Em meio ao julgamento na Justiça inglesa de uma ação feita por atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana contra a mineradora BHP Billiton, controladora da Samarco ao lado da Vale, o Supremo Tribunal Federal (STF) continua sendo um cenário de outra batalha jurídica relacionada ao desastre – e, agora, com nova troca de acusações entre interlocutores das empresas de mineração e de representantes relacionados dos municípios que processam a BHP em Londres.
A “disputa” no Brasil acontece dentro do processo judicial da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.178, relatada pelo ministro Flávio Dino.
Nesta quarta-feira (4), o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), autor da ação, ingressou com uma petição questionando contratos firmados entre municípios brasileiros e o escritório Pogust Goodhead, que representa os atingidos em Londres. O documento aponta que prefeituras teriam recebido adiantamentos financeiros relacionados a possíveis indenizações futuras, em caso de vitória na Corte inglesa.
Segundo a petição do Ibram, os municípios mineiros de Aimorés e Ipatinga firmaram termos aditivos em 2019 para receber cerca de R$ 630 mil como “adiantamento dos valores de êxito da demanda”.
“Trata-se, evidentemente, de ajuste que afronta os mais comezinhos princípios constitucionais da Administração Pública”, argumenta o Ibram em sua petição, solicitando que todos os municípios listados informem se receberam valores semelhantes.
Contestação
Em resposta, o Consórcio Público para a Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce) apresentou contestação, argumentando que o IBRAM está utilizando a ADPF de forma inadequada. Segundo o Coridoce , “esta ADPF tem claro propósito subjetivo e busca analisar contratos administrativos específicos, o que é totalmente inviável nas ações de controle de constitucionalidade”.
O consórcio destaca que a ADPF é um instrumento voltado a analisar teses em abstrato, não sendo apropriada para questionar contratos específicos. Em sua argumentação, o Coridoce afirma que o caso deveria ser tratado por outros instrumentos jurídicos, como ação civil pública ou ação popular.
O caso se insere no contexto mais amplo das ações de reparação pelos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. O Coridoce menciona em sua peça que as empresas envolvidas “sabiam do risco de rompimento da barragem e, conscientemente, nada fizeram para evitar o resultado”, citando documentos que estimavam perdas de US$ 10,9 bilhões e possíveis mortes quatro anos antes do desastre.
O Coridoce, também em uma petição desta semana, pediu o indeferimento do pleito do Ibram e a condenação do instituto por litigância de má-fé, baseando-se nos artigos 79 a 81 do Código de Processo Civil.
Honorários
Em novembro, o STF formou maioria para impedir que municípios brasileiros paguem honorários advocatícios em ações sobre o desastre de Mariana que tramitam em tribunais estrangeiros sem prévia análise de legalidade pelas instâncias brasileiras. A decisão, que referendou liminar do ministro Flávio Dino por 7 votos a 3, pode impactar diretamente processo de R$ 260 bilhões em julgamento na Justiça inglesa.
Em seu voto, acompanhado pela maioria, o ministro Dino determinou duas medidas principais:
- os municípios devem apresentar cópias dos contratos firmados com escritórios de advocacia estrangeiros
- ficam proibidos de efetuar pagamentos de honorários baseados em êxito (ad exitum) sem autorização prévia do STF.
A decisão fundamentou-se em diversos precedentes do Tribunal de Contas da União (TCU) que consideram ilegais contratos com a administração pública baseados em honorários de êxito, especialmente quando envolvem altas taxas de retorno sobre valores obtidos em favor do poder público. Segundo o relator, os contratos administrativos devem definir precisamente direitos e obrigações das partes, com preço certo e preestabelecido, conforme determina a Lei 8.666/93.
O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), autor da ação, argumentou que as contratações com honorários de êxito expõem o erário e as vítimas a riscos de lesão econômica, pois os escritórios de advocacia se tornariam os principais beneficiários de eventuais reparações obtidas judicialmente.
Acompanharam o relator os ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Votaram contra Edson Fachin, Nunes Marques e André Mendonça. O ministro Cristiano Zanin declarou-se impedido.
A decisão ocorre paralelamente à recente repactuação do acordo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem, que prevê investimentos totais de R$ 170 bilhões, sendo R$ 100 bilhões em recursos novos. O novo modelo estabelece que 40,44% dos recursos (R$ 39,83 bilhões) serão destinados diretamente aos atingidos e 16,38% (R$ 16,13 bilhões) para recuperação ambiental.