No Direito, e mesmo em termos mais amplos, quando se fala da teoria da argumentação, existe o argumento ad hominem. Este argumento é uma falácia lógica, ou seja, ele possui falhas estruturais que podem até levar ao convencimento, mas do ponto de vista da lógica, ele é essencialmente falho e incapaz para levar a uma boa decisão. O argumento não se baseia no objeto da discussão, mas simplesmente apoia, ataca ou desacredita a posição contrária em função de quem fala. Ele pode ocorrer desde situações mais simples até as mais complexas. Mas seus efeitos são nefastos em uma sociedade digital do espetáculo.
Se um adolescente expõe um pensamento sobre mercado de trabalho, alguém mais velho poderia falar: “o que você sabe? Você é adolescente”. Se alguém mais velho expõe um pensamento sobre tecnologia, um adolescente poderia falar: “o que você sabe? Quando nasceu, só tinha máquina de datilografar”. São geralmente argumentos jocosos, provocam até o deboche. Quem os escuta tem um reforço de estigma, mas não pensa o argumento. O argumento ad hominem é a principal base dos influencers e mesmo das cadeias de mensagens no whatsapp. Ao invés de focar nos fatos e nos argumentos, sejam eles contrários ou favoráveis, o indivíduo replica: “eu recebi no whatsapp”, “eu vi fulano a dizer”.
No argumento ad hominem, a pessoa é levada gostar ou desgostar do que escutou, a crer antes de pensar. Não importa racionalmente o que foi escutado. Imagine-se duas pessoas em face de um indivíduo. Sendo uma pessoa seu amigo e a outra um adversário. O amigo afirma que a água do mar é doce, ao passo que o inimigo afirma que a água do mar é salgada. O estágio do debate jurídico-político brasileiro levará a maior parte das pessoas apaixonadas pelo argumento ad hominem a concordar com o amigo e discordar do inimigo. O que importa o objeto do argumento? Importa sim quem falou e a relação do indivíduo com essa pessoa ou mesmo seu sentimento para com aquilo que gostaria de ouvir. Esse é o panorama da sociedade brasileira atual.
As pessoas mergulham cada vez mais superficialmente nos assuntos, e aqui me perdoem o oximoro. A maior parte das pessoas não passa dos títulos de reportagens, não aprofundam análises. Há um fast food de opiniões. Um fast opinion, por assim dizer. A sociedade está a mergulhar na irracionalidade lógica do argumento ad hominem. Isso abre para um mundo repleto de percepções que não se escoram ou apoiam na realidade, nos dados efetivos que podem ser tomados em avaliação concreta. As pessoas simplesmente estabelecem uma crença em função de quem falou e de sua boa (ou má) vontade para com o que lhe representa sentimentalmente o tema da discussão.
O estágio social é tão crítico que os riscos de eclosão de violência e pânico se elevam cada vez mais, justamente em função da ascendência do argumento ad hominem e da percepção ao invés da racionalidade lógica. Esse fenômeno se acentua com a base do culturalismo impregnado na sociedade brasileira em seu estágio de sociedade do espetáculo digital.
É como se estivéssemos em uma sala de cinema e alguém influente gritasse: “um copo de água caiu no chão, corram, corram, a água virou fogo!”. Apesar de ser o exemplo ridículo, se na sala houver 10% de pessoas suscetíveis ao argumento ad hominem, e entrarem em histeria por crerem alucinadamente em quem falou (sem refletir no que foi falado), passando a gritar e correr na sala, o pânico irá se alastrar. O efeito manada irá se produzir, as pessoas se pisotearão, entrarão em disputa terrível pela fuga, taquicardia e medo se espalhará. E ao final, era apenas um copo d’água no carpete.
O argumento ad hominem leva ao colapso da sociedade e a riscos terríveis tanto para aqueles que nele acreditam quanto para aqueles que são afetados pelos atos dos que sentimentalmente acreditam.