Alvo de uma operação para apurar um esquema de corrupção que, segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), resultou no desvio de R$ 650 mil, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Paracatu, na Região Noroeste do estado, tinha um ex-motorista como representante legal em convênios firmados com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese-MG). O documento, que dava plenos poderes ao condutor José Henrique Francisco Clementino, data de dezembro de 2011 e segue vigente.
A procuração, obtida por O Fator, leva a assinatura de Maria Magali Carneiro Caldas, presidente da Apae. O documento nomeia José Clementino “com poderes especiais para representá-la perante a Sedese, com a finalidade de assinar todos os documentos necessários referentes a convênios, podendo para tanto requerer, alegar, assinar o que preciso for, oferecer e retirar documentos, cumprir exigências e formalidades, cadastrar e recadastrar, inscrever, cancelar, prestar declarações e informações de qualquer natureza, preencher formulários, ratificar e retificar, receber notificações e citações e tudo mais”. A procuração está registrada no 1º Cartório de Ofício de Notas de Paracatu.
A operação do MPMG, por sua vez, foi deflagrada no último dia 10 de outubro. A entidade, com o apoio do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) e da Polícia Militar (PMMG) revelou, por meio da operação “Usurpadora”, um esquema de corrupção na entidade.
Os agentes envolvidos na força-tarefa cumpriram quatro mandados de busca e apreensão e um mandado de prisão preventiva. Foram recuperados um barco, um jet ski, uma caminhonete e um carro Fiat, modelo Punto. Na ocasião, a responsável pelo departamento financeiro da Apae, Danielle Linderski, que trabalhava há 15 anos na entidade, foi detida. Ela responde pelo crime de peculato, que versa sobre apropriação e desvio de recursos públicos em benefício próprio ou de terceiros.
De acordo com o MPMG, Danielle Linderski se colocava como beneficiária dos cheques assinados pela diretoria da instituição. Além disso, o golpe era aplicado por meio de transferências bancárias. Recentemente, Danielle firmou um acordo com o MPMG e foi solta após confessar o crime e se comprometer a devolver os valores desviados da instituição.
A primeira parcela do trato é de R$ 150 mil. Segundo apurou a reportagem, embora o Ministério Público diga que o caso corre sob segredo de justiça, até essa quarta-feira (13), Danielle não havia quitado o valor.
Danielle é irmã do vereador George Linderski (PL). Este ano, o parlamentar foi reeleito em Paracatu com 663 votos. Formado em fisioterapia, George trabalhou durante 12 anos na Apae da cidade. Nas redes sociais, o vereador falou sobre a prisão da irmã. “Não tenho nada com isso. Tenho oito anos de vida pública e nunca fui investigado. Graças a Deus”, afirmou.
Segundo a promotora de Justiça de Paracatu, Tais Rachel Alves Trindade, os valores desviados podem ser maiores. Além disso, há indícios de outros crimes, como formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
“As investigações estão apenas no começo. Mas pode haver, sim, outros crimes como formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Tudo vai depender das investigações que, repito, estão no início”, diz, a O Fator.
Procuração
O Fator questionou o MPMG sobre a procuração. Segundo a entidade, o documento não consta no escopo da investigação que deu origem à operação de outubro. Embora o ofício dê plenos poderes a José Henrique Francisco Clementino, o estatuto da Apae de Paracatu, em um de seus artigos diz que “compete ao presidente representar a Apae, ativa e passivamente, em juízo ou fora dele, perante as entidades de direito público e privado”.
Ainda segundo o regimento, em caso de ausência do presidente, suas funções são assumidas pelo vice-presidente.
A reportagem conseguiu falar com o motorista José Henrique Francisco Clementino sobre o documento. Ele disse não se lembrar de ter assinado qualquer convênio em nome da Apae em Belo Horizonte. Durante a conversa, por telefone, ele contou, ainda, ter trabalhado durante 38 anos na instituição até se aposentar no ano de 2021.
A advogada Edna Castro, defensora da Apae de Paracatu, também foi questionada sobre a procuração. Ela disse desconhecer o documento. Em seguida, afirmou que a escritura “não tem validade legal”.
Advogados ouvidos por O Fator disseram que a procuração é legal e sua existência, no mínimo, “estranha”.
O Fator tentou, por diversas vezes, por telefone, falar novamente com a advogada de defesa da Apae, mas não obteve retorno até o fechamento deste texto. A assessora de imprensa da instituição também não retornou as ligações da reportagem. O objetivo era conseguir um posicionamento de Maria Magali Carneiro Caldas a respeito do tema.
Passivo trabalhista
Em meio ao imbróglio, o salário de outubro dos trabalhadores da APAE de Paracatu ainda não foi pago. No último dia 6, Maria Magali e a diretora administrativa da instituição, Maria Aparecida Adjuto, acompanhadas pela advogada de defesa da Associação, Edna Castro, convocaram uma audiência pública na Câmara Municipal.
No evento, as diretoras ressaltaram a importância da Apae e pediram doações para que a instituição consiga pagar os trabalhadores. Participaram ainda representantes do MPMG e várias autoridades do município. Alguns vereadores, como George Linderski (PL), também estiveram presentes.
Os desvios financeiros vieram a público no início do mês de outubro, após denúncia feita pela diretoria da Apae junto ao Ministério Público. A instituição informou que identificou “movimentações irregulares nas suas contas bancárias bem como equívocos na execução de parcerias firmadas”.
Segundo o Ministério Público, entrou em funcionamento no início do mês uma comissão para apurar os possíveis desvios e entender as diretrizes de funcionamento da Apae paracatuense.
Federação das Apaes se pronuncia
Também acionada por O Fator, a Federação das Apaes do Estado de Minas Gerais (FeApaes-MG) afirmou que a delegação de poderes, como visto na procuração assinada em Paracatu, é expediente costumeiramente adotado pelas seccionais da associação.
“É comum nas Apaes, principalmente em um período onde inexistiam processos e procedimentos eletrônicos, a busca e entrega de documentos físicos em diversos órgãos do Estado de Minas Gerais, como por exemplo a SEDESE. Em geral, ações dessa natureza deveriam ser realizadas pelo presidente ou por terceiro munido de procuração específica para tal finalidade. Diante da dificuldade de deslocamento do presidente até a capital, face à distância física e considerando, ainda, serem pessoas voluntárias, que possuem compromissos fora da Apae, por vezes os mesmos se faziam representados por funcionários de sua confiança, nomeados por ele para determinada finalidade. Cremos tratar-se de situação semelhante”, afirmou a federação.
A federação ainda afirmou que os presidentes das Apaes têm autonomia para transferir responsabilidades.
“Enquanto instituição que segue as regras do direito privado, o presidente é o gestor da instituição, cabendo a ele a liberdade de delegar atos operacionais, o que não lhe retira a responsabilidade legal pelos mesmos. Não há nenhuma irregularidade nesse sentido”, apontou.
Ainda segundo a FeApaes, a Apae de Paracatu “ao identificar as irregularidades já divulgadas, não hesitou na tomada de providências e apuração das responsabilidades de forma a resguardar a credibilidade sempre presente nas ações da entidade”.