Prefeitos de municípios com jazidas minerais sempre ficam felizes quando uma empresa inicia a exploração das áreas. Afinal de contas, sabem que isso significará mais dinheiro em caixa. Com os recursos em conta, os gestores, muitas vezes, não se preocupam em saber, por exemplo, qual será o futuro das cidades quando as minas forem exauridas e os cofres locais voltarem a ficar vazios. Por isso, o prefeito de Itabira e novo presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig), Marco Antônio Lage (PSB), tem como principal bandeira de seu mandato a preparação dos municípios para o cenário da pós-mineração.
“Quero tratar da reconversão produtiva desses territórios à luz das melhores práticas que se tem no mundo”, diz, em entrevista a O Fator.
Lage pretende que os prefeitos façam algo na linha do que ele está fazendo em Itabira, cravada no Quadrilátero Ferrífero mineiro. A cidade conseguiu que a mineradora Vale arcasse com os custos de uma empresa de consultoria que elaborou o projeto “Itabira Sustentável”. O documento lista 15 metas do município para o cenário pós-mineração.
O dirigente da Amig mira a Europa como exemplo e defende a criação de um fundo soberano a fim de garantir recursos financeiros para o futuro das cidades mineradoras.
“É uma poupança geracional, que, lá na frente, vai servir para a sobrevivência, a sustentabilidade e a reinvenção econômica desses territórios”, explica.
Jornalista de formação, Marco Antônio Lage foi diretor de Comunicação Corporativa e Sustentabilidade da Fiat Chrysler para a América Latina, vice-presidente Executivo do Cruzeiro Esporte Clube e executivo de Relações Institucionais e Comunicação Corporativa da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Em 2020, se elegeu prefeito de Itabira, sua terra natal, cargo para o qual foi reeleito ano passado, com 76% dos votos.
O novo presidente da Amig pretende ter, com as empresas mineradoras, uma relação de diálogo, com o objetivo de fazer com que elas também participem da mobilização dos municípios para o cenário da pós-mineração. De volta à Europa, tem como case a reconversão de regiões mineradoras (ou “mineradas”, como ele prefere dizer) como o Vale do Ruhr, na Alemanha, e a região de Calais, na França. O Ruhr e Calais tinham sua economia voltada para a extração de carvão. Hoje, o Ruhr é um polo industrial altamente diversificado. Já região de Calais transformou-se em um centro turístico.
Por que a Amig apoiou o veto ao trecho da reforma tributária que isentava os produtos minerais do Imposto Seletivo?
A Amig defende que o imposto seja cobrado e que beneficie mais os municípios mineradores do que está na lei. O problema é que esses municípios precisam de mais recursos, não só para o custeio dos serviços públicos neste momento, mas também para o futuro. Não é brigar por impostos apenas para ter mais receita. A gente precisa explicar bem o que está por trás disso e o que nos move nesse sentido. E os impostos precisam ser bem definidos; precisam ser ampliados naturalmente. Porque o que nós arrecadamos hoje é suficiente apenas para o custeio dos municípios, que, inclusive, têm, de modo geral, um custo de vida muito mais alto que os municípios ditos normais.
Atividade mineradora nesses territórios traz o bônus, mas o ônus também, diferentemente daqueles municípios que têm outras atividades industriais mais perenes. Então, precisamos discutir impostos à luz da sustentabilidade, que é um tema que parece gasto, mas é fundamental hoje.
Precisamos entender a relação dos municípios com a questão tributária e com as companhias mineradoras sob a ótica da sustentabilidade, do fim, porque os minérios são produtos finitos. Vai chegar o momento em que não os teremos mais. É a crônica de uma morte anunciada. Primeiro, o território se esvazia e se empobrece. Você perde tudo aquilo que é da sua história e não constrói uma história nova. Abre uma lacuna, um buraco que não se cobre.
Temos que nos espelhar em cidades da Europa que se reinventaram, no Ruhr (região na Alemanha) e em Calais (cidade na França), que conseguiram se reinventar lá na Europa. Mas, no Brasil, ainda não temos um case de reinvenção. Nós estamos atrás nisso e a gente precisa trazer e discutir isso agora em outro nível.
Como fazer isso?
Nós precisamos incluir, na discussão tributária, por exemplo, o Fundo Soberano, que é muito comum na Suécia, na Escandinávia e em países que têm produtos finitos. O Fundo Soberano é uma poupança geracional, que, lá na frente, vai servir para a sobrevivência, a sustentabilidade e a reinvenção econômica desses territórios.
Existe alguma iniciativa desse tipo no Brasil?
Não. Enquanto presidente da Amig, quero tratar da reconversão produtiva desses territórios à luz das melhores práticas que se tem no mundo. Não podemos ser contra a atividade mineral, uma atividade econômica importante para o país, para os estados e para os municípios. Mas precisamos ter, a partir de agora, uma responsabilidade diferente em relação a isso. O Brasil precisa amadurecer. Então, a discussão de cada imposto, de cada tributação, de cada reforma, tem que colocar no bojo esses novos conceitos. Porque senão a gente não sai do lugar.
O recurso do Imposto Seletivo iria só para os municípios mineradores?
O presidente Lula vetou, e muito bem vetada, a isenção do Imposto Seletivo para os minerais. Mas a gente acha que 0,25% ainda é pouco para os municípios minerados, porque a lei não faz nenhuma distinção entre os municípios que têm e os que não têm mineração.
A gente cobra impostos em benefício da sociedade como um todo. Mas os territórios minerados, as cidades mineradoras, precisam de um olhar diferenciado. O recurso do Imposto Seletivo vai para os municípios, mas é uma distribuição igualitária, com 50% para os estados e 50% para os municípios. Para todos os municípios. Pior: desse valor, você deduz a Cefem [Compensação Financeira pela Exploração Mineral), que não é um imposto. É uma compensação. Assim, ganhamos de um lado e perdemos do outro.
Por isso, minha discussão é maior: é engajar os municípios, os prefeitos, governos estaduais, ministros, deputados e o Brasil, para a gente desenhar um modelo diferente que não penalize tanto os territórios, os municípios minerados. Até porque. quando a mineração chega a um território, ela absorve tudo lá.
Isso aconteceu em Itabira?
Sim. Itabira, por exemplo, já foi o maior produtor de banana de Minas Gerais. Nós também tínhamos duas fábricas têxteis muito importantes, que eram as maiores empregadoras do município. A chegada da mineração transformou essa cidade. Oitenta anos depois, mais de 80% da economia do município depende do minério de ferro. E como será quando o minério acabar?
A cidade trabalha com 2041 como ano de exaustão das jazidas, como a Vale informou à Bolsa de Nova York, nos EUA?
Sim. Essa é a data que a Vale oficializou para a Bolsa de Valores de Nova York, pois, em seu relatório anual, a empresa tem que expor aos acionistas a vida útil de suas jazidas. E não houve nenhum anúncio posterior a isso. Por isso, é preciso que as empresas, a sociedade e os governos, trabalhem pela sustentabilidade desses territórios. Esse é o mínimo que a gente precisa exigir.
Nos municípios onde se inicia uma atividade mineradora, geralmente ocorre um aumento da receita. Os prefeitos ficam felizes porque é um recurso extra que passa a entrar. O senhor acha que os prefeitos estão conscientes de que é preciso planejar o futuro? Ou eles estão com o olhar ainda muito focado apenas no presente?
Isso vai ser parte do trabalho que eu pretendo desenvolver na Amig: o de mudar um pouco esse conceito. Venho de uma experiência de décadas na iniciativa privada, como diretor de multinacional. Agora, como prefeito, aprendi a ter o olhar para gestão pública nesses primeiros quatro anos. Fui reeleito com quase 80% dos votos em Itabira. Minha reeleição com esse patamar foi inédita na cidade. E eu pretendo, na Amig, tentar trazer essa mudança cultural também para os prefeitos, no sentido de fazê-los olhar para a próxima geração, não para a próxima eleição.
Nos meus primeiros quatro anos de governo, eu desenvolvi com a Vale o programa Itabira Sustentável. Tenho tido com a Vale um diálogo duro, mas afirmativo. E foi a Vale quem pagou a consultoria externa desse programa, para a gente criar um modelo de planejamento estratégico de curto, médio e longo prazo, que vai permitir que saibamos onde vamos chegar e de que maneira cada centavo que a mineradora colocar no município, além dos impostos e de suas obrigações, terá um sentido que vai nos levar para esse lugar lá no alto, que é o lugar onde vamos sobreviver além da mineração.
Quais seriam os pontos principais do projeto de Itabira?
Nós temos 15 eixos estratégicos de desenvolvimento e mais 60 projetos de curto e médio prazo, que vão garantir que a cidade sobreviva bem. Então, fechamos o primeiro governo com o estudo estruturado. E já com um resultado, que foi a vinda da escola de medicina para Itabira, um projeto no qual a Vale ajudou a montar os laboratórios. O que a gente quer é que as cidades mineradas já comecem a trabalhar nisso pensando no futuro.
Esse modelo seria construído em parceria com as mineradoras?
Deve ser. Acho que é do interesse das áreas de sustentabilidade das mineradoras. Está certo a Vale estar focada em um projeto no Pará. Ela tem que ver o futuro da companhia. Mas tem que ter dois braços, pois ela tem uma trajetória de 80 anos aqui em Minas Gerais. Como é que fica isso? Então, vamos corrigir o passado para a gente garantir o presente. Acho que as mineradoras são um personagem protagonista disso, com suas expertises, técnicas e tudo mais. Ninguém melhor do que as próprias mineradoras para trazer para o Brasil as melhores técnicas, as melhores tecnologias de preservação ambiental.
Estamos discutindo em Itabira a oportunidade de transformar esse território minerado de oito décadas no maior museu da mineração a céu aberto do mundo, que você vai conhecer por teleférico. Aí, vamos criar em Itabira um braço excepcional do turismo que será sem igual no Brasil. Essas marcas (as áreas mineradas) devem ser assumidas para o bem, para um outro discurso. Não para o discurso da desconstrução, mas para o discurso da construção. Porque você pode construir, em um ambiente que é aparentemente negativo, uma coisa positiva que gere renda, emprego, curiosidade e conhecimento. Acho que essa é a discussão. Essa é a grande virada, porque é mais inteligente.
Não é um discurso de ódio, de disputa. É um discurso de construção de algo novo, de algo em que a gente transforma aquilo que já foi feito em algo a ser ainda feito. É uma continuidade. Ainda que não se explore mais minério, é uma continuidade em termos de geração de emprego, de receitas, de conhecimento, para que outras indústrias, como a do turismo, possam desfrutar. Então, são questões que têm que ser colocadas muito tecnicamente, com cronograma, com profissionalismo, de forma que você construa um via de mão dupla. E não uma só de cobrança.
O senhor falou em manter um diálogo com as empresas de mineração. Como pretende que seja o relacionamento com o Sindicato da Indústria Mineral (Sindiextra) durante a sua gestão à frente da Amig?
Vamos conversar com o Sindiextra e com todas as lideranças do setor. O papel da Amig é defender um novo modelo de mineração no Brasil, com mais investimentos na preservação do meio ambiente e na sustentabilidade econômica e social dos territórios minerados. Acreditamos em uma sintonia nesse sentido.
A lei Kandir continua sendo um problema para os municípios mineradores?
A lei Kandir realmente penaliza os municípios, pois desonera a exportação mineral. É um desastre, sobretudo, para territórios minerados, que não recebem nada pelas exportações. Itabira, por exemplo, gasta um terço do seu orçamento com saúde pública. Outro tanto em outras áreas. No final, você não tem recurso para investimento livre, para fazer um programa que garanta a sobrevivência no município no pós-mineração.