Presidente e mecânico do Grupo Farroupilha são indiciados por homicídio culposo em morte de piloto

Descaso com normas regulamentares e de segurança banalizam a vida dos pilotos agrícolas

acidente aereo coromandel
Foto da aeronave acidentada, extraída do inquérito policial (Reprodução)

Em 12 de abril de 2024, a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (PCMG) indiciou Inácio Carlos Urban, presidente do Grupo Farroupilha, e o mecânico inabilitado Rogério Dalla Santa pelo crime de homicídio culposo, tendo como vítima o piloto agrícola e funcionário da empresa Rodrigo Carlos Pereira, que veio a óbito em 7 de fevereiro de 2020, aos 39 anos de idade, deixando esposa e dois filhos pequenos (3 e 5 anos).

A vítima faleceu em decorrência da queda da aeronave que pilotava, de propriedade de Inácio Carlos Urban, líder do Grupo Farroupilha, um dos maiores conglomerados do agronegócio nacional, possuidor de mais de vinte mil hectares de terras, distribuídos em fazendas localizadas em diversos municípios de Minas Gerais, dentre elas, a Fazenda São Francisco, situada em Coromandel, onde o acidente ocorreu.

As investigações da PCMG mostraram que Inácio Carlos Urban contratou o técnico agrícola Rogério Dalla Santa para prestar serviços de manutenção na aeronave no dia do acidente, sem que este possuísse a habilitação exigida pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), incumbindo-o de solucionar defeitos graves como superaquecimento e vazamento do óleo do motor, corte de combustível e pane elétrica e termostática. Consta do Inquérito Policial a que O Fator teve acesso, que o acidente fatal ocorreu dez minutos depois da decolagem, no primeiro voo após o mecânico liberar a aeronave para a atividade de pulverização.

Em Perícia Judicial realizada no âmbito de uma Reclamação Trabalhista, ajuizada pela viúva e pelos filhos órfãos, contra Inácio Carlos Urban, o perito destacou a inabilidade do mecânico, evidenciada pelo uso de peças não homologadas no sistema de combustível. Ao concluir o Laudo Pericial Judicial, o perito asseverou que “a fotografia da peça postada pelo piloto era incompatível com a original da aeronave. Tal apontamento nos leva a comprovar, no mínimo, uma inabilidade do mecânico. Se ele era incapaz de identificar uma peça original da aeronave, não poderia ser capaz de dar manutenção segura na máquina”.

Em seu relatório, a Polícia Civil alega que Inácio Carlos Urban e Rogério Dalla Santa descumpriram os itens 43.3, 43.5 e 43.7 do Regulamento Brasileiro da Aviação Civil n.º 43, assim como o item 91.405 do Regulamento Brasileiro da Aviação Civil n.º 91. Além do mais, na condição de proprietário da aeronave e empregador do piloto, Inácio Carlos Urban também descumpriu, em tese, segundo o mesmo relatório, os itens 12.11.1, 12.11.2, 12.11.5, 12.16.1 da Norma Regulamentadora n.º 12, Portaria 3214/78 do Ministério do Trabalho, e o item 31.12.47 da Norma Regulamentadora n.º 31, Portaria 3214/78, também do Ministério do Trabalho.

O desrespeito às normas da aviação e da segurança do trabalho motivou a PCMG concluir que Inácio Carlos Urban explorava, em tese, de forma irregular a atividade aero agrícola, por deixar de observar a “cautela necessária para evitar o acidente de trabalho, assumindo culpa consciente ao negligenciar a contratação de um mecânico habilitado, bem como ao determinar que o piloro de sua aeronave e funcionário seguisse voando em precárias condições de segurança até o acidente com resultado morte”. 

Já o mecânico foi responsabilizado pela Autoridade Policial por “realizar manutenção clandestina em aeronave com graves defeitos sem possuir habilitação da ANAC, utilizar peças não originais, sem realizar os registros de manutenção exigidos pelas normas de aviação, liberar aeronave que caiu dez minutos após a decolagem”, destacou o delegado Leandro Fernandes Araújo.

Inácio Carlos Urban e Rogério Dalla Santa foram indiciados pela prática do crime de homicídio culposo, previsto no artigo 121, § 4º do Código Penal, e o processo foi enviado ao Ministério Público, órgão competente para formalizar, ou não, a acusação perante o Poder Judiciário, que irá apurar as responsabilidades após o devido processo legal e o amplo direito de defesa.

Números de acidentes aero agrícolas no Brasil

O altíssimo grau de risco na aviação agrícola é consonante com o desprezo às normas regulamentares e a ausência de fiscalização efetiva aos exploradores da atividade. Não por acaso, os números de acidentes e mortes dos pilotos são alarmantes. É o que revela o estudo realizado pelo Centro de Investigações de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), órgão vinculado a Força Aérea Brasileira (FAB).

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Legenda: Acidentes em operações agrícolas no Brasil nos últimos 10 anos (Reprodução/CENIPA)

Nos últimos dez anos, o CENIPA contabilizou 433 acidentes somente nas operações agrícolas, o que corresponde a 26, 48% do total de acidentes aéreos no Brasil.

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Legenda: Acidentes em todas as operações no Brasil nos últimos dez anos (Reprodução/CENIPA)

As estatísticas ganham maior relevância ao indicarem que 18, 94% das ocorrências fatais se deram no âmbito da aviação agrícola, em que pese o seguimento representar pequena parcela de voos em termos absolutos. A título de comparação, a aviação executiva no Brasil conta com uma frota de quase dez mil aeronaves, enquanto a aviação agrícola possui cerca de dois mil e quatrocentos aviões em atividade.

Somente no ano de 2023, os principais aeroportos brasileiros registraram quase um milhão e meio de voos, sendo que em voos comerciais não aconteceu qualquer acidente fatal. Aliás, em 2023, o único acidente em voo comercial com vítimas fatais no mundo ocorreu no Nepal.

Ao contrário do algo grau de improviso na exploração da aviação agrícola que expõe o piloto a risco constante de acidente grave, nos voos comerciais a tripulação desfruta de segurança para exercer a profissão, o que está intimamente ligado à fiscalização efetiva nas aeronaves e aos serviços de manutenção realizados por profissionais habilitados.

O número de acidentes e mortes na aviação agrícola demanda que os órgãos de fiscalização adotem maior rigor ao inspecionarem os exploradores da atividade, como forma de prevenir acidentes e preservar a vida dos pilotos, vulnerados pela obrigatoriedade de continuar trabalhando em condições precárias, sob pena de serem demitidos.

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