Quando a São Clemente pisar na Marquês de Sapucaí, perto das 2h30 deste domingo (1°), o público na Passarela do Samba e os telespectadores não vão se deparar com o tradicional show de fogos que antecede todo e qualquer desfile. Afinal de contas, seria um contrassenso lançar mão do foguetório para anunciar uma apresentação que vai denunciar os maus tratos aos animais e, como diz o samba de enredo, pretende “adotar” os “fiéis companheiros”.
Por trás da ideia de levar um desfile sobre a proteção aos bichanos à Sapucaí está o deputado federal Fred Costa (PRD-MG), que apresentou o tema à escola e ajudou a idealizar o enredo. A decisão de não utilizar os fogos foi acompanhada por outra medida: nenhuma das fantasias e alegorias da São Clemente terá insumos de origem animal. Assim, elementos como as penas retiradas de faisões e as plumas ficarão de fora.
“A São Clemente tem uma característica muito peculiar. Ela é conhecida como uma escola crítica e irreverente. Ela abraçou muito bem o tema e entendeu que isso (a não utilização de insumos de origem animal) é o caminho do carnaval”, diz Costa, a O Fator.
A veia de protesto é, de fato, uma característica da São Clemente, escola que por muitos anos compôs o Grupo Especial do Rio de Janeiro. A discografia da agremiação tem sambas denunciando mazelas como a proliferação das crianças vivendo nas ruas do país nos anos 1980. Abusando do sarcasmo, a aurinegra também já falou sobre o “jeitinho brasileiro”, como em 2020.
Por causa de um rebaixamento sofrido em 2022, agora a escola milita no Grupo de Acesso, a segunda divisão carioca. A queda, entretanto, não tirou a capacidade de pôr o dedo na ferida do DNA da escola. A característica também estará presente no desfile deste ano.
O objetivo é fazer da Sapucaí o palco de um manifesto em defesa da adoção dos animais. Protetor dos bichos e do meio ambiente, São Francisco de Assis terá destaque em um carro alegórico. A escultura em homenagem ao santo abençoará os pets logo na abertura do desfile.
Depois, o plano é mostrar o “circo dos horrores” vivenciados pelos animais abandonados. No fim, como quem vai do oito ao 80, a proposta é mostrar a esperança. Assim, a última perna da escola vai retratar o mundo ideal, com adoções e respeito aos bichos.
Embora sejam os protagonistas do espetáculo, os cães não estarão presentes.
“Seria uma tremenda incoerência. Eles têm audição e olfato muito mais sensíveis que os nossos. É horário de cachorro estar descansando – e não ter estresse com aquela barulheira”, explica Fred Costa.
Para substituir a presença física dos animais, a equipe de criação da escola, liderada pelo carnavalesco Mauro Leite, preparou esculturas de diversos tipos de pets.
“Haverá uma ala que fala das leis, lembrando da Lei Sansão, que impõe cadeia a (praticantes de maus tratos)”, revela o deputado mineiro.
Olha o Adnet aí, gente!
O desfile da São Clemente ainda deverá contar com a participação do comediante Marcelo Adnet, torcedor da escola. Compositor de sambas de enredo, Adnet participou do concurso que escolheu a canção responsável por embalar a apresentação da agremiação. O humorista, entretanto, viu sua letra ser derrotada na competição. O resultado da disputa interna, aliás, foi incomum: a escola optou por juntar duas obras concorrentes. A fusão leva a assinatura de canetas pesadas no mundo do samba, como a de Leonardo Bessa, que por muitos anos foi o intérprete oficial do Salgueiro.
O samba de enredo clementiano começa com São Francisco de Assis e lembra funções importantes dos cachorros, como a de ajudar pessoas com deficiência visual a se locomover.
“São Clemente vai na raça/ Brasileiro, vira-lata, o povo te adotou/ Fiel companheiro, no escuro me guia, és minha luz/ Teu olhar é o que me seduz”, diz o refrão principal, cantado pelo puxador Rafael Tinguinha.
“O enredo da São Clemente deverá ser o de mais fácil leitura de toda o Grupo de Acesso em 2025. Então, para o tema sobre a proteção aos cães, um samba simples é o mais adequado. O refrão do meio ‘é preto, é caramelo’ é bem chamativo, sendo o trecho que mais se destaca na obra clementiana”, analisa o jornalista e crítico de carnaval Marco Maciel, editor-chefe do Sambario, o mais antigo site especializado em sambas de enredo em atividade no país.
Fred Costa também demonstra empolgação com o samba da São Clemente.
“É um samba-enredo fácil de ser decorado, o que é importante. Leva a mensagem que queremos passar à Sapucaí, de conscientização e educação”, comemora.