Vereadores de Contagem, cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), querem ampliar o valor das suas emendas impositivas individuais — fatia do orçamento do município cuja destinação é definida pelos parlamentares. Atualmente, esse valor é de 1%, o que representa um total de R$ 27 milhões — cerca de R$ 1,2 milhão por ano para cada parlamentar. Apesar disso, o Legislativo municipal quer dobrar esse percentual para 2% do orçamento.
A iniciativa, com grande impacto político e no orçamento municipal, vem acontecendo à “surdina”, porque, tendo em vista a legislação eleitoral, a Câmara Municipal não tem feito publicações em suas redes sociais e nem transmissão das suas sessões plenárias.
Para viabilizar a mudança, os vereadores atuam com duas frentes de trabalho. A primeira delas consistiu na apresentação de uma emenda à Lei Orçamentária Anual (LOA), apresentada pela Prefeitura de Contagem. No documento, estão as estimativas de todas as despesas e receitas dos cofres públicos para o próximo ano. A emenda que aumentaria o peso das emendas na LOA, entretanto, foi vetada pela prefeita Marília Campos (PT) no último dia 1°.
Paralelamente, ainda com o objetivo de dobrar as emendas individuais parlamentares deram início à tramitação de uma Emenda à Lei Orgânica do Município. O projeto foi protocolado no dia 9 de julho, dia da última sessão antes do início do recesso parlamentar. Somente os vereadores Abne Motta (PRD), Moara Saboia (PT) e Silvinha Dudu (PV) não assinaram o pedido de inclusão da emenda na lei.
A emenda para aumentar em 2% o peso dos vereadores no orçamento da cidade recebeu parecer positivo da Procuradoria da Câmara Municipal no dia 6 deste mês. Dois dias depois, uma comissão composta pelos vereadores Arnaldo de Oliveira (Solidariedade), Bruno Barreiro (PV), Glória da Aposentadoria (PSDB), Daniel do Irineu (PSB) e Ronaldo Babão (PSB), aprovou um segundo parecer.
Ao todo, assinaram esta emenda 16 vereadores. Para sua aprovação foi convocada uma sessão extraordinária, na última sexta-feira (9), em reunião extraordinária. Mas um acordo entre os vereadores adiou a votação.
Nesse caso, se fosse aprovada, não caberia veto do Poder Executivo. Mas o veto da prefeita à ampliação das emendas por meio da LOA tem 30 dias para ser votado pela Câmara. Se a decisão de Marília for derrubada pelos parlamentares, a medida entrará em vigor.
Interlocutores da Câmara Municipal ouvidor por O Fator disseram que a votação da emenda foi retirada por receio da repercussão nas vésperas do período eleitoral. Entretanto, apontaram que, pelo regulamento, o veto do Poder Executivo tem 30 dias para ser votado e, caso seja derrubado, a medida entraria em vigor.
As emendas em números
O site Câmaras em Foco, do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), aponta que a Câmara Municipal de Contagem teve um gasto total de mais de R$ 72 milhões em 2023. Se as emendas forem somadas às cifras ligadas ao custeio do Legislativo, o Parlamento da cidade passaria a demandar R$ 131 milhões anualmente aos cofres públicos.
Esse valor é maior que a receita do município de Pitangui, que foi de 107 milhões em 2023, com uma população total de mais de 26 mil pessoas.
Caso seja aprovado o aumento das emendas individuais para 2%, os vereadores de Contagem poderiam alterar destinação de cerca de R$ 54 milhões do orçamento total do município — o que representaria cerca de R$ 2,1 milhões para cada vereador, anualmente.
Desse montante, parte é destinada para ONGs ligadas a esses vereadores, verdadeiras extensões dos seus mandatos, com registro deles fazendo atendimento ao público nas dependências dessas organizações.
O aumento das emendas dos vereadores de Contagem se baseia em alteração semelhante, feita pela Câmara dos Deputados.
Doutora em ciências políticas e professora na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Marina Siqueira reconhece que é um desafio do legislador ter seu trabalho reconhecido somente com os posicionamentos e votações na Câmara, o que os leva a buscar “agenda de entregas concretas aos seus nichos de eleitores”. Assim, uma forma de organizar isto, institucionalmente, são as emendas parlamentares, ou emendas individuais.
“A grosso modo, pensando na finalidade do político, este tipo de movimento por si só não é um problema, pois faz as instituições políticas agirem e entregarem resultados aderentes aos desejos e às necessidades dos diferentes grupos sociais”.
Entretanto, Marina aponta que o problema apareceria na “fase seguinte”, quando os recursos das emendas deixam de ser aplicados, por alguns políticos, aos interesses coletivos para privilegiar grupos muito específicos ou individuais. A cientista política também destacou que esses recursos dão vantagens eleitorais aos parlamentares.
“O eleitor fará o seguinte cálculo, se eu votei no candidato X para atuar com maior atenção nos temas de educação e vi concretamente o trabalho dele acontecendo, logo, tenderei a votar nele novamente. Mas caso o político não consiga deixar claro para o eleitor que existe um custo-benefício na gestão realizada, o eleitor procurará outras opções”, concluiu.
O que diz a Câmara de Contagem?
À reportagem, a Câmara Municipal de Contagem afirmou que as emendas impositivas individuais foram criadas para ampliar a participação do poder Legislativo na construção do orçamento municipal. “Afinal, o vereador é o ente público mais próximo da população e, por isso, muitas vezes, tem mais condições de apontar onde estão os problemas das comunidades”.
Ainda conforme o Legislativo, constitucionalmente, 50% dos recursos cuja destinação é apontada pelos vereadores precisam ser encaminhados as ações de fomento à saúde pública.