Supremo Tribunal Federal: o equilíbrio necessário entre defesa da democracia e autocontenção institucional

Foto mostra a sede do STF
Foto: Divulgação/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) exerceu um papel crucial na defesa da democracia brasileira nos últimos anos, especialmente durante o período de populismo autoritário do governo Bolsonaro, quando a Corte atuou com firmeza como guardiã da Constituição de 1988 para conter ameaças golpistas ao Estado Democrático de Direito brasileiro. Medidas realistas e enérgicas de democracia combativa-militante, em um contexto de constitucionalismo anticíclico diante da crise democrática,  foram necessárias para evitar retrocessos institucionais e impedir a imposição de uma nova ditadura pela extrema-direita. No entanto, é chegada a hora de repensar a extensão e a natureza dessa atuação, buscando um equilíbrio entre a defesa da democracia e a autocontenção institucional.

Um dos principais exemplos dessa atuação foram os inquéritos instaurados pelo próprio STF, como o Inquérito das Fake News e o Inquérito dos Atos Antidemocráticos. Embora embasados em uma uma interpretação inovadora e heterodoxa do Regimento Interno do STF, as investigações decorrentes deles foram fundamentais para conter ataques à democracia e impor freios a agentes que buscavam desestabilizar o regime, ainda mais em um contexto no qual a Procuradoria Geral da República, sob o comando de Augusto Aras, mostrou-se inerte e omissa diante das ameaças autoritárias. Contudo, passados seis anos desde sua criação, esses inquéritos tornaram-se permanentes e sem prazo definido para conclusão, o que levanta questionamentos legítimos sobre sua continuidade. O momento exige que essas investigações sejam finalizadas ou que, no mínimo, sua condução seja repassada a outros órgãos competentes.

Outro aspecto relevante foi o julgamento célere dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. O sistema judicial demonstrou eficiência ao responsabilizar os culpados, garantindo que a tentativa de ruptura democrática não ficasse impune. Entretanto, durante a dosimetria das penas, desconsiderou-se a técnica da consunção (absorção de um crime por outro) e aplicou-se o concurso material de cinco crimes, resultando em condenações elevadas, entre 14 e 17 anos. Penalidades excessivas e desproporcionais podem gerar percepção de injustiça, fortalecer narrativas vitimistas entre setores mais radicalizados da sociedade e catalisar reivindicações inoportunas por uma descabida anistia. Para evitar que essa pauta ganhe tração na sociedade e no Congresso Nacional, é necessário que o STF promova a revisão das penas, ajustando-as a patamares mais adequados e proporcionais.

Na última semana, o STF recebeu a denúncia e tornou réus figuras políticas centrais na tentativa de golpe, como o ex-presidente Jair Bolsonaro. Essa fase do julgamento é de extrema importância, pois a responsabilização dos articuladores intelectuais do atentado à democracia é mais relevante que a punição dos executores presentes no 8 de janeiro. Todavia, para que esse julgamento tenha maior legitimidade, a Corte precisa agir com equilíbrio, garantindo a ampla defesa, o contraditório e os demais direitos fundamentais do devido processo legal, evitando excessos que possam comprometer sua credibilidade. É essencial que os advogados dos acusados tenham acesso a todos documentos da investigação e da denúncia, conforme reivindicado na sustentação oral das defesas na semana anterior. Ademais, será importante que o STF assegure o duplo grau de jurisdição aos acusados, em conformidade com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. 

Alexander Hamilton, no ensaio 78 dos Federalistas – obra que registra a teoria política por trás do pioneiro constitucionalismo americano -, afirmava que um tribunal constitucional é o menos perigoso dos poderes, pois não detém “nem a bolsa nem a espada” – ou seja, nem o orçamento público, nem as forças armadas. Por isso, seria o poder mais adequado para ser alocada a autoridade de proteger uma Constituição republicana contra a opressão e a tirania. Foi com essa inspiração que o Supremo Tribunal Federal foi criado na primeira Constituição republicana por Rui Barbosa e mantido nas subsequentes, consolidando-se como um pilar essencial na defesa da democracia e do Estado de Direito. 

Em uma perspectiva macroinstitucional, o STF cumpriu essa missão com vigor e altivez contra os riscos autoritários que o Brasil enfrentou. Sua atuação superlativa e hiperbólica tem sido  interpretada por cientistas políticos como um dos fatores centrais pelos quais a democracia brasileira não colapsou. No entanto, uma análise completa desse período também deve reconhecer que houve excessos e erros pontuais sob uma perspectiva microinstitucional.

Portanto, o desafio atual do nosso tribunal constitucional está em encontrar um ponto de equilíbrio entre firmeza e moderação, garantindo que sua atuação não ultrapasse os limites necessários para a manutenção da ordem democrática. Afinal, até mesmo os melhores remédios podem se tornar veneno quando administrados em doses excessivas.

Lucas Azevedo Paulino

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