As críticas do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), ao que chamou de “conotação política” do Judiciário no Brasil não caíram bem entre integrantes dos Tribunais. No sábado (15), dois dias após Zema falar sobre o tema em entrevista à “CNN Brasil”, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) emitiu nota em que classificou as declarações do chefe do Executivo estadual como “ilações sem nenhum fundamento”.
O tom do posicionamento da AMB, entretanto, foi considerado insuficiente por interlocutores ligados ao Judiciário e ao mundo político de Minas Gerais. Fontes ouvidas por O Fator avaliam que o repúdio da entidade deveria ter sido mais enfático. Antes da divulgação do texto, atores ligados a Tribunais mineiros advogaram a favor da produção de um desagravo a Zema.
“A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) manifesta preocupação em relação às recentes declarações do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que atingem negativamente a imagem do Poder Judiciário: tais ilações, sem nenhum fundamento e que representam uma opinião pessoal de quem as fez, servem apenas para desinformar a sociedade e fragilizam a confiança da população nas instituições do sistema de justiça”, inicia o texto.
Na quinta-feira, Zema comentava sobre a situação jurídica do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 25 de março por causa da acusação de crimes como o de golpe de Estado. Ao tratar do tema, o político do Novo falou em “desvirtuamento” das atividades das Cortes em funcionamento no país.
“O que me preocupa muito é a conotação política que o Judiciário tomou aqui no Brasil. Judiciário, em país sério, que funciona bem, julga. Aqui no Brasil, o que estamos vendo é um grande viés político. Um Judiciário que julga ao sabor do momento político. Isso é muito preocupante”, opinou.
O governador prosseguiu e afirmou que o Judiciário tem se transformado em “ferramenta de política” quando deveria se pautar pelas atribuições necessárias ao propósito de ser “ferramenta para fazer justiça”.
“Temos uma questão de condenações exageradas. Enquanto isso, o Judiciário deixa de prender boa parte dos criminosos que estão aí causando 40 mil assassinatos e homicídios no Brasil por ano”, apontou.
Associação defende ‘independência e imparcialidade’
No desagravo direcionado a Zema, a AMB afirma que os magistrados atuam com “a independência e a imparcialidade garantidas pela Constituição”. Segundo a associação, os juízes são orientados pelas leis e pelas provas que constam nos autos dos processos — e não por interesses políticos e econômicos.
“Os agentes públicos devem exercer suas funções comprometidos com a verdade, contribuindo para o debate público de forma construtiva, sem investir contra o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes e sem solapar a confiança da população na atuação de seus juízes, atitude que contribui para corroer a democracia. A magistratura brasileira permanecerá firme na defesa do Estado Democrático de Direito, do devido processo legal, do direito de defesa e do aprimoramento da prestação jurisdicional, sempre imune a pressões e hostilizações de qualquer tipo”, diz a instituição.
Histórico conturbado
A relação entre Zema e o Judiciário nunca foi marcada por tranquilidade absoluta. Em agosto do ano passado, por exemplo, o governador surpreendeu a alta cúpula do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) ao decretar um teto de gastos para o estado. A trava, que limita as despesas primárias públicas à variação positiva, foi posta em vigor a reboque do acordo para o ingresso mineiro no Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
Em que pese a justificativa, setores do Judiciário alegam que o teto de gastos passou a valer sem que houvesse diálogo prévio com outros poderes estaduais.
Depois, houve estranhamento ao longo do processo de construção do orçamento de Minas para este ano. A previsão de cortes nos repasses para os tribunais no ano que vem incomodou magistrados. Inicialmente, o o governo não considerou aumentar o orçamento das Cortes na proporção que havia sido pedida pelo Judiciário. Posteriormente, contudo, uma engenharia financeira gerou a extensão de uma “bandeira branca” entre as partes e garantiu a ampliação das verbas que o Executivo repassará ao poder vizinho.