O governo Lula escondeu do acesso público documentos do Exército sobre a compra de um aparelho espião que arranca dados de telefones celulares.
As informações foram pedidas por O Fator via Lei de Acesso à Informação (LAI) e negadas pela Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), chefiada pela Casa Civil, a última instância nesse tipo de processo.
A compra do aparelho espião se deu no fim de 2021, durante o governo Bolsonaro. O aparelho, chamado Cellebrite UFED, é de origem israelense, e o Exército comprou sem licitação da empresa TechBiz Forense Digital por R$ 528 mil. Os dados estão no Portal da Transparência. O empenho foi pago em maio de 2022.
Em agosto de 2022 o jornalista Leandro Demori revelou que o Comando de Defesa Cibernética do Exército pediu informações para subsidiar uma resposta ao TCU sobre o equipamento espião.
“[S]olicito verificar a possibilidade desse Comando Militar de Área informar a quantidade de IPMs [Inquéritos Policiais Militares] instaurados no âmbito desse Grande Comando nos últimos 5 (cinco) anos que, de alguma forma, tenham relação com dispositivos móveis”, diz o ofício. O texto também pede “a quantidade de perícias em dispositivos móveis que foram realizadas no âmbito desse Grande Comando”.
Naquele mesmo mês, Lucas Furtado, subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, redigiu representação para apurar possíveis irregularidades ocorridas na compra pelo Exército do Cellebrite UFED.
Pelos poucos documentos de acesso público do processo, Furtado enfatizou “o silêncio do Exército sobre os motivos para a aquisição do equipamento, para ressaltar que, sob o manto do sigilo, os motivos restam acobertados, aspecto que vai de encontro à transparência e segurança jurídica que se espera das atividades administrativas”.
Um dos diretores do TCU, em resposta, argumentou que “os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade e que, em cognição sumária, não há suficiência de indícios de irregularidades”.
O processo no TCU foi arquivado já em novembro de 2022, com a representação de Furtado sendo considerada improcedente.
O governo Lula atuou para manter tudo debaixo do tapete. A decisão final da CMRI sobre o pedido de acesso à informação foi tomada em janeiro deste ano, e é assinada por Miriam Belchior, nº 2 da Casa Civil.
A CGU e a Casa Civil acolheram o argumento do Exército de que o ofício “foi tornado sem efeito por vício de competência”, ou seja, anulado, “podendo apresentar riscos na divulgação, por não corresponder a um posicionamento formal e unificado” do Comando do Exército.
O ofício, disse o Exército, “foi produzido pelo Chefe de Gabinete do Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber) e encaminhado diretamente para os Comandos Militares de Área”, sendo que “o referido documento deveria ter sido enviado para o Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT), a quem o ComDCiber encontra-se subordinado”, o qual, por sua vez, “verificaria a necessidade ou não de encaminhá-lo para os Comandos Militares de Área”.
Na análise da CMRI, “[n]o caso em comento, embora o documento tenha sido produzido de fato, o ato que o tornou sem efeito lhe impôs um novo estado: a inexistência no sentido jurídico como ato administrativo”.
Na verdade, não há nenhuma previsão na Lei de Acesso à Informação para negar acesso a documentos nulos ou desatualizados.
Com a negativa da CMRI, também foram mantidos em sigilo os demais documentos produzidos pelo Exército sobre o mesmo assunto.
A Casa Civil disse O Fator que “respostas via LAI não passam pela Assessoria de Comunicação da Casa Civil”. A Casa Civil preside a comissão final que avalia os pedidos via LAI, e a negativa a O Fator é assinada pela nº 2 da Casa Civil.