveis
- Conclusão dos reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo
Os 40% restantes (cerca de R$ 8,4 bilhões) serão destinados a benefícios ambientais diretos, como: - Recuperação de 5 mil nascentes
- Reflorestamento de mais de 40 mil hectares (equivalente a 28 mil campos de futebol)
Valores já investidos: R$ 37 bilhões
A proposta reconhece os R$ 37 bilhões já investidos pela Fundação Renova em medidas de reparação e remediação, dos quais:
Segundo as empresas, pelo menos R$ 17 bilhões já beneficiaram diretamente mais de 430 mil pessoas através de indenizações e assistências financeiras.
Condições e Observações Importantes:
Segundo as mineradoras, o aumento da proposta está condicionado a termos, incluindo:
- Inexigibilidade de gerenciamento de área contaminada
- Levantamento da restrição à pesca
- Encerramento das portas indenizatórias com data de corte pretérita (PIM, AFE, Novel e afins)
A proposta é não vinculante, confidencial e sujeita a aprovações societárias.
As empresas ressaltam que a oferta busca atender aos principais pleitos do Poder Público, visando a pacificação social e segurança jurídica.
A proposta é válida apenas no contexto da mediação conduzida pelo TRF-6 e não pode ser usada contra as empresas para fins litigiosos.
A proposta foi enviada ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região em 11 de junho.
A barragem de Fundão se rompeu em novembro de 2015, matando 19 pessoas e gerando dano ambiental ainda incalculável. A estrutura era administrada pela Samarco, mineradora controlada pela Vale e pela BHP Billiton.