O Parlamento Europeu publicou, no dia 5 de julho, uma diretiva revolucionária que promete redefinir os padrões de responsabilidade corporativa em escala global. Esta nova legislação, conhecida como “diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade”, tem como objetivo primordial aumentar a responsabilidade das grandes empresas sobre os impactos negativos que podem causar aos direitos humanos e ao meio ambiente, não apenas na Europa, mas em todo o mundo. Ela muda o paradigma da atividade empresarial. Os Estados-membros da União Europeia têm até dois anos para transpor os termos da nova regra para a legislação nacional.
O escopo da diretiva é amplo e abrangente.
Um dos aspectos mais notáveis da proposta é a exigência de que as empresas elaborem um plano demonstrando como seu modelo de negócio e estratégia estão alinhados com o Acordo de Paris sobre o combate às mudanças climáticas. Esta medida reforça o compromisso da União Europeia com a agenda global de sustentabilidade e coloca as empresas na linha de frente da luta contra as alterações climáticas.
Ela exigirá que as grandes corporações monitorem e previnam riscos de violações de direitos humanos e danos ambientais em toda a sua cadeia de valor. Isso inclui não apenas as operações diretas da empresa e de suas subsidiárias, mas também as atividades de seus fornecedores, distribuidores e até mesmo os processos de pós-consumo. Ou seja, estabelece o dever de prevenir, mitigar, corrigir e reparar os efeitos adversos no ambiente e nos direitos humanos resultantes das suas operações (incluindo também as das suas filiais) e das operações na sua cadeia de atividades (ou seja, os seus parceiros comerciais num mercado global)
As implicações desta diretiva para o empresariado global, incluindo o brasileiro, são significativas.
Um caso emblemático que ilustra o tipo de situação que a nova legislação visa combater é o da marca de luxo Dior (não obstante a diretiva europeia ainda não esteja em vigor, há na Itália legislação semelhante). Recentemente, uma filial italiana da LVMH, fabricante das carteiras Dior, foi colocada sob administração judicial pelo tribunal de Milão. Uma investigação revelou que a empresa havia subcontratado trabalho a empresas chinesas que submetiam os trabalhadores a condições desumanas, incluindo jornadas de trabalho excessivas e falta de segurança.
Outro exemplo ocorreu em abril. Um comissário foi nomeado para acompanhar as operações de uma empresa ligada à Giorgio Armani por causa de falhas na supervisão adequada de seus fornecedores.
Os exemplos acima demonstram como a falta de supervisão adequada da cadeia de fornecimento pode resultar em graves violações de direitos trabalhistas e humanos. A nova diretiva europeia busca prevenir tais situações, exigindo que as empresas realizem auditorias periódicas e implementem medidas de due diligence em toda sua cadeia produtiva.
A implementação desta diretiva sinaliza uma mudança paradigmática na forma como as empresas devem abordar questões de sustentabilidade e direitos humanos. Não será mais suficiente cumprir apenas a legislação local, as empresas terão que garantir que toda sua cadeia de valor esteja em conformidade com padrões internacionais rigorosos.
Os impactos da nova diretiva europeia para os empresários brasileiros são multifacetados e potencialmente transformadores. Em primeiro lugar, as empresas nacionais que mantêm relações comerciais diretas com a União Europeia serão compelidas a adotar práticas de gestão mais rigorosas e transparentes. Isso implica na necessidade de implementação de sistemas de rastreabilidade robustos, capazes de monitorar desde a origem das matérias-primas até o descarte final dos produtos. Tal exigência demandará investimentos significativos em tecnologia e capacitação de pessoal, o que pode representar um desafio considerável, especialmente para as pequenas e médias empresas.
Ademais, a nova legislação europeia tem o potencial de reconfigurar as cadeias de suprimentos globais, afetando indiretamente até mesmo as empresas brasileiras que não exportam diretamente para a UE. Isso porque as corporações europeias, em busca de conformidade com a diretiva, tenderão a privilegiar fornecedores que possam comprovar alinhamento com as normas de sustentabilidade e direitos humanos. Consequentemente, os empresários brasileiros que aspiram manter ou expandir sua participação no mercado global precisarão adequar suas operações não apenas às legislações locais, mas também aos padrões internacionais mais exigentes.
Para os empresários brasileiros, a diretiva representa um novo conjunto de obrigações a serem observadas. Impossível não se lembrar aqui (com bastante tristeza) dos nacionalmente conhecidos episódios dos trabalhadores rurais de cafezais em condições análogas à escravidão, dos bolivianos encontrados em condições desumanas de trabalho em empresas de confecção de roupas, ou dos desastres ambientais de Brumadinho e Mariana.
Por fim, é importante salientar que a diretiva europeia pode catalisar mudanças significativas no ambiente regulatório brasileiro. À medida que as práticas empresariais evoluem para atender às demandas internacionais, é provável que haja uma pressão crescente para que o arcabouço legal nacional se alinhe a esses novos padrões. Isso pode resultar em uma revisão das políticas públicas e na criação de novos mecanismos de fiscalização e incentivo às práticas sustentáveis e éticas no âmbito corporativo. Portanto, os empresários brasileiros devem se preparar não apenas para as exigências diretas da legislação europeia, mas também para um possível enrijecimento das normas nacionais em um futuro próximo.
Ou seja, a nova diretiva europeia representa um avanço significativo na aplicação prática do modelo ESG (Environmental, Social and Governance). Ela estabelece um novo padrão global de responsabilidade corporativa, forçando as empresas a integrarem considerações éticas, ambientais e sociais em suas estratégias de negócios. Para o empresariado brasileiro e global, adaptar-se a essas novas exigências não será apenas uma questão de conformidade legal, mas uma necessidade estratégica para manter a competitividade no mercado internacional.
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