Cadeiradas, traumas e ideologia: a política é o reino das emoções

Enquanto continuarmos a ignorar o papel das emoções nas escolhas, prevalecerá a ilusão de que a política é questão de razão
Datena dá cadeirada em Pablo Marçal
Cadeirada de Datena em Marçal expõe papel da emoção na política. Foto: TV Cultura/Reprodução

Quando olhamos para a história das grandes decisões políticas, desde a Revolução Francesa até as recentes eleições em democracias ao redor do mundo, notamos algo em comum: a política raramente parece ser movida apenas pela razão. O que nos move, enquanto sociedade, não são apenas os argumentos racionais e friamente calculados, mas as emoções profundas que nos atravessam e moldam nossas visões de mundo. Se observarmos as raízes do comportamento político a partir de uma perspectiva freudiana, podemos entender como experiências emocionais, especialmente traumas na infância, desempenham um papel decisivo nas nossas escolhas ideológicas, empurrando-nos para um lado mais conservador ou progressista do espectro.

Sigmund Freud, o pai da psicanálise, foi um dos primeiros a propor que muito do comportamento humano é determinado por processos inconscientes. O que nos parece racional é, muitas vezes, apenas a ponta do iceberg de um oceano emocional profundo e desconhecido. Em seu estudo sobre o inconsciente, Freud destacou como as experiências infantis, muitas vezes traumáticas, moldam a psique adulta. A infância, esse período em que somos altamente vulneráveis e dependentes dos outros, é o espaço onde se formam as nossas primeiras emoções, medos, desejos e crenças. E é justamente nesse campo fértil de emoções primordiais que a semente da política também pode ser plantada.

Traumas infantis, conforme Freud sugeriu, podem deixar marcas profundas, influenciando o modo como uma pessoa lida com o mundo ao seu redor. Por exemplo, uma criança que cresceu em um ambiente familiar marcado por insegurança e falta de controle pode desenvolver, em sua vida adulta, uma forte necessidade de estabilidade e ordem. Essa busca por segurança pode, então, levá-la a adotar posições políticas conservadoras, onde a defesa das tradições e da ordem estabelecida proporciona um sentimento de controle e previsibilidade. O conservadorismo, nesse contexto, não é fruto de uma análise racional sobre os méritos de políticas econômicas ou sociais, mas sim uma resposta emocional ao medo do desconhecido.

Por outro lado, uma pessoa que, durante a infância, experimentou mais liberdade, confiança e apoio emocional pode desenvolver uma postura mais aberta e progressista. Essa pessoa pode estar mais inclinada a aceitar mudanças e a defender direitos que ampliem as liberdades individuais, pois as emoções de segurança e acolhimento a tornaram mais receptiva ao novo e menos dependente das estruturas tradicionais. Para essas pessoas, a mudança social não é uma ameaça, mas uma oportunidade para criar uma sociedade mais inclusiva e justa.

Essas dinâmicas emocionais explicam por que, em momentos de crise, as reações políticas são tão intensas. Quando uma sociedade enfrenta desafios como a pobreza, a imigração em massa ou uma pandemia, as emoções reprimidas nas profundezas do inconsciente vêm à tona. O medo, a raiva, a insegurança e o desejo de proteção fazem com que os debates políticos se tornem menos racionais e mais carregados de paixão. O eleitor não vota apenas com a cabeça, mas com o coração — ou melhor, com suas feridas emocionais.

Freud, ao estudar as neuroses, observou que os seres humanos tendem a repetir padrões de comportamento em busca de resolver conflitos emocionais não resolvidos. Isso também se aplica ao comportamento político. Quando votamos ou tomamos decisões sobre questões sociais, estamos, muitas vezes, repetindo padrões emocionais que remontam à nossa infância. Uma pessoa que sentiu a necessidade de se rebelar contra a autoridade paterna pode, em sua vida adulta, se tornar um defensor fervoroso de causas progressistas que questionam o status quo. Já quem sentiu a necessidade de agradar e seguir regras impostas por figuras de autoridade pode se tornar um defensor das tradições e da ordem.

A política, portanto, é uma arena onde nossas emoções se expressam de maneira poderosa. E, enquanto continuarmos a ignorar o papel fundamental dessas emoções em nossas escolhas, estaremos perpetuando a ilusão de que a política é, antes de tudo, uma questão de razão.

Mas, como Freud nos ensinou, a razão é muitas vezes a máscara que usamos para esconder nossos desejos e medos mais profundos. A chave para entender a política de hoje pode estar menos nos debates racionais e mais na compreensão das emoções que nos movem e nos definem

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