STJ decide que não cabe recuperação judicial para fundações privadas

Fachada do STJ
Como a denúncia criminal se baseou integralmente nessas provas consideradas ilícitas, o ministro determinou o trancamento da ação penal. Foto: Lucas Pricken/STJ

Em recente pronunciamento, o egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ) dirimiu uma questão de suma importância no cenário jurídico-empresarial brasileiro, qual seja, a possibilidade de fundações de direito privado se submeterem ao regime da recuperação judicial. A Terceira Turma do STJ, por maioria de votos, firmou entendimento no sentido de obstar a aplicação deste instituto às referidas entidades, consolidando uma interpretação restritiva do artigo 1º da Lei nº 11.101/2005.

Esta decisão paradigmática suscita reflexões profundas acerca dos limites e propósitos do instituto da recuperação judicial, bem como sobre a natureza jurídica e o regime legal aplicável às fundações de direito privado. Inicialmente, é importante frisar que o instituto da recuperação judicial, introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela supracitada lei, veio a lume com o escopo precípuo de proporcionar às empresas em situação de crise econômico-financeira a possibilidade de reestruturação e manutenção de suas atividades. Trata-se de um mecanismo legal que visa, primordialmente, a preservação da empresa, reconhecendo sua função social e seu papel como fonte geradora de riquezas, tributos e postos de trabalho.

O legislador, ao delinear o âmbito de aplicação deste instituto, optou por uma delimitação expressa, circunscrevendo-o ao “empresário e à sociedade empresária”. Esta opção legislativa não se deu ao acaso, mas reflete uma ponderação acerca da natureza das atividades econômicas e dos riscos inerentes à atuação empresarial. Neste contexto, merece destaque a constatação de que, mesmo diante da oportunidade de revisão legislativa proporcionada pela promulgação da Lei nº 14.112/2020, o legislador optou por manter inalterada a redação do artigo 1º da Lei nº 11.101/2005, reafirmando, assim, sua intenção original de excluir as fundações privadas do âmbito de aplicação do regime recuperacional.

As fundações de direito privado, por seu turno, constituem-se como pessoas jurídicas sui generis no ordenamento brasileiro, caracterizando-se pela afetação de um patrimônio a uma finalidade específica, geralmente de cunho social, educacional ou assistencial.

A decisão proferida pela Terceira Turma do STJ, nos autos dos Recursos Especiais nº 2.036.410 e 2.155.284, fundamentou-se em uma exegese literal do texto legal, privilegiando a segurança jurídica e a previsibilidade das relações negociais. O voto condutor do acórdão, de lavra do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, enfatizou que a exclusão das fundações privadas do âmbito de aplicação da Lei nº 11.101/2005 foi uma opção deliberada do legislador. Ademais, ressaltou que a extensão deste benefício legal às fundações poderia acarretar consequências indesejáveis, tanto no plano concorrencial quanto no âmbito tributário.

Com efeito, as fundações já gozam de imunidade tributária, nos termos do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal. A concessão de mais este benefício – a recuperação judicial – poderia configurar uma dupla vantagem em relação aos demais agentes econômicos, desequilibrando o ambiente concorrencial e potencialmente desvirtuando o modelo jurídico concebido para estas entidades.

Um dos argumentos mais contundentes apresentados no voto vencedor diz respeito à preservação da segurança jurídica e à manutenção de um ambiente de negócios estável e previsível. Os agentes econômicos, ao celebrarem contratos com fundações, não consideravam a possibilidade de estas virem a requerer recuperação judicial, haja vista a inexistência de previsão legal nesse sentido. A extensão do instituto da recuperação judicial às fundações, por via interpretativa, poderia gerar um cenário de insegurança jurídica, impactando diretamente na concessão de crédito e nas relações contratuais estabelecidas com estas entidades.

Não obstante a robustez dos argumentos que embasaram a decisão majoritária, é mister reconhecer a existência de uma corrente divergente, representada no julgamento pelo voto do Ministro Moura Ribeiro. Esta visão defende a possibilidade de extensão do instituto da recuperação judicial às fundações privadas sob o argumento de que estas exercem atividade econômica e, portanto, deveriam ter acesso aos mecanismos de preservação e reestruturação previstos na lei.

Esta divergência, longe de enfraquecer o entendimento majoritário, serve como um importante contraponto dialético, enriquecendo o debate jurídico e estimulando uma reflexão mais profunda sobre os limites e possibilidades do instituto da recuperação judicial. Ademais, ela sinaliza a necessidade de uma contínua revisão e aperfeiçoamento dos instrumentos jurídicos destinados à preservação e recuperação de entidades em crise econômico-financeira, sejam elas de natureza empresarial ou não.

A decisão em análise, ao delimitar o escopo de aplicação da recuperação judicial, contribui significativamente para a consolidação de um entendimento jurisprudencial sobre a matéria. Contudo, é fundamental ressaltar que esta interpretação não esgota a discussão sobre os mecanismos de proteção e recuperação disponíveis para entidades sem fins lucrativos que enfrentam dificuldades financeiras.

Com efeito, o não cabimento da recuperação judicial para fundações privadas não implica na ausência absoluta de mecanismos de proteção para estas entidades. O ordenamento jurídico brasileiro prevê uma série de institutos e procedimentos específicos, adaptados à natureza peculiar destas organizações, que podem ser mobilizados em situações de crise econômico-financeira.

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