Em meio a um cenário conturbado, o novo comandante da PM mineira, Carlos Frederico Otoni Garcia, já vai entrar na chefia da corporação tentando apagar um incêndio na relação com deputados estaduais. O Fator apurou que, ainda nesta quarta-feira (25), Frederico deve telefonar ao deputado estadual Sargento Rodrigues (PL) para se aproximar e “iniciar uma nova fase”. O novo chefe da polícia também pretende convidar todos os membros da Comissão de Segurança Pública da ALMG para uma reunião nos próximos dias.
A iniciativa se dá depois do discurso crítico do coronel Rodrigo Piassi, ex-comandante da PM, repleto de críticas a Sargento Rodrigues. Piassi chamou a atuação de Rodrigues de “ameaça segura” ao futuro da corporação e disse ver “alinhamento aparente” da Mesa Diretora da Assembleia à postura do parlamentar.
Piassi e Rodrigues estão em rota de colisão há alguns meses, sobretudo, por causa de reivindicações da bancada da Segurança Pública na Assembleia Legislativa, como a recomposição salarial das tropas. Horas antes de o governo decidir trocar o comando da PM, na segunda-feira (23), o parlamentar chegou a postar um vídeo em tom crítico ao coronel.
A propósito, Piassi não foi o único a tecer comentários críticos. O próprio governador Romeu Zema, em trecho de sua fala, insinuou que há quem só pense na própria eleição, e não na PM. “Eu quero apontar para o que o Piassi disse no discurso dele. Nós temos de tomar cuidado com a politicagem. Tem pessoas que não estão interessadas no bem da polícia, mas querem sim é ganhar a próxima eleição”, disse Zema.
Apagando fogo
Ainda nesta quarta-feira (25), o secretário de Estado de Governo, Gustavo Valadares, afirmou não concordar com a declaração de Piassi e que o governo trabalha para ter uma relação “cada dia mais amistosa” com a Assembleia.
“Gostaria de primeiro agradecer o trabalho do coronel Piassi quanto comandante da Polícia Militar, dizer que foi um prazer trabalhar com ele, mas também ponderar que a colocação dele no seu discurso de despedida como comandante-geral da Polícia Militar não reflete o meu entendimento, nem o meu sentimento da corporação, nem mesmo o governo do Estado. Ele tem obviamente como pessoa o direito de expressar os seus sentimentos, mas nós, governo do Estado, secretaria de governo, Polícia Militar através do seu novo comandante, comandante Frederico, coronel Frederico, nós vamos continuar trabalhando para construirmos uma relação cada dia mais amistosa com a Assembleia Legislativa, a qual respeitamos muito pelo belíssimo trabalho e papel que desempenha no estado de Minas Gerais. E em especial com a Comissão de Segurança Pública na pessoa de todos os seus cinco membros. Tenho certeza que o coronel Frederico fará um trabalho de aproximação e de diálogo permanente com a instituição Assembleia Legislativa”, disse Valadares.
O discurso
“Nesse meu último pronunciamento como oficial da ativa da gloriosa Polícia Militar de Minas Gerais, peço, de maneira humilde e intensa, que a Mesa Diretora da Assembleia Legislativa não seja conivente com o desmonte da hierarquia e da disciplina militar na Polícia Militar de Minas Gerais. Infelizmente, aquele que defende o direito dos militares estaduais se tornou uma ameaça segura ao futuro de nossa instituição”, disse Piassi, no discurso de despedida.
O militar entregou o comando da corporação ao também coronel Carlos Frederico Otoni Garcia, que chefiava o gabinete militar do governador Romeu Zema (Novo).
“Com o argumento de valorizar e defender os interesses e necessidades dos militares estaduais, esse parlamentar tem sistematicamente atacado a coesão das tropas e solapado a estrutura de hierarquia e disciplina que sustenta a política militar. Para meu desalento, senhoras e senhores deputados estaduais, com um alinhamento aparente da Assembleia Legislativa, que permite uma espécie de discussão orgânica em uma de suas comissões permanentes – aliás, naquela onde se deveria tratar de um dos mais sérios problemas vivenciados no país: a segurança pública”, continuou o agora ex-comandante-geral da PM mineira.
Ao falar sobre a atuação de Rodrigues, Piassi lembrou do movimento que deu projeção ao político do PL: a greve dos PMs do estado em 1997. O movimento, que foi o primeiro do tipo no Brasil, passava por pedidos de aumento salarial e por melhorias nas condições de trabalho. A revolta ainda foi marcada pela morte do cabo Valério dos Santos Oliveira, baleado.
Durante a cerimônia de transmissão do comando da PM, um detalhe chamou a atenção de espectadores do evento: o desfile das tropas foi liderado pelo coronel Garcia, o novo líder da corporação, e não pelo antigo comandante, como tradicionalmente ocorre.
Dissonância ‘funcional’
Segundo o coronel, agora movido para a reserva da PM, as divergências com Rodrigues não são pessoais, mas de cunho “funcional”.
“Suportamos e suportaremos quaisquer problemas enquanto as bases da hierarquia e da disciplina estiverem sólidas”, opinou. “Liderar movimento grevista, incitar policiais militares a paralisar suas atividades e a desobedecer as ordens de seus superiores hierárquicos não são atitudes que possuem, a meu ver, elo com as atividades político-legislativas”, apontou, instantes depois.
O Fator procurou Sargento Rodrigues para emitir comentário a respeito do discurso de Piassi. O parlamentar informou estar cumprindo uma agenda eleitoral ao lado de Bruno Engler (PL), que concorre à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), e prometeu responder mais tarde.
A reportagem também acionou a equipe do presidente da Assembleia, Tadeu Martins Leite (MDB), por causa das citações de Piassi à Mesa Diretora da Casa.
“Tal declaração está, certamente, entre as várias motivações que explicam a saída do ex-comandante. A troca no Comando-Geral da Polícia Militar de Minas Gerais representa, definitivamente, uma página virada. Desejamos êxito ao novo comandante, coronel Carlos Frederico Otoni Garcia. O Parlamento reafirma sua postura de independência no exercício da representatividade e harmonia na relação entre as instituições”, afirmou o emedebista.