Há duas semanas, boa parte dos brasileiros ficamos estarrecidos com o atentado suicida com artefatos explosivos direcionado contra o Supremo Tribunal Federal, perpetrado pelo catarinense Francisco Wanderley Luiz, ainda que frustrado em seu intento, a não ser para a própria morte do autor. Rapidamente, analistas tentaram minimizar o fato como se fosse um ato isolado de um lobo solitário com problemas de saúde mental. No entanto, mesmo que ele tenha planejado tudo sozinho, não é possível desvincular tal episódio do contexto de radicalização de milhões de brasileiros à extrema-direita.
Esse ato faz parte de uma sequência de episódios de violência política com fins golpistas que se sucederam nos últimos anos, tais como: I) os acampamentos golpistas em dezenas de cidades do Brasil e o bloqueio de estradas em novembro e dezembro de 2022; II) a violência disseminada em Brasília na noite de 12 de dezembro de 2022, após a diplomação do presidente Lula; III) a tentativa de explodir o aeroporto de Brasília na véspera do Natal de 2022; IV) a destruição dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 por milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Todos esses episódios antidemocráticos contaram com o envolvimento direto de dezenas de milhares de brasileiros radicalizados, que almejavam subverter o resultado da democracia brasileira e apoiar um golpe de estado.
Essa alcateia golpista não se formou do nada, mas foi amplamente patrocinada por uma trama golpista articulada dentro do Palácio do Planalto no governo Bolsonaro, conforme revelou o relatório da investigação feita pela Polícia Federal, tornado público na última terça-feira, 26 de novembro. Esse relatório – que narra detalhadamente o enredo do golpe em quase 900 páginas – indiciou 37 autoridades, entre elas o ex-presidente Bolsonaro e seus aliados, como o general Braga Netto, o general Heleno e o general Paulo Sérgio Sérgio Nogueira, todos ex-ministros do seu governo.
O relatório da Polícia Federal demonstra como havia desde 2019 um núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral, composto por milícias digitais dedicadas a descredibilizar as urnas eletrônicas e a legitimidade da democracia brasileira. Os produtores de dados falsos, difundiram em grande volume, em diversos canais – sobretudo redes sociais -, de modo rápido, contínuo e repetitivo a falsa tese de que teria ocorrido uma fraude eleitoral tanto em 2018 como em 2022 para prejudicar o ex-presidente e favorecer o PT. Isso foi reforçado ainda com a participação de órgãos públicos por interferência do governo Bolsonaro e seus aliados – como a “ABIN paralela” e por integrantes das Forças Armadas.
O enredo do golpe é complexo e multifacetado, mas a Polícia Federal comprovou como a máquina estatal foi mobilizada – com a participação de diversos agentes públicos, militares e civis, e com gasto de dinheiro público – para espalhar desinformação em massa com o intuito de ludibriar e radicalizar milhões de brasileiros, contexto que fomentou a prática desses episódios de violência política que infelizmente estamos vendo se multiplicar nos últimos anos.
Não há como dizer que o golpe ficou apenas na cogitação e em atos preparatórios, quando parte do Estado brasileiro foi mobilizada ativamente com o objetivo de criar o caos político para justificar o contexto de um golpe de estado. Além disso, minutas com planos do golpe foram não apenas redigidas, mas apresentadas ao Alto Comando das Forças Armadas para tentar convencê-los do golpe. Após a recusa na participação, tais comandantes foram inclusive pressionados e coagidos por essa rede criminosa. Membros das forças especiais do Exército – os “Kids Pretos” – chegaram a monitorar autoridades constitucionais e há indícios da conexão deles com a destruição dos poderes em 8 de janeiro. Com isso, a execução do plano golpista foi iniciada, ainda que frustrada posteriormente. Mas para a punição de golpe de estado basta a tentativa, tendo em vista que a consumação impediria a responsabilização dos seus autores, já que concentrariam poder autocraticamente em uma nova ditadura.
Diante desse contexto, torna-se imprescindível a responsabilização das autoridades indiciadas pela Polícia Federal. Cabe à Procuradoria Geral da República analisar as provas de autoria e materialidade de cada um e promover a devida denúncia para posterior julgamento do Supremo Tribunal Federal. Sem anistia e com justiça, as instituições brasileiras poderão dar um recado eloquente e cristalino: para que radicais antidemocráticos nunca mais tentem atentar contra a democracia brasileira, sob pena de serem responsabilizados com o rigor da lei.