O que se vê e o que não se vê

Miopia econômica, enfrentada pelo Brasil no início dos anos 2000, ignorou os efeitos prejudiciais dos ‘campeões nacionais’
Imagem mostra janela quebrada.
Efeitos invisíveis à primeira vista podem gerar prejuízos à cadeia econômica. Foto: Pixabay

Imagine um comerciante que, ao ter sua janela quebrada por um vândalo, é consolado por um vizinho, que argumenta que, ao menos, o vidro novo gerará trabalho para o vidraceiro, que, por sua vez, usará o dinheiro para comprar pão, beneficiando o padeiro, e assim por diante. Esse raciocínio, à primeira vista convincente, ignora o que Frédéric Bastiat, um economista francês do século XIX, chamava de “o que não se vê”.

Bastiat desenvolveu a teoria que enfatiza a importância de considerar não apenas os efeitos imediatos e visíveis de uma ação econômica, mas também os efeitos indiretos e invisíveis. Em outras palavras, enquanto todos enxergam a janela nova e o trabalho gerado, poucos percebem que o dinheiro gasto poderia ter sido usado para outras finalidades mais produtivas. Esse conceito se aplica amplamente às políticas públicas que, ao se concentrarem nos resultados aparentes, negligenciam as consequências menos visíveis, porém muitas vezes mais prejudiciais.

Um exemplo emblemático dessa miopia econômica no Brasil foi a política dos “campeões nacionais”, adotada na década de 2000. A estratégia consistia em escolher empresas para receber grandes quantias de financiamento público, com o objetivo de transformá-las em líderes globais em seus setores.

O que se via era o crescimento rápido dessas empresas e a promessa de que se tornariam gigantes mundiais, trazendo prestígio e empregos para o Brasil. O que não se via, contudo, era o impacto negativo sobre outras empresas que não receberam o mesmo apoio, a distorção do mercado e a má alocação de recursos. Muitas das companhias escolhidas acabaram envolvidas em escândalos de corrupção, e os recursos investidos não retornaram à sociedade na forma de benefícios econômicos sustentáveis.

Outro caso emblemático é o controle de preços de produtos essenciais. Medidas como o congelamento de preços, adotadas em diferentes momentos da história brasileira, tentavam aliviar a pressão inflacionária sobre o consumidor. No entanto, o que não se via eram os efeitos adversos dessa intervenção: a escassez de produtos, o mercado negro e a quebra de produtores incapazes de manter a operação com preços artificialmente baixos. O curto-circuito entre oferta e demanda, gerado pela intervenção estatal, muitas vezes resulta em crises de abastecimento e perda de qualidade dos produtos.

A falta de visão sistêmica e a ausência de uma análise aprofundada das consequências de longo prazo levam a uma sucessão de más escolhas por parte dos gestores públicos. A insistência em políticas de redistribuição de renda sem a contrapartida de um aumento de produtividade é outro ponto de falha. Programas assistenciais são fundamentais para garantir uma rede de proteção social, mas, quando não acompanhados de políticas que incentivem a educação e a capacitação profissional, podem gerar dependência e ineficiência econômica. O que não se vê é o custo de oportunidade perdido, onde recursos que poderiam ser direcionados para o desenvolvimento de capital humano são consumidos em medidas paliativas que não atacam a raiz do problema.

Essas decisões, ao não considerarem “o que não se vê”, perpetuam um ciclo de intervenções que agravam, em vez de solucionar, os problemas estruturais do país. A cada nova medida mal planejada, o Brasil se afasta um pouco mais da possibilidade de um crescimento sustentável e inclusivo. Os recursos escassos, que poderiam ser usados para investimentos de longo prazo em infraestrutura, educação ou saúde, são desperdiçados em políticas que apenas remendam os problemas imediatos, mas que geram novas dificuldades no futuro.

Para quebrar esse ciclo vicioso, é essencial que gestores públicos adotem uma visão de longo prazo, que contemple o impacto sistêmico de suas ações. A verdadeira responsabilidade fiscal e econômica reside em tomar decisões que considerem não apenas os efeitos imediatos, mas também as consequências invisíveis e de longo prazo. Bastiat nos ensina que o que parece ser uma solução pode, na verdade, ser a causa de problemas maiores no futuro.

Em suma, a lição da janela quebrada deve estar sempre presente na mente dos formuladores de políticas públicas: é preciso ver além do óbvio, analisar os efeitos invisíveis e compreender o custo de oportunidade para garantir que as escolhas feitas hoje não comprometam o futuro de muitos.

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