O Tribunal Regional Federal (TRF-6) marcou para a próxima semana a nova rodada de negociações da repactuação de Mariana. Assim como no início deste mês, os encontros vão ocorrer em Brasília e acontecerão entre a próxima segunda-feira (19) e a quinta-feira (22). As conversas chegam em um ritmo de “agora ou nunca” – a repactuação é discutida há três anos e, até agora, existem mais impasses do que acordos sobre o texto final a ser assinado.
Pelo que O Fator apurou, os quatro dias de reuniões devem abordar uma série de temas distintos que, até aqui, têm travado a assinatura do acordo. Um deles será como ficarão as atribuições da Fundação Renova – a reportagem apurou que, até aqui, a tendência é que os 42 programas que a Renova é responsável devem ser distribuídos entre os governos de MG, ES e União e outros para a mineradora Samarco, dona da barragem de Fundão, que se rompeu em 2015, matando 19 pessoas e gerando dano ambiental ainda incalculável.
Até aqui, estima-se que a Samarco vá “herdar” cinco programas da Renova, enquanto os governos fiquem com o resto – com a maior parte ficando com Minas e a União.
Na semana passada, a rodada de reuniões em Brasília começou em clima de desânimo e pessimismo – interlocutores relataram à reportagem que os representantes da Samarco, Vale e BHP Billiton vinham “recuando” em uma série de pedidos e exigências antes já acertadas, e que também rechaçavam ofertas do poder público que, inicialmente, haviam sido pedidas pelas mineradoras.
Apesar disso, os dois últimos dias de negociação apresentaram melhores. Na quinta-feira (8), os principais impasses ficaram em dois pontos
- Questão do Mercúrio:
- As autoridades insistem na inclusão do mercúrio na lista de elementos a serem investigados e remediados pelas empresas, independentemente de nexo causal.
- As empresas resistem a essa demanda, criando um impasse nas negociações.
- Povos e Comunidades Tradicionais (IPCTs):
Esta diferença implica em abordagens distintas para a reparação e assistência às comunidades afetadas.
Há, ainda, uma divergência sobre a natureza das obrigações: as empresas propõem uma “obrigação de pagar”, enquanto a União defende uma “obrigação de fazer”.
Outros Temas em Discussão
- Ajustes na Gestão de Áreas Contaminadas (GAC): Discussões sobre o número de substâncias a serem analisadas e possíveis exclusões de elementos.
- Indenizações e PTRs: Definição de critérios de elegibilidade, pendente de dados da União sobre o cadastro de agricultores e pescadores, respeitando a LGPD.
Pelo que a reportagem apurou, a União tem defendido que as mineradoras realizem uma consulta prévia e informada seguindos os termos da convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa convenção trata sobre Povos Indígenas e Tribais e prevê que essas comunidades precisam ser consultadas sempre antes que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. Essas medidas podem ser tanto adotadas pela esfera pública quanto pela esfera privada.
Os valores do acordo ainda são negociados, embora não sejam mais o principal entrave. Na última proposta feita pelas mineradoras, no início de junho, houve a oferta de pouco mais de R$ 82 bilhões de “dinheiro novo” – sendo R$ 140 bilhões somando, inclusive, o que já foi gasto com a Fundação Renova.
A União ainda tenta crescer o valor de dinheiro novo na negociação – cerca de R$ 5 a R$ 8 bilhões a mais.
A propósito, o destino da Fundação Renova é um dos pontos já pacificados entre os negociadores. O acordo, se fechado, deve prever o fechamento quase total da entidade, com exceção de projetos que façam o atendimento da população (por exemplo, com o fornecimento de água em regiões muito afetadas pela contaminação do rio). Esses projetos funcionariam até a substituição por ação estatal.
Em junho, O Fator teve acesso a detalhes da última proposta das mineradoras na negociação. Desde então, o poder público pediu alterações e reuniões foram feitas, mas ainda sem novas ofertas.
Detalhamento da Proposta de junho:
Obrigações de Pagar: R$ 82 bilhões
A proposta inclui R$ 82 bilhões em obrigações de pagar ao Poder Público a serem desembolsados ao longo de 20 anos. Estes pagamentos serão feitos em parcelas anuais, iguais e sucessivas, corrigidas pelo IPCA. Deste montante:
Aproximadamente 70% (cerca de R$ 57,4 bilhões) será destinado a beneficiar diretamente as pessoas da região afetada, através de programas como:
- Programa de transferência de renda para os mais vulneráveis
- Fortalecimento do sistema de saúde local com a criação de um fundo perpétuo
- Universalização do saneamento na Bacia do Rio Doce
- Programa coletivo para Povos e Comunidades Tradicionais elegíveis
- Repasse direto aos Municípios
- Fundo de resposta a enchentes
- Fundo para deliberação direta das comunidades
- Assessoria Técnica Independente
- Fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
- Investimento nas rodovias da região
Os 30% restantes (cerca de R$ 24,6 bilhões) serão dedicados a outros programas socioambientais geridos pela União e Estados, incluindo iniciativas de desenvolvimento rural, resposta a desastres, adequação às mudanças climáticas, fiscalização de barragens, educação ambiental, cultura e turismo, prevenção à violência doméstica, apoio a microempreendedores e fomento ao crédito rural.
Obrigações de Fazer: R$ 21 bilhões
A Samarco permanecerá responsável por obrigações de fazer estimadas em R$ 21 bilhões. Deste valor:
60% (aproximadamente R$ 12,6 bilhões) beneficiará diretamente as pessoas da região, incluindo:
- Soluções indenizatórias definitivas para pessoas elegíveis
- Conclusão dos reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo
Os 40% restantes (cerca de R$ 8,4 bilhões) serão destinados a benefícios ambientais diretos, como: - Recuperação de 5 mil nascentes
- Reflorestamento de mais de 40 mil hectares (equivalente a 28 mil campos de futebol)
Valores já investidos: R$ 37 bilhões
A proposta reconhece os R$ 37 bilhões já investidos pela Fundação Renova em medidas de reparação e remediação, dos quais:
Segundo as empresas, pelo menos R$ 17 bilhões já beneficiaram diretamente mais de 430 mil pessoas através de indenizações e assistências financeiras.
Condições e Observações Importantes:
Segundo as mineradoras, o aumento da proposta está condicionado a termos, incluindo:
- Inexigibilidade de gerenciamento de área contaminada
- Levantamento da restrição à pesca
- Encerramento das portas indenizatórias com data de corte pretérita (PIM, AFE, Novel e afins)
A proposta é não vinculante, confidencial e sujeita a aprovações societárias.
As empresas ressaltam que a oferta busca atender aos principais pleitos do Poder Público, visando a pacificação social e segurança jurídica.
A proposta é válida apenas no contexto da mediação conduzida pelo TRF-6 e não pode ser usada contra as empresas para fins litigiosos.
A proposta foi enviada ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região em 11 de junho.
A barragem de Fundão se rompeu em novembro de 2015, matando 19 pessoas e gerando dano ambiental ainda incalculável. A estrutura era administrada pela Samarco, mineradora controlada pela Vale e pela BHP Billiton.