A Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu parecer contrário à prática de municípios brasileiros de ajuizar ações em tribunais estrangeiros relacionadas a fatos ocorridos no Brasil, mas questionou se a entidade que propôs a ação tem legitimidade para ser a autora do caso. A manifestação foi feita no âmbito de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) no Supremo Tribunal Federal.
O Advogado-Geral da União, Jorge Messias, manifestou-se pela procedência do pedido do IBRAM, recomendando que o STF:
- Declare que os municípios brasileiros não têm legitimidade para promover ações judiciais em jurisdições estrangeiras.
- Declare inconstitucionais os atos municipais direcionados ao ajuizamento de ações no exterior envolvendo fatos ocorridos no Brasil.
Segundo a AGU, a atuação dos municípios em jurisdições estrangeiras viola princípios constitucionais fundamentais, como a soberania nacional e o pacto federativo. O órgão argumenta que apenas a União tem competência para representar o Brasil internacionalmente, conforme previsto no artigo 21 da Constituição Federal.
“O ajuizamento de ações pelos entes municipais no exterior configura nítida usurpação da competência constitucional da União para representar o Estado Brasileiro no plano internacional”, afirma o parecer.
A questão ganhou destaque após municípios de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia contratarem escritórios de advocacia internacionais para buscar indenizações no exterior por danos causados por acidentes ambientais, como o rompimento da barragem de Mariana em 2015.
A AGU também levantou uma questão preliminar sobre a legitimidade do IBRAM para propor a ADPF, argumentando que o instituto não se caracteriza como uma entidade de classe de âmbito nacional, conforme exigido pela Constituição para propor ações de controle de constitucionalidade.
‘Transparência’
A AGU apontou, ainda, que o trâmite de ações em jurisdições estrangeiras prejudica a transparência e o controle social, uma vez que dificulta o acesso da população e da imprensa brasileiras às informações processuais.
“A falta de clareza sobre as ações e decisões tomadas em juízos estrangeiros pode esconder práticas inadequadas ou contrárias ao interesse público, comprometendo a probidade administrativa”, destaca o documento.
O caso aguarda julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do ministro Flávio Dino.
Debate
Na quarta-feira (28), o Consórcio Público para Defesa e Revitalização do Rio Doce (CORIDOCE) peticionou ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando que todos os 26 estados e 5.570 municípios brasileiros sejam ouvidos dentro da ação movida pelo Ibram.
Segundo o CORIDOCE, embora a ação mencione apenas alguns municípios mineiros e capixabas, uma “eventual decisão afetaria todos os 26 estados, o Distrito Federal e os 5.570 municípios do país”. O consórcio argumenta que a ação pode restringir severamente a autonomia dos entes federativos para manter relações internacionais e buscar justiça em casos envolvendo entidades estrangeiras.
Ação
O Ibram alega que os municípios estariam usurpando competências da União ao agirem como entes com personalidade jurídica internacional, violando preceitos fundamentais relacionados à soberania nacional, ao pacto federativo e à organização do Poder Judiciário brasileiro.
Na avaliação do Ibram, a prática “fere a soberania brasileira e os princípios constitucionais, além de escapar ao controle do Poder Público e do Ministério Público”. Na ação, o instituto aponta que a Constituição “estabelece que compete à União representar e agir em nome da federação em âmbito internacional. Dessa forma, qualquer ação judicial proposta no exterior pelos municípios deveria contar com a anuência da União, garantindo a coerência e a unidade da representação internacional do Brasil”.
A petição do Ibram indica nominalmente 60 municípios que ajuizaram ações na Inglaterra, Holanda, Alemanha e Estados Unidos contra empresas como Vale, BHP e TÜV SÜD, buscando ressarcimento pelos danos causados por desastres ambientais como os rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho.