‘Bom dia’ talvez seja sempre a melhor maneira de se começar a falar

Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

Vez ou outra somos expostos a essas crises devastadoras que, por mais que tentemos evitá-las, aparecem de tempos em tempos, como aquele amigo que você tenta evitar em festas.

Essas crises costumam nos fazer questionar as instituições democráticas, e nos mergulham em um caldeirão de medo, apreensão e insegurança. E é natural que assim seja, afinal de contas, que diria que um modelo de governo que defendemos desde a Grécia antiga ia, eventualmente, colocar no poder um sujeito com aquele comedor de cloroquina que não deve ser mencionado. 

Claro, porque nada diz “bom dia” como um pouco de desespero matinal.

Mas, ah, o espírito humano!

Acreditamos nele com a mesma fé cega com que acreditamos em dietas milagrosas. É responsabilidade de todos nós enfrentar essas novas pragas, como se não tivéssemos escolha, não é mesmo?

Lava Jato, Covid, incêndios, câncer, aids, e até mesmo os Magno Maltas da vida, eventualmente ficam para trás.

Superar novos desafios é só uma questão de tempo. Afinal, desde que desenvolvemos polegar opositor, aumentamos nossos cérebros e fizemos a depilação definitiva, estamos em uma saga interminável de superação.

Pode nem sempre parecer, mas o mais avançado dos primatas continua sendo menos esperto que qualquer ser humano, incluindo aqueles políticos que, sabe-se lá porque, tem o costume de pintar seus cabelos de marrom acaju.

Nascemos lentos, fracos, com presas e garras insignificantes.

Subir em árvores? Esquece. Enxergar à noite? Boa sorte. Nadar rápido? Nem pensar. Respirar debaixo d’água? Hahaha, boa piada.

Ah, e fotossíntese? Que inveja das plantas! Nem mesmo fomos agraciados com o dom da bioluminescência, como foram vagalumes e aqueles peixes estranhos que têm uma luzinha dependurada na testa. 

E ainda assim, criamos veículos velozes, armas poderosas, metais afiados, prédios altos, e barcos e submarinos que fazem os tubarões parecerem amadores.

E voar? Não nascemos voando, mas inventamos o avião. E nem precisamos mencionar que o brilhante Santos Dumont nos levantou do chão e, não muito depois, Iuri Gagarin foi ao espaço, seguido por Neil Armstrong na Lua.

“Um pequeno passo para um homem, um grande salto para a humanidade.”

Ah, a humanidade, sempre encontrando maneiras de se superar, mesmo quando deveria estar tirando um cochilo.

A raça humana, com todas as suas limitações, sobrevive por uma simples razão: nós aprendemos. Outros animais? Estão presos na mesma rotina há milênios.

Mas nós, seres humanos, transformamos a realidade conforme nossa conveniência. Crise é nosso estado natural. A existência humana é uma crise contínua, uma montanha-russa sem fim. Mente quem diz que não sente tédio profundo quando não tem qualquer problema para resolver.

Mas, claro, nossa incrível capacidade de adaptação e constante desejo de superação nos levarão a superar essa pandemia de protofascistas, apologéticos do estupro, machistas e discurso de ódio.

A caravana nunca para.

De tudo aquilo que já foi colocado no papel, por qualquer ser humano, em qualquer momento, o livro O Som e a Fúria é de longe o melhor. E, na minha nem tão modesta opinião, a melhor passagem, do melhor livro, nos explica perfeitamente bem, a impossibilidade de se impedir a passagem do tempo:

“Era o relógio de meu avô, e quando o ganhei de meu pai ele disse Estou lhe dando o mausoléu de toda a esperança e todo desejo; é extremamente provável que você o use para lograr o reducto absurdum de toda a experiência humana, que será tão pouco adaptado às suas necessidades individuais quanto foi às dele e às do pai dele. Dou-lhe este relógio não para que você se lembre do tempo, mas para que você possa esquecê-lo por um momento de vez em quando e não gaste todo seu fôlego tentando conquistá-lo. Porque jamais se ganha batalha alguma, ele disse. Nenhum batalha sequer é lutada. O campo revela ao homem apenas sua própria loucura e desespero, e a vitória é uma ilusão dos filósofos e néscios.”

Atualmente, 03 orquestras no mundo tocam peças de Antonio Salieri. Salieri era o músico do rei. Era o típico cão que ladra tentando impedir a carruagem de passar.

Mozart, por outro lado, era o piloto dessa carruagem que atropelou Salieri e, nesse exato momento, mais de 142 orquestras pelo mundo tocam as obras desse gênio rebelde.

Pode parecer, às vezes, que a humanidade está caminhando para trás, mas isso nunca é verdade. O que acontece é que, evolução, não um processo uniforme, de maneira que, por certos períodos criaturas mais evoluídas coexistem com as menos favorecidas.

A Extrema Direita pode parecer assustadora. Imagino que da primeira vez que o homo sapiens se deparou com um neandertal, tenha sentido medo.

Contudo, no fim das contas, o homo sapiens sobreviveu ao passo que neandertal foi quase extinto (digo quase por que existem ainda uns poucos, a maioria deles filiados ao PL).

Também costumes nos enganar dizendo que é nossa inteligência e sagacidade que nos fez resistir às provações que nos impõe a natureza. Mentira: sobrevivemos por que vivemos em comunidade, e nos ensinamos, mutuamente, aquilo que aprendemos no mundo.

 Viveremos sem medicina, viveríamos sem engenharia e, algumas pessoas, viveriam até mesmo sem micro-ondas. Porém, sem o direito, a humanidade haveria se extinguido milênios atrás.

Ora: fazendo um cálculo rápido, imagino que sejam necessários, no mínimo, uns 21 deputados de cabelo marrom para derrotar um único tigre. Somos, literalmente, obrigados e ficarmos perto um do outro, a menos que quiséssemos virar comida de tigres de cabelo acaju.

E só damos conta de viver com as pessoas (dizem, ainda não experimentei) porque criamos regras para viver entre elas.

E aí está o Direito, nosso velho amigo. Sem ele, nossa sociedade não existiria. Desde o Código de Hamurabi, temos seguido regras, quer gostemos ou não. E onde há regras, há advogados, aqueles seres fluentes em jargão jurídico, capazes de navegar o labirinto das leis com a graça de um toureiro e o terno de um líder evangélico.

É claro que nós também estamos sempre trabalhando para aumentar a necessidade que o mundo tem da nossa classe. Se ninguém tivesse inventado, por exemplo, o direito dos animais, ninguém morreria por isso, no máximo um ou outro hippie ficaria meio chateado.

Nós, advogados, somos especialistas em transformar necessidades individuais em linguagem jurídica, garantindo que ninguém seja esquecido pelo sistema.

Defensores dos direitos e liberdades individuais, somos nós que enfrentamos o monstro do Estado e da coletividade, armados apenas com nosso conhecimento e, talvez, um bom terno.

Ao passo que oi juiz defende a justiça (que, ao bem da verdade, não existe), e o promotor defende as leis (igualmente inexistentes), nós, advogados, lutamos em favor de nossos clientes contra o leviatã da coletividade.

Agora, com a pandemia de internet, que permitiu a aproximação de indivíduos que outrora não se conheceriam (eis que não são suficientemente espertos para andar pelas ruas sem se perder), uma nova classe de imbecis vem atrapalhando nossas regras bem construídas.

Os tais “incel”, que antigamente eram chamados somente de virgens, estão construindo grupos cada vez mais perigosos. Outro dia ouvi falar em um tal de “red pill”. Me disseram que tem alguma coisa a ver com o filme Matrix. Na mesma hora desisti de assistir o filme (estava na minha fila há quase uma década).

Mas, eles também ficarão para trás. Mais cedo ou mais tarde, um incel acaba achando (ou contratando) alguém para tirar-lhe o celibato. E, por mais que alguns jogadores de Magic insistam em procurar suas virgindades perdidas, a primeira experiência sexual é um caminho sem volta.

O mundo muda. E ainda bem que muda: a melhor maneira de descobrir quem é a pessoa mais burra da sala é, quase sempre, escutando que diz “ah, antigamente que era bom”.

Não, não era não. Antigamente negros eram escravizados, mulheres se casavam aos 13 com homens que tinham idade para ser seus avós, as pessoas matavam umas as outras sem remorso nenhum e na casa do pessoal mais rico sempre tinha um baldinho de cuspe e catarro perto da mesa.

Isso sem falar que, até a década de oitenta, não existia Sonic Youth.

Pois bem: mais uma vez, são advogados que cuidam de proteger as pessoas dos excessos que nascem com as regras e, exatamente por isso, deveriam ser sempre os primeiros a se modernizar.

O advogado moderno precisa estar pronto para um novo mundo. Onde os encontros são virtuais, a reputação é medida em likes, e a autoridade é conquistada online. Os constituintes podem trocar de advogado com um clique, e a informação (ou desinformação) é abundantemente compartilhada.

E não, aquela sua tia velha que até hoje pergunta se o laptop novo tem g-mail não vai sustentar o seu escritório.

Advogados que sobreviverão serão aqueles adaptados a um mundo onde:

  • Não é necessário sair de casa para encontrar um bom advogado.
  • A presença virtual é crucial.
  • Os clientes têm acesso fácil a outros advogados.
  • A informação está mais acessível, mas também a desinformação.
  • As conquistas dos advogados são facilmente verificáveis online.
  • As indicações de clientes passados dependem de uma boa presença virtual.
  • Os clientes são mais informados e exigentes.
  • As mudanças no Direito são rápidas e constantes.
  • A prática do Direito supera teorias abstratas.

No fim das contas é inexorável à boa prática da advocacia uma quantidade cada vez maior de estudo. Tudo muda mais rápido e agora o seu cliente sabe o que significa habeas corpus.

Sabe aquela turma de recém-formados que adora fazer Instagram ensinando as pessoas a montarem escritórios de sucesso? Já repararam que estudar mais do que todo mundo nunca faz parte da estratégia?

Vou contar-lhes um segredo: esse pessoal nunca na vida montou qualquer escritório de sucesso. Esse pessoal não tem nem mesmo condições de advogar no nível que se espera de um bom advogado.

Isso não é um achismo, é um fato quanto dois mais dois são quatro. Desafio absolutamente qualquer advogado que posta mais de vinte fotos por dia a ganhar de mim em qualquer processo que seja.

A única dúvida que paira sobre esse tipo de gente é: “como diabos a OAB permite que essas pessoas continuem fingindo que são advogados e ensinando tudo que existe de mais errado para os jovens recém formados”?

É virtualmente impossível ter tempo para tirar foto de Instagram o dia inteiro, andar de carro “importado” mostrando só o volante para ninguém perceber que o carro é de 1967, passar o dia fingindo que está comprando rolex e ainda ter tempo de trabalhar e estudar o suficiente para ser competitivo na advocacia.

Sabe aqueles que ficam falando que tem 145 clientes por semana? Nas poucas hipóteses em que isso é verdade, eles cobram 2 reais por cliente, e entregam aos mesmos exatamente o que se espera de uma peça escrita por dois reais.  

Não há mais uma “verdade comum”, mas, na advocacia, ainda existe uma verdade universal: quem estuda mais, advoga melhor e, quem advoga melhor, ganha mais dinheiro.

Se você é advogado e não sabe quem é Fazzalari, Chiovenda, Ferrajoli, Franco Cordero, Alberto Binder e companhia, sugiro que considere a possibilidade de trabalhar com venda de água de coco em arraial d´ajuda, eis que não existe nenhum plano de 12 passos, tampouco de 112 capaz de te transformar em um advogado razoável.

Advogados precisam ser rápidos, eficientes e estar sempre atualizados. No fim, a sobrevivência no mundo jurídico moderno é um jogo de adaptação contínua, onde apenas os mais preparados triunfam.

E, ironicamente, é exatamente essa constante crise que mantém a roda girando, separando os advogados daqueles que deveriam se dedicar a outros ofícios.

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