Municípios mineradores e o descaso da política nacional

Estados e cidades brasileiras que têm mineração recebem R$ 429 milhões em maio da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM)

A reforma tributária do consumo da Emenda Constitucional no 132/2023 provocou desajustes absurdos para os Municípios mineradores, que já haviam sofrido ruinosos prejuízos com a Lei Kandir (LC 87/1996), que desonerou a exportação de commodities

A mineração, em sua maior parte, se destina à exportação, por isso, os Estados mineradores, que geram recursos financeiros para toda a nação, perderam parcela significativa da receita do ICMS em razão da Lei Kandir. Como consabido, apesar das promessas da União de ajustar a questão, o tal “acerto de contas” jamais ocorreu. A ADO 25, em que se cobrava reparação, resultou tão somente em um singelo “cala boca”. Para se ter uma ideia, o prejuízo causado a Minas Gerais superava R$ 170 bilhões, entretanto, foram pagos pouco mais de 5% desse montante. Sempre se soube que as possibilidades de se recuperar esses valores em sede de ADO eram pequenas. Nos tribunais muito foi feito, mas, politicamente, nada se fez. Na verdade, os Estados mineradores acabaram tomando, submissos, um “cano” covarde da União.

Os recursos provenientes das extrações minerais devem ficar nos municípios em que ocorre a referida atividade. Isso porque o minério se exaure e sua exploração impede atividade diversa: onde se tira minério não se produz nem capim. As receitas são necessárias para que o Município possa investir em atividades substitutivas, além de ter de lidar com os danos ambientais provenientes da mineração.

A EC 132/2023 criou o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que também não incide na exportação de commodities. Entretanto, a repartição da receita global do tributo com os Municípios (os mesmos 25% do ICMS) privilegiou o critério populacional (80% do que cabe aos Municípios serão distribuídos na proporção da população municipal), enquanto, com o ICMS, 65% (no mínimo) era compartilhado na proporção do “valor adicionado” (que é, grosso modo, a riqueza gerada pelo Município). Como a mineração gera relativamente poucos empregos, a população dos Municípios mineradores é pequena, por isso, a fatia que lhes cabe a título de IBS deve ser bem menor do que a que receberiam a título de ICMS. Uma espécie de morte lenta por sufocamento!

O Imposto Seletivo (IS) é um tributo que deve incidir sobre a “produção, comercialização ou importação dos bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”, havendo sido a atividade minerária considerada externalidade negativa no art. 153, § 6º, VII, da Constituição. Ocorre que a receita decorrente do “IS-mineração” é destinada sobretudo à União e não aos municípios impactados! Os Estados e os Municípios mineradores, que sofrem os impactos ambientais, não ficam com praticamente nada da receita do IS-mineração! Pasmem!

A extrafiscalidade exsurge quando o tributo não visa diretamente a arrecadação, mas é tomado como genuíno instrumento de indução de comportamentos. Nesse compasso, é inconstitucional a instituição de um tributo extrafiscal com propósitos arrecadatórios se sua incidência não contribuir para a consecução dos objetivos extrafiscais que fundamentaram sua criação.

O IS é o único tributo cuja função extrafiscal é expressamente reconhecida pelo texto constitucional. Entretanto, ninguém quer inibir a mineração. Assim, se não existe uma finalidade inibitória e se o tributo não visa a arrecadação, sua existência apenas se justifica se o tributo tiver uma função compensatória. Nesse compasso, o IS apenas faria sentido lógico se destinado fosse aos Municípios impactados pela exploração mineral.

Assim, parece mesmo que a interpretação lógica do art. 159, I e II da CRFB/1988 deve se impor e, no caso do IS-mineração, toda a receita deve ser destinada aos Municípios mineradores.

O IS deve ser cobrado independentemente da destinação do produto, a uma alíquota máxima de 1% do valor de mercado. Nos termos do art. 153, § 6º, I, da CRFB/1988, o IS não deve, a princípio, incidir sobre exportações, entretanto, o IS-mineração incide na exportação de produtos minerais, podendo deixar assim um “resíduo tributário” que pode encarecer as commodities nacionais no mercado internacional.

Assim, se somarmos às perdas proporcionadas pela desoneração das exportações de commodities (Lei Kandir) os prejuízos decorrentes da alteração do critério de partilha do IBS, os Municípios mineradores verão receitas significativas serem subtraídas.  Para piorar, o IS torna as commodities dos Estados mineradores menos competitivas no mercado e, para piorar ainda mais, a receita tributária não fica com o Município que sofre com a externalidade negativa!

Mais uma vez, os municípios que enriquecem o país são espoliados e ficam sem os recursos necessários para incentivar atividades substitutivas. Se vivem sob ameaça de serem inundados por lama tóxica, sofrem com a indiferença do legislador nacional e a submissão “entreguista” de parte significativa da política regional. Uma lástima que nos faz ter saudades da velha boa política mineira!

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