Em uma tentativa de destravar as negociações para a repactuação do acordo de reparação pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton apresentaram uma nova proposta na última quarta-feira (16) em que fazem concessões a pontos rejeitados pelos governos, mas mantendo os mesmos valores da oferta feita em abril. O documento, endereçado a autoridades que participam das negociações, foi obtido por O Fator.
Veja os pontos de mudança na proposta enviada na semana passada pelas empresas:
Rejeitos de Candonga
Um dos principais pontos de discórdia na proposta de abril era a remoção de rejeitos do reservatório de Candonga. Agora, as empresas se dispõem a restabelecer o cenário de licenciamento único para a remoção de até 9 milhões de metros cúbicos de sedimentos, conforme discutido em dezembro de 2023. No entanto, essa remoção adicional fica condicionada a medidas para evitar novos impactos socioambientais e socioeconômicos na região. A cada milhão de metros cúbicos removido, R$ 500 milhões seriam deduzidos da obrigação a pagar.
“Atendendo ao pedido da União, a Samarco se dispõe a restabelecer o cenário de licenciamento único de remoção de sedimentos no reservatório da UHE Risoleta Neves (Candonga), no volume máximo de até 9 (nove) milhões de m³, conforme discutido em dezembro de 2023, desde que fortalecidas as condicionantes previamente acordadas para evitar que a remoção adicional de sedimentos venha causar novos e significativos impactos socioambientais e socioeconômicos na região do entorno de Candonga e do próprio Rio Doce, conforme já registrado em estudos e laudos técnicos produzidos inclusive no bojo do licenciamento da Fazenda Floresta. À medida em que o licenciamento único requerido para essas aƟvidades se torne viável, serão deduzidos da obrigação a pagar o montante de R$500 (quinhentos) milhões de reais por milhão de m³”
Saúde e reflorestamento
Quanto à saúde, as mineradoras reforçam que a quitação se aplica apenas aos danos já conhecidos, excluindo impactos futuros. Elas mantêm a previsão de criação de um fundo perpétuo para reforçar o SUS na área atingida. No tema do reflorestamento, concordam em retomar a obrigação de fazer, com ajustes nos indicadores de mensuração.
“Em relação à quitação na área da saúde, reforçamos que somente estão contemplados na quitação os danos e impactos já conhecidos ao sistema de saúde, excluindo-se da quitação os danos futuros e desconhecidos. Como forma de compensação, foi integralmente mantida a previsão de criação de um Fundo Perpétuo para reforço do SUS e o desenvolvimento de ações em saúde na área atingida pelo rompimento, atendendo assim ao anseio das autoridades, mas principalmente da comunidade local, trazendo benefícios concretos e contínuos à população e gerações futuras. Em mais um esforço para alcançar uma solução consensual, concordamos em restituir a obrigação como obrigação de fazer, com ajustes aos indicadores técnicos de mensuração e aos gatilhos de saída/conversão da obrigação já tratados com o Poder Público no fim do ano de 2023.”
Áreas contaminadas
Um dos pontos mais polêmicos é o gerenciamento de áreas contaminadas (GAC). As empresas reafirmam que esses estudos são “inadequados técnica e praticamente” para o caso de Mariana, argumentando que as normas foram criadas para situações de contaminação muito menores e que os rejeitos não possuíam substâncias tóxicas. Em vez disso, propõem um monitoramento reforçado das condições do rio, além de um programa público para diagnosticar as concentrações de substâncias naturais e de origem humana no solo e na água.
“Em relação aos estudos de GAC, reafirmamos uma vez mais o nosso posicionamento quanto à sua inadequação técnica e prática ao caso concreto, seja porque a principal normativa que rege tais estudos (Resolução CONAMA 420) foi estruturada para tratar de situações de contaminação específicas em áreas infinitamente menores do que o Rio Doce e toda a sua extensão, algo absolutamente diverso do caso concreto, seja porque os rejeitos lançados no meio ambiente não possuíam substâncias químicas tóxicas capazes de contaminação do solo e da água, nem tampouco oferecer nenhum risco, como já averiguado por diversos estudos realizados. Além disso, é público e notório, que mesmo antes do rompimento da barragem, o Rio Doce, o meio ambiente e a população em volta sofrem com fatores externos de alto impacto poluidor: garimpo ilegal, uso não controlado de agrotóxicos na agricultura, ocupação de Áreas em Preservação Permanente, falta de saneamento básico, dentre outros. Dados indicam que aproximadamente 90% do esgoto não tratado na região é continuamente lançado na Bacia do Rio Doce, que em números representam 270 milhões de m3 jogados in natura por ano no curso d’água. E passados quase 9 anos desde o rompimento em um rio notoriamente conhecido por naturalmente carrear um volume expressivo de sedimentos, indaga-se a utilidade de dispender recursos em uma atividade de resultados questionáveis por todos os ângulos em que se observa, já que concebida para finalidade diversa. Este cenário torna absolutamente inviável o desenvolvimento da implementação de um GAC, tal como concebido pela regulação, em toda a extensão do Rio Doce com a mínima segurança técnica e precisa quanto à identificação de fonte poluidora associada ao rompimento e/ou definição de nexo de causalidade. Por outro lado, isso não quer dizer que as Empresas cruzarão os braços diante desta situação, muito pelo contrário. Temos genuína intenção de melhorar as condições do rio porque isso beneficia o meio ambiente e a população. Assim, e em linha com a premissa forte de eficiência na reparação e solução de controvérsias persistentes é que concordamos em realizar uma robusta compensação que busca afastar a sucessiva “guerra de laudos” e pôr fim a controvérsias técnicas de difícil – ou impossível – solução. O foco sugerido pelas Empresas passa a ser um monitoramento reforçado das condições do rio, bem como um programa público que realize um diagnóstico sobre as concentrações de substâncias naturais e de origem humana no solo e na água, o que, por sua vez, subsidiaria políticas públicas de conservação e reparação do meio ambiente (Estudo de Background). Lembramos que estudos dessa natureza são escassos no Brasil porque altamente técnicos e demandantes de altos volumes financeiros, porém essenciais para subsidiar os órgãos ambientais e reguladores na formulação de políticas públicas, inclusive a universalização do saneamento, como exemplo.”
Municípios
Sobre os recursos para municípios, as mineradoras entendem que não houve alteração conceitual em relação a 2023, mas estão abertas a esclarecer preocupações. Elas ressaltam a importância de que a adesão ao acordo seja condição para acesso aos recursos, dada a necessidade de autorizações e contrapartidas municipais.
“Por fim, no tocante ao tema dos municípios, entendem as Empresas que não houve alteração conceitual entre os termos discutidos em 2023 e consolidados na proposta de 2024. Estamos abertos a melhor compreender as preocupações do Poder Público e avaliar a melhor forma, para todas as partes, de as endereçar. Destacamos somente o nosso entendimento quanto à essencialidade de que a adesão ao acordo seja uma condição para acesso aos seus recursos pelos municípios. Como muitas das ações serão desenvolvidas em áreas dos municípios, inclusive com a necessidade de autorizações e/ou contrapartidas municipais, é essencial que haja a sua concordância expressa aos termos do acordo, conferindo segurança jurídica a todos os signatários e assegurando o resultado e manutenção futura dos esforços empreendidos com recursos do Acordo. Ao fim e ao cabo, é a habilidade das Partes, incluindo os Municípios envolvidos, de saberem resolver as suas disputas no Brasil e não no exterior.
Entendemos que a presente Proposta revisada representa mais um notável avanço por parte das Empresas no contexto da repactuação, o qual certamente será reconhecido pelo Poder Público. Por fim, relembramos que a presente Proposta é não vinculante, estritamente confidencial e sujeita a aprovações societárias de praxe. Além disso, apenas é válida no contexto da presente mediação conduzida por V. Exa. e não poderá ser usada contra as Empresas para fins litigiosos.”
Valores mantidos
Apesar das concessões, a nova proposta mantém os valores financeiros da oferta de abril, que havia sido rejeitada pelos governos por considerá-la insuficiente para a reparação integral dos danos. Ao todo, os valores chegam a casa de pouco mais de R$ 40 bilhões “de dinheiro novo”, colocando de lado os cerca de R$ 37 bilhões gastos por meio da Fundação Renova.
As empresas ressaltam que a proposta revisada representa “mais um notável avanço” e pedem o direcionamento do mediador para os próximos passos da repactuação, respeitando a confidencialidade do processo.