Como especialistas avaliam a possível auditoria da dívida de Minas com a União

Revisão dos valores devidos ao governo federal pode, para ex-advogado-geral, diminuir passivo bilionário contraído pelo estado
Negociação pela dívida do Estado com a União continua. Foto: Agência Minas
Negociação pela dívida do Estado com a União continua. Foto: Agência Minas

A auditoria da dívida de Minas Gerais com a União, supostamente autorizada pela Secretaria de Estado da Fazenda (a pasta nega oficialmente), reacendeu, entre personagens ligados às contas públicas mineiras, a esperança de que o encontro de contas pode ser um passo importante para reduzir os R$ 165 bilhões cobrados pelo governo federal.

O trabalho de revisão dos valores, inicialmente noticiado pelo Estado de Minas, foi confirmado por O Fator, que soube que auditores ligados ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) também atuam na verificação de materiais que contam a trajetória do passivo bilionário.

Por ora, os debates sobre a amortização do débito se concentram no programa batizado de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados junto à União (Propag). Apresentado pelo presidente do Congresso Nacional, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o arcabouço tem como pilar, a federalização de estatais mineiras. O repasse das empresas à União serviria para garantir um abatimento imediato de R$ 80 bilhões.

Restariam, então, outros R$ 80 bilhões. A reboque da federalização, a ideia é que a União forneça desconto de metade do saldo devedor, o que levaria Minas Gerais a desembolsar apenas R$ 40 bilhões — cerca de 25% do valor original.

Ex-chefe da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais (AGE-MG), o professor Onofre Alves Batista Júnior, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vê com bons olhos a auditoria da dívida. Para embasar a opinião, ele recorre à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), imposto federal criado nos anos 1980. A CSLL nasceu para bancar ações de seguridade social, mas, segundo Onofre, nunca teve fatias repassadas pela União aos estados, gerando perdas a Minas.

“Existem questões diversas que me levam a crer que a dívida praticamente não existe. Basta ver a fraude da CSLL, que lesou MG em mais de R$ 60 bilhões. E nem vamos falar do ‘cano’ dado com relação às compensações da Lei Kandir”, diz, a O Fator.

A Lei Kandir, também citada por Onofre, garantiria, aos estados, compensações por perdas na arrecadação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que incidia sobre produtos exportáveis. Ocorre que, na prática, a compensação prometida às unidades federativas não alcançou o patamar dos prejuízos.

Em 2020, Zema aceitou receber R$ 8,7 bilhões como forma de reparar as perdas da Lei Kandir, mas o valor é considerado baixo por alguns especialistas.

“Temos de ir na origem da dívida. Quem fez essa dívida? Os valores pagos eram os que tinham de ser pagos? Como a dívida começou? É preciso ir na origem da dívida e auditar absolutamente tudo”, aponta Hugo René de Souza, diretor de Relações Intersindicais e Parlamentares do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais (Sinfazfisco-MG).

Hugo avalia positivamente a intenção do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais (Sindifisco-MG), que levou, à Fazenda estadual, a ideia de uma auditoria, mas faz ponderações.

Segundo ele, antes do início da auditoria, todas as conversas relacionadas a uma eventual adesão de Minas ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) precisam ser paralisadas. Antes do surgimento do plano de Pacheco, o RRF era visto, pela equipe econômica de Zema, como saída para a crise fiscal do estado, mas sofria a oposição de parte dos deputados estaduais, críticos a contrapartidas do pacote de medidas e temerosos de desinvestimentos em políticas públicas.

“No Regime de Recuperação Fiscal, um dos pré-requisitos é abrir mão de toda e qualquer ação judicial. Se formos fazer uma auditoria da dívida para detectar algo depois que o Regime for assinado, não se pode judicializar. Vai reclamar para quem?”, aponta o diretor do Sinfazfisco.

“Toda e qualquer proposta – a de Haddad, de Pacheco ou da Assembleia – tem de olhar para o lado do cidadão mineiro. A União pode se enxergar como banco – e o estado de Minas não pode se vitimizar por isso. Já que o estado está propenso a fazer, para tudo (as negociações de refinanciamento) e vamos fazer (a auditoria)”, emenda.

Dívida externa pode entrar na equação

Para Onofre Alves Batista Júnior, a equação ligada à dívida mineira precisa levar em conta o Plano Brady, montado para amortizar dívidas externas. O Brasil aderiu ao mecanismo em 1994, sete anos depois de ter declarado moratória.

“Em minha opinião, a União obteve descontos no pagamento da dívida externa que não foram repassados aos estados. Tenho a convicção de que isso ficará evidenciado nas investigações. O caso VASP prova o que houve e SP já venceu esse debate”, projeta.

Foi assim, aliás, por causa do Plano Brady, que São Paulo conseguiu, em 2018, suspender o bloqueio de mais de R$ 100 milhões em repasses federais que serviriam para custear dívidas da extinta Viação Aérea São Paulo (Vasp). A decisão foi proferida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Dose de ceticismo

Apesar do aval à auditoria da dívida, um interlocutor ouvido sob anonimato pela reportagem demonstrou temor com parte dos aspectos ligados ao encontro de contas.

Segundo ele, a auditoria pode, a depender de seus rumos, acabar impulsionando a adesão de Minas ao Regime de Recuperação Fiscal — uma vez que, a reboque da possibilidade de revisão dos números, o estado poderia recusar o ingresso em um refinanciamento nos moldes do proposto por Pacheco.

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