Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) revela que os Tribunais de Contas Estaduais têm se posicionado contra o uso do critério “técnica e preço” em licitações de concessões de saneamento básico. O estudo, que analisou 42 processos entre 2010 e 2023, identificou que 43% das decisões foram contrárias à adoção desse critério.
Dois casos recentes em Minas Gerais exemplificam os problemas apontados pela pesquisa. Em Nanuque, município do Vale do Mucuri, uma empresa que já havia operado sistemas de saneamento em municípios de maior porte apresentou o maior desconto tarifário na licitação, mas foi desclassificada por não ter obtido a melhor pontuação técnica, prejudicando diretamente os usuários que pagariam tarifas mais baixas.
Situação semelhante ocorre em Extrema, no sul de Minas Gerais, onde o edital estabelece mais de 90 critérios de análise técnica, diminuindo a importância do desconto tarifário. O processo está sendo questionado pelo Ministério Público Estadual através de ação civil pública, assinada pelos promotores Wagner Dionízio e Eduardo Machado, este último Coordenador Regional do Património Público do Sul de Minas Gerais.
O caso de Extrema ganha contornos políticos adicionais, já que o atual prefeito João Batista da Silva (União Brasil), que não conseguiu eleger seu sucessor, insiste em realizar a licitação nos últimos dois meses de mandato. O prazo para entrega das propostas é 18 de novembro de 2024, e o contrato terá duração de 30 anos, impedindo que o novo prefeito eleito, Fabricio Bergamin (PDT), e a nova Câmara de Vereadores opinem sobre a decisão.
Outro aspecto controverso em Extrema é que toda a concessão foi estruturada pela empresa Planex, que atua no setor de saneamento e é considerada favorita para vencer a licitação. A Unidade Técnica do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais já se manifestou considerando o edital direcionado, mas a prefeitura optou por prosseguir com o processo.
A pesquisa da FGV identificou 25 decisões que discutem a subjetividade dos parâmetros de avaliação da proposta técnica. Os Tribunais de Contas apontam que critérios não objetivos prejudicam a competitividade e podem abrir espaço para favorecimentos indevidos de licitantes com menor capacidade técnica e financeira, mas com maior influência política.
Desde a implementação do Novo Marco Legal do Saneamento em 2020, foram investidos R$ 68 bilhões em 18 projetos, beneficiando cerca de 31 milhões de pessoas. Instituições como BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco Mundial têm optado pelo critério de “menor preço” em suas licitações, como ocorreu nos casos do Amapá e Rio de Janeiro, independentemente do tamanho da população atendida ou volume de investimentos.
O estudo analisou processos em seis estados: São Paulo (31 processos), Minas Gerais (4), Rio de Janeiro (4), Espírito Santo (1), Rio Grande do Sul (1) e Santa Catarina (1). A análise revelou que até 2018 o critério “técnica e preço” era aceito pelos Tribunais de Contas, mas a partir de 2019 passou a ser considerado inadequado por prejudicar a transparência dos processos e a modicidade tarifária.