Que tempos sombrios, credo! Parece que abriram as portas do inferno e mandaram o porteiro embora. Se o lulopetismo inaugurou o odiento “nós x eles”, o assassinato de reputações – inclusive de aliados – e mesmo a violência física contra adversários, o bolsonarismo elevou, à enésima potência, a baixeza e baixaria, turbinadas pela massificação da internet e a onipresença das redes sociais.
Lula e o PT cindiam a sociedade, falsamente, entre ricos e pobres; trabalhadores e empresários; pretos e brancos. Batiam nos opositores – como clamou, certa vez, José Dirceu – nas urnas e nas ruas, como fizeram com Mário Covas e José Serra. E destruíram politicamente, à época, Marina Silva, Ciro Gomes e tantos outros. Fora os pontapés em investidores, na Bolsa de Valores do Rio, durante os leilões de privatização.
Bolsonaro e seus fanáticos, então, nem se fala. Espancaram petistas à exaustão. Aliás, assassinaram dois eleitores de Lula, simplesmente por serem… eleitores de Lula! Atacaram – e atacam – homossexuais. Agridem de forma grotesca qualquer um que não se curve ao mito. Eu mesmo fui vítima da virulência destes cretinos. Sedizentes “cidadãos de bem” que corrompem e são corrompidos. Golpistas mequetrefes em nome de Deus, pátria e família.
Mas tudo pode piorar
Pablo Marçal é a “evolução” da espécie, ou melhor, das espécies. Sim, porque Janones não é pior que Nikolas. Gleisi não é melhor que Zambelli. A barbárie não distingue ideologia ou espectro político. Ela é aberta a tudo e a todos. Basta ser selvagem. E como os há na política brasileira. De posse de um smartphone, então, nem se fala. E dá-lhe mensagens criminosas apócrifas, espalhadas por covardes ocultos, escondidos sob a cama.
Circulam nas redes sociais, trechos “eróticos” de um livro belíssimo, triste e comovente, escrito pelo prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD). É a história de uma moça pobre, do interior, que foi morar e trabalhar “em casa de família” rica na capital. Abusada de todas as formas possíveis pelo filho dos patrões, comeu o pão que o diabo amassou. É impossível ler e não se emocionar. Até porque, é a realidade de milhares de moças no país.
Ao invés de a obra ser reverenciada por trazer à tona o sofrimento – real e cotidiano – de tantas adolescentes pobres brasileiras, tem sido utilizada para, descontextualizando os trechos e os textos, servir de campanha negativa contra Fuad junto aos eleitores “conservadores” do bolsonarista Bruno Engler (PL) e os “evangélicos” de Mauro Tramonte (Republicanos). Aliás, Alexandre Kalil concorda com isso? Eu gostaria de saber.
Há que se ter limite
Quando José Luiz Datena desferiu uma cadeirada no crânio de Pablo Marçal, senti um profundo desânimo, pois estavam, ali, dois candidatos à prefeitura da maior cidade do Brasil. Ato contínuo, quando um assessor íntimo de Marçal esmurrou o nariz do marqueteiro de Ricardo Nunes, pensei: o que vem a seguir? Um tiro? Pois a uma facada já assistimos, em 2018, em Jair Bolsonaro. Aliás, de lá para cá, evoluímos ou regredimos?
Pois o mesmo profundo desânimo toma conta de mim outra vez. Descaracterizar o livro de Fuad não atinge apenas, potencialmente, o candidato a prefeito – e neste caso, o político que se dane, pois se ganhar ou perder, será problema pessoal dele -, mas agride o pai e o avô de família por trás do autor, e, principalmente, o corajoso denunciante da violência sexual, que ainda hoje encontra-se presente em alguns lares abastados do país.
Ataquem-se, políticos, uns aos outros, naquilo que vocês têm de defeitos reais – que já são abundantes e insuportáveis. Agridam-se, espanquem-se, ofendam-se, já que a maioria de vocês só tem isso a oferecer. Mas não ataquem um senhor por aquilo que ele não fez e não é. E não prejudiquem uma causa tão justa e nobre quanto a defesa de crianças abusadas e – por que não? – escravizadas Brasil afora, como fez Fuad Noman.
Na boa, até para ser escroto há que se ter limite.