Conselho aos jovens moços escritores ou, O Dia em Que Seremos Salvos por Ítalo Calvino

Foto: Agência Brasil
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Já me chamaram de muitas coisas pouco lisonjeiras. A maioria não me ofende: desde sempre compromissado com o papel de “enfant terrible”, estou acostumado a nomes feios. Mas admito que tenho profundo pavor da pecha de “especialista”.

Para não dizerem que sou monotemático, me arriscarei, hoje, em mares um tantinho diferentes dos que tenho navegado, publicamente, nos últimos anos.

Ao invés de entregar aos jovens que, irresponsavelmente, acompanham a cornucópia de textos mais ou menos sem sentido e invariavelmente sem propósito que escrevo, recomendando listas de leituras jurídicas e filosóficas que desafiam o tédio e a paciência, buscarei trazer arrogantes conselhos para os que pretendem escrever bonito sobre coisas não necessariamente belas.

Meu avô costumava dizer que preferia ler bulas de remédio bem escritas do que brilhantes ensaios mal construídos.

Me ensinou que, da mesma forma que não existe comida ruim no mundo que dois ovos fritos por cima não resolvam, também não existe assunto nenhum que seja suficientemente enfadonho para impedir que um bom narrador o transforme em uma leitura agradável.

Quem escreve quer ser lido. E creiam, crianças: estejam vocês falando sobre os juízos sintéticos a priori da obra de Kant, ou sobre os carrapatos na barriga da cachorra da obra do Seu Antônio, é certo que serão mais lidos se escreverem textos mais bonitos.

No Direito e na Filosofia somos obrigados, invariavelmente, a tratar de temas insuportavelmente herméticos e de coisas insofismavelmente chatas. Mas isso não quer dizer que devemos obrigar nossos leitores a suportar um tédio bovino ao ler o que escrevemos.

Pelo contrário: é muito mais fácil sermos entendidos por interlocutores que não estão, ao mesmo tempo que nos leem, travando uma batalha contra os exércitos de Morfeu.

Algumas obras, escritas por autores mais espertos e mais cultos do que os que costumam nos indicar nas faculdades de direito, nos ajudam a polir a arte da escrita, e nos servem até mesmo nos momentos em que atravessamos as profundas trevas da escrita jurídica e acadêmica.

Seja através da crítica, seja pelo exemplo, alguns autores são capazes de nos ensinar a habilidade sublime de transformar qualquer “Elementos de Direito Constitucional” em algo agradável de ser lido. Diga-se de passagem, apesar do desnecessário uso de mesóclises, nosso ex-presidente e eminente constitucionalista escrevia (talvez ainda escreva) pavorosamente bem.

Ítalo Calvino: “Seis Propostas para o Próximo Milênio: Lições Americanas.” Este pequeno livro deveria ser leitura obrigatória nas faculdades do mundo inteiro. Inimigo da escrita pomposa, arcaica, prolixa, tediosa e cansativa, na opinião deste que vós fala, representa a melhor síntese dos princípios que deveriam nortear o exercício da escrita no mundo moderno.

Calvino foi um dos mais relevantes escritores do século XX, ensinou nas maiores universidades do mundo (de Harvard à Sorbonne) e foi um dos maiores teóricos da literatura contemporânea.

Autor de mais de uma dúzia de romances e um sem-número de artigos e ensaios, discorreu sobre temas terrivelmente abstratos sem jamais, em toda sua vida, escrever um único parágrafo que não nos desse vontade de ler o parágrafo seguinte.

Steven Pinker: The Sense of Style: The Thinking Person’s Guide to Writing in the 21st Century. Pinker pode não ser um escritor tão excepcional quanto Calvino – afinal, muito pouca gente é –, mas como um distinto intelectual americano, ele apresenta neste livro regras valiosas para a escrita acadêmica.

William Strunk Jr. e E.B. White: The Elements of Style. Um clássico indiscutível. Este guia de escrita formidável oferece princípios essenciais de composição e estilo, sendo uma referência incontornável na arte da escrita.

William Zinsser: On Writing Well. Este livro é um guia excelente para escrever de forma clara, simples e precisa, sendo particularmente útil para a escrita não-ficcional, como é o caso de textos filosóficos, jornalísticos, históricos, jurídicos e científicos em geral. Segue uma linha similar às propostas de Ítalo Calvino, mas de maneira mais especificamente dirigida aos textos não ficcionais.

Gerald Graff e Cathy Birkenstein: They Say / I Say: The Moves That Matter in Academic Writing. Estes rapazes são verdadeiros mestres na arte da argumentação. Pugilistas da retórica, na melhor tradição de sofistas como Górgias e Protágoras, Graff e Birkenstein ensinam a tecer argumentos próprios a partir de ideias alheias, de outros autores, habilidade vital na escrita acadêmica. Um manual totalmente excelente para quem busca apresentar diálogos intelectuais, com pontos de vistas divergente, sem matar seus interlocutores de preguiça.

Howard S. Becker: Writing for Social Scientists: How to Start and Finish Your Thesis, Book, or Article. Direcionado inicialmente a cientistas sociais, este livro transcende seu público-alvo ao oferecer percepções profundas sobre a escrita acadêmica. Becker aborda desde o início até a conclusão de teses e artigos.

Wendy Laura Belcher: Writing Your Journal Article in Twelve Weeks: A Guide to Academic Publishing Success. Pode parecer picaretagem, mas Belcher oferece um guia prático e eficiente, delineando um plano de doze semanas para escrever e publicar artigos acadêmicos. É uma espécie de “coach para pessoas não oligofrênicas” da produção científica.

Wayne C. Booth, Gregory G. Colomb e Joseph M. Williams: The Craft of Research. Este livro representa um manual abrangente sobre a realização e escrita de pesquisas acadêmicas. De valor inestimável para qualquer pessoa envolvida em pesquisa, seja ela acadêmica ou científica, o livro guia o leitor através de cada etapa do processo de pesquisa, da concepção à redação final.

Todos esses tomos de sabedoria estão ao “alcance de um clique”. Encontram-se disponíveis naquele famoso portal de vendas online, que surrupiou o nome de nosso mais grandioso estado e nossa mais suntuosa floresta, sem a cortesia de pagar os devidos royalties.

Alguns, suspeito, exclusivamente na língua da Rainha (ou do Rei… não tenho certeza sobre quem está, atualmente, sentado no trono de Buckingham), mas a maioria possui tradução para o português.

Para aqueles que não são versados na língua de Hemingway, ou preferem/não podem gastar dinheiro adquirindo obras nesse site que manteremos inominado, há sempre a opção de explorar o vasto oceano digital conhecido como “world wide web”.

Convém lembrar que este que vósfala não pode, em público, endossar a prática da pirataria, tampouco admitir que seja inimigo da propriedade intelectual.

Mesmo sendo absolutamente improvável que eventuais piratas sejam processados pelo pecadilho, não podemos sugerir que digitem os títulos dessas obras, em seus mecanismos de busca favoritos, para adquiri-los gratuitamente em PDF.

IAARRRRRRRRRRRR!

Mas fica aí nossa singela contribuição: a escrita é a coisa mais interessante que um ser humano é capaz de fazer. É através dela que transformamos o árido mundo que existe no belíssimo mundo que gostaríamos que existisse.

Bem ou mal, advogados, professores, juízes, estagiários, juristas, jornalistas e filósofos são todos escritores.

Escrevemos juntos a continuação de um conto inacabado, que só se transforma em realidade na medida em que as linhas que escrevemos são lidas e entendidas pelo mundo que nos cerca.

Quando colocamos nossas teses no papel estamos, literalmente, escrevendo a realidade. Estamos inventando a justiça e o direito, página por página, ideia por ideia, metáfora por metáfora, mesóclise por mesóclise.

Se o que buscamos é viver em um mundo melhor e mais gentil do que aquele em que nascemos, precisamos aprender a escrever de maneira melhor e mais gentil do que escreviam aqueles que nos precedem. E me parece de bom tom escrever com um pouco mais de elegância.

Sejamos 1) leves ao invés de pesados, 2) rápidos ao invés de lentos, 3) exatos ao invés de confusos, 4) visíveis ao invés de obscuros, 5) múltiplos ao invés de unívocos, 6) consistentes ao invés de incoerentes e, por fim, torçamos para que outros ítalos Calvinos apareçam para nos sugerir novos princípios para a boa escrita quando estes seis não forem mais suficientes.

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