Há um ditado antigo que diz: “Quando a esmola é demais, o santo desconfia.” E nunca isso foi tão aplicável como nos dias de hoje, especialmente quando falamos de grandes ações moralistas vindas de quem sempre teve comportamentos, no mínimo, duvidosos. O mais recente exemplo que podemos observar é a cruzada do Governo Federal contra as casas de apostas, mais conhecidas como “Bets”. Se analisarmos o histórico, não é difícil identificar que há mais por trás desse movimento do que apenas um esforço genuíno para proteger a sociedade.
Em um texto anterior, discorremos sobre os problemas gerados por essas plataformas, apontando como as apostas esportivas tomaram conta do cotidiano brasileiro, movimentando bilhões de reais sem uma regulamentação clara. O estudo do Senado, que aponta que mais de R$ 100 bilhões são movimentados anualmente pelas Bets, trouxe à tona discussões sobre endividamento familiar, cultura de consumismo e os efeitos nocivos dessa prática no Brasil. Contudo, o que parecia ser uma luta justa pela proteção dos brasileiros, rapidamente se revelou uma ação com interesses muito mais complexos.
Agora, vemos o Governo Federal se lançando em uma cruzada moralista contra essas casas de apostas, ao mesmo tempo em que grandes grupos de comunicação, que até recentemente promoviam essas mesmas plataformas, passam a criticar a prática. O que inicialmente pode parecer uma boa ação esconde uma agenda com interesses próprios. O ponto de virada ocorre quando fica claro que tanto o governo quanto os mesmos grupos que condenam essas apostas agora mostram interesse em criar suas próprias plataformas de Bets.
Essa incoerência levanta sérias questões sobre a verdadeira intenção por trás dessas ações. Quando uma entidade que antes se beneficiava diretamente de um setor, como os grandes grupos de comunicação que lucraram com publicidade de apostas, de repente se posiciona como a “guardiã da moralidade”, é natural que surjam dúvidas sobre a sinceridade desse movimento. E quando o governo, que sempre se mostrou ineficiente na regulamentação e controle dessas atividades, começa a coibir concorrentes enquanto sinaliza a criação de seus próprios sistemas de apostas, o jogo fica claro.
Essa situação nos leva a uma reflexão sobre o padrão moral adotado por essas entidades. Criar uma imagem de protetor dos bons costumes enquanto, na verdade, se prepara o terreno para eliminar competidores e monopolizar o mercado é uma tática bem conhecida. Não se trata de proteger a sociedade das Bets, mas de substituir os atuais operadores por um novo modelo controlado por aqueles que detêm o poder e a influência.
É a velha prática de definir um padrão moral flexível, onde o que é considerado inaceitável em um momento torna-se aceitável quando convém. Essas inconsistências no discurso são fáceis de identificar quando se observa quem realmente se beneficia. As mesmas vozes que condenam as Bets agora estão ansiosas para participar do mesmo mercado que antes criticavam.
Portanto, desconfie sempre de quem, historicamente, nunca teve seus interesses como prioridade, mas que agora, repentinamente, aparece como salvador da moralidade. Em um mundo onde interesses financeiros e políticos se misturam, é prudente questionar as verdadeiras intenções por trás de cada “boa ação”. O caso das Bets é apenas mais um exemplo de como se pode criar um discurso moralista para justificar uma estratégia de controle e eliminação de concorrência, apenas para depois fazer o mesmo que se coíbe.
Quando os mesmos que sempre te atrapalharam aparecem para “ajudar”, é hora de olhar com mais atenção.