Em tempos antigos, os reis tinham o poder de moldar a economia de maneiras que hoje nos pareceriam estranhas. Uma dessas práticas era a cunhagem de moedas. Os súditos eram obrigados a entregar suas moedas de ouro, que eram então derretidas e reformadas em novas moedas. Curiosamente, essas novas moedas eram mais leves, mas ainda assim mantinham o mesmo valor nominal.
Essa prática tinha suas raízes na economia da época. Os reis, ao controlarem a cunhagem das moedas, podiam efetivamente controlar a economia. Eles podiam manipular o valor das moedas para atender às suas necessidades, seja para financiar guerras, construir monumentos ou simplesmente encher os cofres reais.
Avançando no tempo, vemos um fenômeno semelhante, mas com uma roupagem diferente, no Brasil moderno. Aqui, não são os reis que desvalorizam as moedas e efetivamente controlam a economia, mas as forças do mercado e as políticas governamentais. A inflação sobe, a moeda perde seu poder de compra, e os cidadãos se encontram em uma situação estranhamente familiar à dos súditos de outrora.
Mas, ao contrário dos súditos dos tempos antigos, os cidadãos de hoje têm (ou pelo menos deveriam ter) uma compreensão mais profunda das forças econômicas em jogo.
O real é a 5ª moeda que mais desvalorizou no mundo em relação ao dólar em 2024, acumulando até o momento uma queda de 13,4%.
O início dessa brutal desvalorização do real coincide com o anúncio de alteração nas metas fiscais por parte equipe econômica do governo no início deste ano de 2024. As contas têm impacto nos juros e na cotação da moeda nacional.
Quando o governo gasta mais do que arrecada, ele produz o chamado déficit fiscal — o que contribui para o aumento do endividamento público do Brasil.
Esse maior endividamento leva a um aumento dos preços, dos juros e dos custos na economia. Além disso, o déficit fiscal reduz a confiança dos investidores e dos agentes econômicos no país, o que afeta negativamente a atividade produtiva e o emprego. O déficit fiscal também impede que o governo invista em áreas estratégicas, como educação, saúde, infraestrutura e segurança pública. Por isso, é importante que o governo mantenha um equilíbrio entre as receitas e as despesas, respeitando as regras fiscais e buscando a sustentabilidade das contas públicas.
Aqui, é importante destacar o papel crucial da independência do Banco Central (BC) no controle da inflação. A autonomia do BC garante que a autoridade monetária não seja usada para fins políticos, e que seja capaz de tomar decisões impopulares quando for necessário. Isso é essencial para a estabilidade econômica, a atração de investimentos e a confiança dos mercados, fomentando, por conseguinte, o crescimento econômico a longo prazo.
Importantes atores da economia mundial possuem Bancos Centrais independentes, tais como Estados Unidos, Reino Unido, Japão e os países da zona do euro, centralizados no Banco Central Europeu, entre outros.
A independência do BC no Brasil foi estabelecida pela Lei Complementar 179, que entrou em vigor em 25 de fevereiro de 2021. Esta lei estabelece mandatos de quatro anos para o presidente e os diretores do BC, que não coincidem com o mandato do Presidente da República. A lei também classifica o BC como uma autarquia de natureza especial, caracterizada pela “ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica”.
Portanto, a manutenção da independência do BC é de suma importância. Se houver descontrole da inflação, será importante que o BC mantenha sua independência e tome as medidas necessárias para restabelecer os padrões aceitáveis de inflação, de modo a atingir a meta inflacionária prevista para o período. A independência do BC surge como um pilar essencial para assegurar a estabilidade e proteger a economia de influências e instabilidades políticas que possam comprometer o crescimento econômico e a confiança dos investidores.
A história recente do Brasil mostra que houve períodos em que falhas no controle da inflação com práticas que mais pareciam as antigas cunhagens de moedas. Um exemplo disso foi a década de 1970, marcada pelo choque do petróleo e pela crise da dívida externa. Naquela época, o governo adotou uma política de minidesvalorizações cambiais diárias, que acabou alimentando a inflação. Além disso, o governo recorreu ao financiamento monetário do déficit público, aumentando a emissão de moeda. O resultado foi uma espiral inflacionária que chegou a quase 250% ao ano em 1985.
De se lembrar, ainda, que o Brasil enfrentou diversas tentativas frustradas de estabilizar a economia, como os planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor… Tais planos envolveram medidas heterodoxas, como congelamento de preços, salários e ativos financeiros, além de mudanças de moeda. No entanto, nenhum desses planos conseguiu controlar a inflação de forma duradoura.
Foi somente em 1994, com a implantação do Plano Real, que o Brasil conseguiu domar a inflação e restaurar a confiança na moeda nacional. O Plano Real combinou uma reforma monetária, que criou o real como nova unidade de conta, com uma âncora cambial, que fixou o valor do real em relação ao dólar, e um regime de metas de inflação, que estabeleceu limites para a variação dos preços.
É fundamental que o governo mantenha o controle das contas públicas sob rédea curta, esforçando-se sobremaneira para tal, o que beneficiará toda a sociedade brasileira. Fazendo uso das palavras do a pouco empossado primeiro-ministro português, Luis Montenegro: “A nossa única limitação é apenas fazer coincidir este esforço com um outro que está acima de tudo: quem tem, como nós temos, a missão de cuidar pelo bem-estar de todo um país, tem de ter o sentido de responsabilidade de não fazer nenhum interesse particular, por mais legítimo e justo que seja, fazer claudicar o interesse coletivo de todo um povo e de toda uma nação”.
Então, o que podemos aprender com essa viagem através do tempo? Talvez seja que o poder e a riqueza são, em última análise, efêmeros. As moedas de ouro podem ser derretidas, reformadas e o seu valor pode flutuar, mas o que realmente importa é a maneira como usamos nossos recursos e navegamos pelas correntes da economia, sempre mantendo o controle das contas públicas e das finanças.
E, talvez, a lição mais importante de todas: devemos sempre questionar e buscar entender as forças que moldam nosso mundo, seja ele governado por “reis” ou pelos caprichos do mercado.