Do Oscar para o Mineirão: as construções brutalistas que compõem a paisagem de BH

Estilo retratado em ‘O Brutalista’, vencedor de três estatuetas, ganhou o mundo e tem espaço no roteiro arquitetônico da capital
Estádio Mineirão
Mineirão, inaugurado em 1965, é exemplo de arquitetura brutalista. O estádio é obra de Eduardo Mendes Guimarães Jr. e Gaspar Ferdinando Garreto (projeto original); e Bruno Campos, Marcelo Fontes e Silvio Todeschi (BCMF arquitetos - reforma) Foto: Marcelo Palhares/ArqBH

Vencedor de três categorias da edição deste ano do Oscar, o filme “O Brutalista” se passa em 1947, logo após a Segunda Guerra Mundial, quando o arquiteto húngaro László Toth (Adrien Brody) e a esposa Erzsébet (Felicity Jones) fogem da Europa devastada em busca de um novo começo nos Estados Unidos da América (EUA). Na jornada, além de testemunhar o surgimento da América moderna, Toth se depara com um sonho americano em bandeja de prata: a chance de projetar um grandioso monumento modernista que moldaria a paisagem do país que ele e Erzsébet passaram a chamar de lar.

O projeto arquitetônico que Toth desenvolve ao longo do filme é calcado em construções feitas da maneira mais econômica possível, resultando em edifícios insípidos, compostos por blocos monolíticos baratos, distribuídos por vastas áreas que, antes, estavam abandonadas. Nascia, ali, o brutalismo, que foi sendo aperfeiçoado com o passar dos anos e ganhou as ruas de diversas cidades do mundo. Exemplos do estilo estão presentes, inclusive, em Belo Horizonte.

São dezenas as obras brutalistas que qualquer um pode apreciar em uma simples caminhada pela capital mineira. Uma das mais conhecidas é o Estádio Mineirão, na Pampulha, inaugurado em 1965. A lista tem o não menos conhecido edifício-sede da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), de 1982, além dos icônicos “tijolinhos” do Mercado Novo (1962) e as sedes de relevantes entidades, como o Banco de Desenvolvimento do estado (BDMG).

No filme, a relação entre o brutalismo e Toth, personagem que rendeu a Brody o Oscar de melhor ator, nasce a partir do rico e carismático industrial Harrison Van Buren (Guy Pearce), que oferece ao húngaro a chefia do ambicioso projeto modernista. 

As bases da encomenda feita a Toth eram as mesmas da arquitetura que estava sendo praticada na Europa, que enfrentava uma urgente necessidade de construções em grande escala. Casas, hospitais e escolas tornaram-se grandes oportunidades para os arquitetos. 

“Não havia preocupação em estabelecer uma conexão com a rua ou em criar um aspecto urbano atraente”, explica o arquiteto Marcelo Palhares, da Horizontes Arquitetura e Urbanismo e criador do site ArqBH, um guia virtual das construções de Belo Horizonte.

Veja, a seguir, exemplos da arquitetura brutalista em BH. Todas as fotos foram cedidas pelo ArqBH, exceção feita à da Usiminas, do acervo do escritório Farkasvölgyi.

Arquitetos responsáveis pelo brutalismo em BH

  • Mineirão: Eduardo Mendes Guimarães Jr. e Gaspar Ferdinando Garreto (projeto original); e Bruno Campos, Marcelo Fontes e Silvio Todeschi (BCMF arquitetos – reforma)
  • Mineirinho: Francisco Abel Magalhães e Richard Lima
  • Fundação João Pinheiro: Galileu Reis
  • Mercado Novo: Fernando Graça e Sandoval Azevedo Filho
  • Atual agência do Banco Safra: Raul Lagos Cirne
  • Antiga sede da Usiminas: Raphael Hardy Filho, Álvaro Hardy e István Farkasvölgyi
  • Rodoviária de BH: Walter Machado, Fernando Graça, Francisco Espírito Santo, Luciano Passini, Suzy de Mello, Mario Berti, Marina Wasner, Ronaldo Mazotti, Raul Cunha e Mardônio Guimarães. Paisagismo do escritório de Roberto Burle-Marx
  • Sede do BDMG: Humberto Serpa, Marcos Meyer (Matu), Márcio Pinto de Barros e William Ramos Abdalla
  • Residência Guy Geo: William Ramos Abdalla
  • Residência Jinko Yoanime: William Ramos Abdalla
  • Edifício-sede da Cemig: Fernando Luiz Santiago e José Emílio Costa
  • Agência do Santander: Gilberto Del Sole

Raízes britânicas e rejeição a materiais industriais

A origem do brutalismo remonta, segundo Marcelo Palhares, ao casal de arquitetos ingleses Alison e Peter Smithson, que se deixaram influenciar principalmente pelas obras do arquiteto franco-suíço Le Corbusier, especialmente o conjunto residencial Unité d’Habitation em Marselha, na França, e os edifícios de Chandigarh, na Índia. Nesses projetos, as superfícies que antes seriam revestidas foram substituídas por concreto aparente, exibindo uma estética bruta e natural.

Os Smithson se opuseram ao modelo racionalista de construção em massa e buscaram revitalizar o conceito de cultura da rua. Inspirados por Le Corbusier, trabalharam a arquitetura de forma plástica e escultórica, empregando materiais — especialmente o concreto — em sua forma rudimentar, sem qualquer revestimento, às vezes com um toque rude.

O resultado foi, de acordo com Palhares, uma obra ousada e radical, em contraste com a produção modernista da época. Contudo, esses projetos também eram polêmicos e possuíam uma aparência opressiva.

O brutalismo emergiu como uma reação ao uso excessivo de materiais industrializados e à uniformidade dos projetos daquela época. Os arquitetos brutalistas procuravam uma linguagem mais genuína, que valorizasse a “verdade estrutural” e a expressão dos materiais em seu estado bruto. O uso do concreto pode, segundo Marcelo Palhares, ser interpretado como um reflexo das vivências estéticas e emocionais desses arquitetos, que testemunharam suas cidades e edifícios devastados pela guerra.

Originado em Londres, o brutalismo se espalhou pela Europa, vigorando entre as décadas de 1950 e 1960, principalmente na arquitetura soviética. No Brasil, o estilo entrou em cena um pouco mais tarde. A razão era que, nos anos do pós-guerra, o país respirava a arquitetura modernista clássica, simbolizada por Oscar Niemeyer e presente, inicialmente, no conjunto arquitetônico da Pampulha e depois em Brasília (DF).

Desta forma, diferentemente do que ocorreu no Velho Continente, o brutalismo ganhou forma no Brasil um pouco mais tarde, nos anos de 1960 e 1970. No eixo Rio-São Paulo, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1967) e o Museu de Arte de São Paulo (Masp), de 1968, são, segundo Marcelo Palhares, dois exemplos de pioneirismo da arquitetura brutalista no Brasil.

Brutalismo em Belo Horizonte

Segundo Marcelo Palhares, o brutalismo na arquitetura entrou em decadência por razões econômicas. É que a edificação em concreto aparente é muito mais cara que a convencional, que utiliza a alvenaria, método de construção que emprega tijolos, blocos ou pedras unidas por argamassa para criar paredes, colunas e outras estruturas. 

Já o brutalismo utilizava na composição de seu principal insumo, o concreto, duas commodities: o cimento e o aço, cujos preços são formados globalmente, o que, segundo Marcelo Palhares, torna o custo de uma obra muito instável.

De acordo com Palhares, quem desejar conhecer as obras que representam o brutalismo belo-horizontino precisa ter em mente que o estilo representa uma época arquitetônica.

“As pessoas acham que é muito pesado, muito feio, porque para a cultura contemporânea, não é o tipo de arquitetura que representa nossa cultura, a nossa forma de ver a cidade. Então, o principal é tentar entender que essa arquitetura reflete a história e a cultura de um tempo”.

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