A violência nossa de cada dia

Atualmente, até na foto do WhatsApp há assédio com comentários às roupas, aos seios e ao batom
Violência contra a mulher
Joana D'Arc (Foto: Reprodução)

Eu nasci mulher e aprendo, todos os dias, como ser essa mulher e também feminina. No decorrer de toda a minha vida, foram tantas as imposições que uma menina, uma moça e uma mulher devem ou não ter (horário para chegar, com quem sair etc.), que ao longo dos anos não soube mais o que seria certo ou errado em meu entendimento feminino – ou sib a ótica masculina. 

O fato é que crescemos em um mundo machista, comandado por homens em todas as esferas de poder, e são eles que ditaram, por um longo período, o que seria certo e o que seria errado. E as mulheres, que outrora ousavam discordar, eram convidadas a sair, a se calar. Ou pior, eram saídas ou caladas.

E qual mulher que, no caminhar de sua vida, não sofreu algum tipo de violência, seja ela física, psíquica ou emocional? Sim, todas nós já sofremos, pelo simples fato de sermos mulheres. Seja em relação ao comportamento, à maneira de se vestir, em relação ao peso, à idade, à profissão e tantas outras.

Nada mudou

A nossa Constituição garante aos homens e às mulheres a igualdade em todos os sentidos. Uma pena, porém, que, para que possa ser alcançada, temos que, todos os dias, mostrar que somos melhores, capazes, merecedoras e dignas de estar onde estamos.

Ao longo da história da humanidade, a mulher sempre foi considerada um ser inferior, que só servia para a reprodução e para o prazer, e que muitas vezes não poderia estar no mesmo espaço masculino (somente quando eles queriam ou permitiam).

A mulher da época medieval não tinha direito de se manifestar e sequer de aprender alguma coisa. Restava apenas se dedicar ao ócio, que era visto como regalia. As menos abastadas trabalhavam como cozinheiras e arrumadeiras nas casas alheias. Às que queriam fugir dessa situação, restava o convento, onde podiam estudar. Percebe-se que a violência em face da mulher já começara nessa época.

Violência sem fim

Nesse mesmo período, época dos reis, as mulheres continuam como coadjuvantes. Até mesmo as rainhas tinham que se submeter à vontade do rei, como Catarina de Aragão, que foi obrigada a se separar para o rei ficar com Ana Bolena. E essa, ao final, foi decapitada em um julgamento desse próprio rei, já que o mesmo se considerava o próprio Estado, e ele fazia e desfazia as leis e tudo se dava conforme sua vontade, pois se considerava Deus. Catarina de Aragão foi afastada da corte e passou a viver isolada, sem mesmo ter contato com a sua filha, a quem nunca mais viu.

As mulheres mais pobres, como Joana D’Arc, que era filha de agricultores, intuitivas que pensavam e que às vezes queriam somente usar seu “feminino”, sua intuição, sofreram horrores e muitas foram queimadas vivas, como se fossem monstros e bruxas, por julgamento exclusivo dos homens. O simples fato de conversarem com os bichos, fazerem chás ou poções, e dançarem na lua cheia era considerado como um grave crime e já eram julgadas e condenadas, sem nem mesmo saber o porquê.

As intuições femininas eram ignoradas e as vozes eram tidas como coisas do maligno. Ainda no século XV, e por quatro séculos a seguir, a Igreja promoveu uma caça às bruxas. A perseguição ocorreu com quaisquer das mulheres da época que supostamente possuíam poderes sobrenaturais ou que de alguma forma haviam ferido as expectativas sociais, políticas e religiosas, normalmente de classe social mais humilde. Assim, mulheres foram julgadas por homens, com as teses deles e sem direito a uma defesa digna, por supostamente representar um perigo à sociedade.

Continuamos medievais

E por séculos e séculos, a violência sempre cercou a vida das mulheres. Se uma moça engravidava sem ter casado, ou era obrigada a abortar ou a casar com quem não queria, ou então ir para um convento, esperar seu filho nascer e depois vê-lo ser dado a outra pessoa. Isso desenvolveu em muitas mulheres a depressão e a tristeza profunda, sendo até passada para outras gerações.

Também quando se casava e o marido descobria que já estava grávida, sofria a violência física por não ser considerada pura e imaculada. O filho de mulher com outro homem era considerado bastardo e não um filho legítimo.

Por volta desse século, tivemos um dos maiores horrores da história: a escravidão. Por 300 anos o povo africano e suas mulheres foram violentadas, arrancadas de seus lares, separadas de seus pais, maridos e filhos para chegarem em outro país e servir aos outros, seja em casa, mesa ou cama. 

Mundo machista

Também muitos de seus filhos com os homens brancos não foram considerados, e cresceram como se fossem de geração espontânea, ou seja, filhos sem pai.

A violência continuou e chegamos ao absurdo da mulher poder votar somente na década de 40. A política, a vida, a economia… tudo era decidido pelos homens.

Em 1960, nas revistas da época, já me deparei com artigos escritos assim: “Ao chegar em casa do trabalho, esteja sempre bem arrumada, com a comida pronta e não perturbe seu marido com os seus problemas”. Realmente, sem comentários. As esposas eram apenas para cama e mesa.

Mudança tímida

Em 1970, as mulheres se movimentaram e queimaram os sutiãs em praças públicas. Numa clara demonstração de CHEGA! Mas, ao mesmo tempo, iniciou-se vários assassinatos em nome da legítima defesa da honra, tipo penal inexistente no código. Pior. Sendo em muitos dos casos absolvidos por isso. Um caso típico foi o assassinato de Ângela Diniz por Doca Street. 

Em um primeiro julgamento foi condenado a dois anos de prisão e, à época, houve uma grande manifestação do movimento feminista, e foi feito um novo júri, com a condenação de 15 anos para o réu.

As mulheres resolveram trabalhar fora, ganhar seu dinheiro e muitos casamentos foram desfeitos, sempre com a vontade de ser feliz, ser mais leve e ser mais livre. E ainda eram discriminadas. Mulher separada dava o que falar.

É preciso progredir

E, em 1980, apesar de mais modernos, as mulheres ainda ocupavam cargos iguais ou maiores que os homens e ganhavam menos e eram menos valorizadas, e não ocupavam cargos de chefia. 

Com o tempo, com muita luta e muita violência a mulher foi conquistando seu espaço tão merecedor e tão demorado. Apanhava-se pelo simples fato de usar determinada roupa, de ter determinado comportamento e ser quem era, por ter nascido mulher, por querer ser mulher.

Algumas leis vieram para a defesa da mulher, já tão cansada de lutar e não ser reconhecida. De falar e ter sua voz calada. De manifestar e ter que ouvir que suas idéias eram de uma pessoa complicada, difícil, só porque queria expor o seu ponto de vista.

Encerro

Além desse tipo de violência, ainda havia e há o assédio, ao colocar determinada roupa, ao colocar determinado sapato, ao deixar o cabelo assim ou assado, ao se maquiar, assédio sempre velado em abraços, beijos molhados, pegadas na cintura, nos cabelos. 

Atualmente, até na foto do whatsapp há o assédio, com comentários às roupas, aos seios, ao batom. E mesmo com tantos movimentos contra a violência contra a mulher, ainda há feminicídios, lesões e abusos com as mulheres. A pergunta é: Até quando?

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