‘Sem cuidado, vai ter alguém com fuzil na urna’, diz relator do voto impresso

Em entrevista a ‘O Fator’, deputado José Medeiros (PL-MT) disse que urna é segura, mas falta para o eleitor sensação de segurança
José Medeiros em comissão da Câmara
José Medeiros: "Se nós não tomarmos os devidos cuidados, daqui a uns dias você vai ter alguém com um fuzil lá na urna". Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

O deputado federal José Medeiros (PL-MT), relator na Câmara do novo projeto de voto impresso, disse a O Fator que, sem os devidos cuidados, pessoas ligadas a milícias podem intimidar os mesários na hora da contagem dos registros. No entanto, ele defendeu a proposta para dar sensação de segurança aos eleitores que ainda têm dúvidas sobre se seus votos são mesmo contados.

Medeiros também admitiu um erro na redação do projeto de lei. O texto diz que 5% das urnas serão sorteadas depois da eleição para uma contagem física dos votos. O deputado disse que sua intenção foi outra e que pretende modificar o texto, antes da votação no plenário da Câmara, para que esse sorteio seja feito antes.

O projeto de voto impresso foi aprovado na CCJ da Câmara em 11 de dezembro, por 31 x 20.

Pelo texto, 5% das urnas – ou seja, cerca de 25 mil – serão sorteadas para uma contagem pública de registros impressos individuais de voto, que hoje não existem. As urnas já imprimem os boletins, com o total de votos em cada uma.

A contagem de uma quantidade bem menor de boletins já demora bastante. Em 2022, o TCU conferiu apenas 559 deles no dia do 1º turno. Depois de um mês inteiro, a soma chegou a 4.161 boletins conferidos. O Ministério da Defesa, ainda sob Bolsonaro, também inspecionou boletins de urna, sendo 442 no 1º turno e 501 no 2º.

Confira os principais trechos da entrevista, gravada nesta segunda (23).

No seu parecer, o senhor está prevendo que vão ser sorteadas, de maneira não-eletrônica, 5% das urnas para a contagem de votos. Só que 5% das urnas ainda são 25 mil urnas, já que o Brasil usa meio milhão de urnas. Como é que seria feito isso? 

A Justiça Eleitoral, os cartórios, têm as regiões, por sessões e tal. Não sei se por papel, se por número, a Justiça Eleitoral vai ter que dar o jeito dela lá. [O 5%] é uma exceção que a gente abriu para não contar todos [os votos], entendeu? 

O senhor imagina que esse sorteio seria unificado, feito em um único lugar, ou seriam vários sorteios?

Cada cartório vai ver o seu jeito. Cada juiz eleitoral faz o sorteio das urnas que estiverem sob sua responsabilidade.

E outra: ao começar a eleição, o cara lá da sessão já vai estar sabendo [que aquela urna foi sorteada], então a Justiça Eleitoral tem jeito de fazer para dar celeridade.

Mas no seu parecer está assim, “§ 2º Imediatamente após o encerramento da votação, 5% (cinco por cento) das urnas eletrônicas serão selecionadas aleatoriamente (…)”. Então, pelo seu parecer, o sorteio é só depois de 5 da tarde.

De fato, houve um lapso aí, então. É preciso corrigir isso aí no Plenário, porque daria mais celeridade. Pelo menos foi isso que eu tinha pedido para… Você me alertou para um fato interessante, porque o que eu pedi foi que fosse feito esse sorteio ali durante a votação.

O senhor pretende ser o relator também no Plenário?

Pretendo.

Os votos da próxima eleição, como não é para prefeito e vereador, são em quantidade muito grande. Cada urna pode ter mais de 400 eleitores. E cada um pode votar em candidato diferente para deputado federal. Isso aí pode varar até a madrugada. Vai ter uma hora extra para o mesário?

A questão dos valores, o que precisar, a Justiça Eleitoral vai ter o que precisar no orçamento da eleição. Então, são coisas que com certeza vão ser regulamentadas depois.

Geralmente, uma cidade grande tem mais candidatos a deputado federal, é verdade. Então, as cidades grandes demoram mais um pouquinho. Mas na grande maioria das cidades você não passa de 50 candidatos a deputado federal. Então, é bem menos do que se fosse contar tudo.

Podem ser sorteadas urnas em lugares muito ermos do Brasil. Por exemplo, população ribeirinha, pescadores na Amazônia. Lugares bastante distantes, onde é difícil haver uma fiscalização de outra parte, porque o acesso é difícil. E em outros lugares, região de milícia, por exemplo, você pode ter ali observadores do poder local. Porque a gente sabe que tem candidatos de milicianos, de organizações criminosas. E eles vão ser convidados a participar. Vão ter uma oportunidade de fiscalizar os mesários ali e intimidar, impor medo na população. Como é que o senhor reage a essa possibilidade? 

Olha, a gente está partindo sempre do geral para o particular. Vai ter casos e casos. 

Evidentemente que pode ter situações que ficam fora da curva. Nós temos, por exemplo, lugares no Brasil em que você já não pode pedir voto. Você tem que pedir autorização para o chefe do crime. Quer dizer, é uma situação de um Estado paralelo. E nós estamos normatizando aqui [no projeto de lei] para o Estado brasileiro. Essa parte do Estado paralelo, a meu ver, ela precisa ser consertada. Porque quando as coisas não funcionam dentro do devido processo legal, vamos dizer assim, dentro do império da lei, aí qualquer coisa pode acontecer. 

Então, esses casos que poderiam acontecer não estão contemplados. E o que você está falando é uma realidade que, se nós não tomarmos os devidos cuidados, daqui a uns dias você vai ter alguém com um fuzil lá na urna. “É para votar assim”. Então, é até pior.

Nós não estamos contando que a urna está tendo fraude ou é fraudável. Essa não é a discussão. A discussão é que está acontecendo uma coisa no país que as pessoas… Quem está em cima na cadeia alimentar da política e do Judiciário, eles não… É mais ou menos assim: o processo eleitoral é do eleitor. O que está acontecendo? A Justiça Eleitoral e parte dos políticos têm se adonado do processo a ponto de dizer o que o eleitor quer. E que o eleitor quer quem diz é ele.

Eles tentam falar que isso [voto impresso] é coisa de bolsonarista. Não é. Tanto é que esse projeto é do Gaguim [deputado do União Brasil do Tocantins]. Um projeto que está pensado, e um dos coautores é o Bacelar (PV-BA) que estava lá combatendo esse projeto. Ele não sabia que era um dos coautores. Eu falei, “Bacelar, tanto é verdade que essa discussão não é coisa de bolsonarista que você é um dos coautores aqui”. [Bacelar é coautor de um projeto semelhante ao de Gaguim, o PL 1175/2015, que prevê a impressão do voto. A proposta foi apensada ao projeto de Gaguim, que Medeiros relatou].

O voto impresso já foi uma bandeira brizolista, do PDT.

Exato. E do Requião, do Ciro, do Flávio Dino.

Aqui, sem a paixão política, sem nada, vamos lá. [A urna] ela é um aparelho muito seguro. Muito seguro.

Mas boa parte da população está precisando sentir a segurança, porque ele vota e daí? Apareceu aquela foto ali. Mas meu voto foi contado mesmo?

Então tem essa dúvida no seio social desde que a urna surgiu.

Existe uma diferença entre segurança e sensação de segurança. Eu fui policial por mais de duas décadas. Tem localidade que era extremamente segura. Os índices de homicídio, enfim, tudo ali era muito baixo. Mas a população se sentia insegura. Eu tinha um chefe antigo. O cara não tinha nem o ensino médio, mas era um cara muito sábio. Aí, a gente fala, “pô, ali não acontece nada”. Ele falou: “Põe a viatura, estaciona, vai comer um espetinho, deixa o giroflex ligado lá. O cara vai ver, ele vai ficar seguro”.

O que importa é a sensação que ele está tendo. Aí, eu passei a compreender a verdade. Às vezes, o que nós sentimos é diferente da realidade, por incrível que pareça.

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