Na divisa de Belo Horizonte com Nova Lima, uma via de cinco quilômetros ligando a antiga mina de Águas Claras, da mineradora Vale, à BR-356, divide as opiniões quanto ao uso público que será dado à área de 700 mil metros quadrados na qual, até 2001, corria a ferrovia que ligava aqueles dois pontos. Uma possibilidade é a implantação do chamado Parque da Linha Férrea, que ocuparia toda a extensão da área, e, no meio dele, de um trecho de estrada, que também cortaria o parque de um extremo ao outro.
A proposta foi apresentada na noite dessa quinta-feira (12), em uma audiência pública no auditório da unidade Vale dos Cristais do Colégio Santo Agostinho. Na polêmica quanto ao uso do terreno da antiga ferrovia, de um lado estão a Associação dos Amigos do Bairro Belvedere e o Movimento Parque Linear do Belvedere, que defendem a transformação da área apenas em um parque. Do outro, estão as prefeituras de Belo Horizonte e Nova Lima e também moradores da região. Eles não são contra o parque, mas querem que no meio dele seja construída a via, para melhorar a mobilidade da região, que é considerada crítica, especialmente no início da manhã e no final da tarde.
A luta pelo Parque Linear do Belvedere vem desde 2001 quando a mina de Águas Claras foi desativada e a área ficou abandonada. A partir daí, os defensores do parque começaram a se mobilizar por sua implantação. Ao longo desse tempo, chegou-se a ventilar, em meados dos anos de 2010, a possibilidade de o leito da antiga ferrovia abrigar uma linha do metrô de Belo Horizonte, ligando o Belvedere e o Vila da Serra ao Barreiro. A iniciativa, contudo, acabou abandonada.
Com isso, voltou à tona o projeto do parque linear. A ideia encampada pelos moradores às margens da antiga ferrovia é de que aquele espaço seja transformado apenas em uma área verde, na qual seriam também instalados equipamentos de lazer. Em novembro de 2021, no governo de Jair Bolsonaro (PL), a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) anunciou que a área seria leiloada.
Em março de 2022, entretanto, o Ministério Público da União (MPU) entrou com uma ação civil pública para impedir o leilão. A instituição alegou que a área faz parte da Reserva da Biosfera do Espinhaço e, como tal, deveria ser utilizada unicamente para projetos de interesse coletivo. No dia 18 de março daquele ano, o juiz Mário de Paula Franco Júnior visitou o local. Na sequência, emitiu uma liminar suspendendo o pregão.
Criou-se, então, um impasse, no qual interveio o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) que costurou, com as prefeituras de Belo Horizonte e Nova Lima, um modelo alternativo, que contempla o parque mas inclui, no centro do terreno, uma via, ideia com a qual a Associação dos Amigos do Belvedere e o Movimento Parque Linear do Belvedere não concordam.
O maior questionamento quanto à construção da via é de que o projeto não contempla o aumento do número de veículos que viriam com a implantação dos loteamentos previstos para a área localizada no entorno da antiga mina de Águas Claras e que utilizariam aquela via, como o bairro Bellagio, segundo apontaram vários dos participantes da audiência pública.
“Isso (a via cortando o parque) vai melhorar o trânsito?”, questionou o engenheiro ambiental Felipe Gomes, em nome do mandato da deputada federal Duda Salabert (PDT).
A arquiteta e urbanista Cláudia Pires, ex-presidente da seção mineira do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-MG), considera uma falácia a ideia da via como contribuição para se resolver o problema da mobilidade na região. Isso não acontecerá, segundo ela, porque a Prefeitura de Nova Lima tem uma política indiscriminada de licenciamento de empreendimentos imobiliários na região. Dessa forma, no futuro, outros espaços para tráfego de carros, como o que se pretende construir na área da antiga ferrovia serão, de acordo com Cláudia, necessárias para, novamente, se consiga desafogar o tráfego na região.
Laura Lima, do Movimento Parque Linear do Belvedere, chamou a atenção para o fato de que a região é uma importante área de recarga dos mananciais do Cercadinho, que contribui para o abastecimento de uma parte da população de Belo Horizonte. Nesse sentido, a prioridade deveria ser, no seu entendimento, a implantação do parque sem a via , em toda a extensão da área.
Ela teme que a construção afete a recarga do manancial do Cercadinho. Ubirajara Pires Glória, presidente da Associação dos Amigos do Belvedere, cobrou do grupo que elaborou o projeto um estudo do impacto da via sobre os mananciais do Cercadinho. Solicitou também a realização de uma audiência pública para que a proposta seja discutida em Belo Horizonte.
O parque
O projeto apresentado ontem prevê a implantação, na área não ocupada pela via, de quadras esportivas, anfiteatro, pistas de skate, pista de mountain bike, lanchonetes e pontos de ônibus, entre outras estruturas. Prevê também a recuperação da vegetação nativa, que é de transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica.
O projeto contempla ainda a manutenção dos trilhos da antiga ferrovia nos trechos onde ele não foi retirado. Sobre os trilhos irão circular veículos que seriam acionados manualmente pelos usuários do parque.
Outro ponto positivo apontado pela equipe que elaborou o projeto é a interligação entre bairros Belvedere e Vila da Serra, que se faz, hoje, apenas no início e no final da Avenida Oscar Niemeyer. O plano prevê a abertura de vias de ligação entre os dois bairros.
O arquiteto André Pessoa Ayres, coordenador da equipe que elaborou a proposta, ressalta que a comunicação entre os dois bairros é um dos componentes importantes da do projeto.
Ele considera que são três os aspectos contemplados no projeto. O primeiro é o da preservação das áreas verdes; o segundo, da melhoria da mobilidade a ser proporcionada pela construção da via ao longo de todo o trecho; depois, o fato de o parque linear fazer a conexão da área verde, a ser nele implantada, com outras áreas de preservação permanente já existentes na região, em terrenos particulares localizados no entorno do Vila da Serra.
A arquiteta Raquel Barcelos apoia o projeto apresentado ontem, comparando-o a outros que existem no exterior. Ela ressaltou que o que estava sendo apresentado ontem era apenas uma ideia inicial, que servirá de ponto de partida de um longo processo que, como ela ressaltou, precisa ter a participação da sociedade civil.
“Não adianta nada fazer uma coisa linda dessa se a sociedade civil não estiver envolvida”, reforçou Raquel Barcelos.
Daniel Barcelos, morador do bairro Vila da Serra, considera o projeto uma solução incompleta, porque as pessoas que moram na região precisam de uma solução para o gargalo da mobilidade. Ao mesmo tempo, ele afirma ser uma ingenuidade pensar que apenas uma via de cinco quilômetros irá resolver o problema da mobilidade.
“Mas ela precisa ser implementada. É um passo inicial — e importante”, afirmou Daniel Barcelos.
O engenheiro Osias Baptista, que participou da equipe que elaborou o projeto, afirma que o Parque da Linha Férrea é uma tentativa de conciliar os dois lados – o que defende o parque e o que considera que a mobilidade deveria ser a prioridade.
“Foi uma conciliação de dois interesses, muito inteligente e muito bem feita, para que a gente possa, ao mesmo tempo, resolver a questão do tráfego e a questão ambiental”, afirmou Osias, que também ressaltou o mesmo que havia afirmado Raquel Barcelos: que aquela reunião era a primeira de uma série que serão realizadas para que se chegue a um ideal de projeto.
No encerramento da audiência pública, o diretor-geral da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Agência RMBH), Marcos Ulisses Lopes, reconheceu que a forma como se dará a utilização daquela área é uma questão complexa que deverá ser construída e debatida por todos os segmentos envolvidos com o assunto.
No entanto, ele ressaltou que a realização da audiência pública de apresentação do projeto era importante para que a área possa ser transferida para as prefeituras de Nova Lima e Belo Horizonte. Pode ser, segundo ele, que ao longo do processo o projeto final a ser implementado seja outro.