Temos o direito de ser mulher? Indago-me. Olhando-me no espelho, respondo a mim mesma: temos, mas são direitos ameaçados. A história da conquista dos direitos das mulheres, globalmente, é marcada pela ampliação da participação política feminina. É intrínseca à ocupação do espaço público, de cargos de poder e de tomada de decisão nos parlamentos e em funções executivas mundo afora. Esses lugares não nos foram oferecidos, mas conquistados pela luta de milhões de mulheres.
O rompimento dos papéis e estereótipos de gênero, a recusa à opressão, ao racismo, ao machismo e ao determinismo biológico do ser mulher, como sujeito de segunda categoria, como nos ensinou Simone de Beauvoir, foram e são determinantes para a conquista e manutenção de direitos. Simone nos alertou: “Basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida”. E assim estamos, em 2025.
No Brasil, com nossa jovem democracia e a redemocratização com a Constituição da República Federativa de 1988, temos reafirmada a igualdade e a paridade entre homens e mulheres. Igualdade essa ainda não cumprida pelo Estado e pela sociedade, distante para muitas de nós, principalmente para as mulheres negras e indígenas. Em um país como o nosso, com desigualdades profundas, ocupando a vergonhosa posição de uma das economias mais desiguais do mundo e o 5º mais violento para meninas e mulheres, segundo o ranking mundial de feminicídios do Alto Comissariado das Nações Unidas (ONU), reafirmo: temos direitos ameaçados e, não apenas, violados cotidianamente.
Pensemos juntas e juntos aqui: como há de prosperar economicamente um país que não tem igualdade entre homens e mulheres? Não vejo saída e o rumo à prosperidade e ao desenvolvimento econômico. Pesquisas mostram que eliminar a desigualdade de gênero pode aumentar o produto interno bruto (PIB) global em mais de 20%, aproximadamente US$12 trilhões de dólares. A eliminação das desigualdades entre homens e mulheres perpassa, principalmente, pela evolução dos direitos, acesso à educação, mercado de trabalho e acesso ao capital financeiro.
Em uma rápida recapitulação histórica dos direitos adquiridos no Brasil: As mulheres tiveram o direito de estudar em 1827, há menos de dois séculos — aproximadamente três ou quatro gerações, se contarmos retroativamente. O direito de ingressar em faculdades foi conquistado em 1879. O direito ao trabalho, a ter um Cadastro de Pessoa Física (CPF), a abrir conta bancária independente dos pais ou maridos e, ainda, a sair do país sem autorização do marido, foi garantido em 1962, há apenas 63 anos. O direito ao voto foi concedido às mulheres em 1932, mas tornou-se obrigatório e equiparado ao dos homens somente com o Código Eleitoral de 1946. O direito ao divórcio foi conquistado em 1977. O direito a salários iguais está previsto na Constituição de 1988, mas foi necessária a Lei nº 14.611 de 2023 para reafirmar a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função. Deixamos de ser vistas como propriedade perante o Código Civil com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, que extinguiu a figura do “chefe de família”, reconhecendo igualdade entre os cônjuges. Destaco, ainda, a nossa importantíssima Lei de combate à violência de gênero — a Lei Maria da Penha nº 11.340/2006, que completou 18 anos. Se olharmos para esse “passado” não tão distante, o crime de violência doméstica era visto como uma questão privada, algo a ser resolvido dentro do ambiente familiar, sem intervenção do Estado.
Reafirmo, também, a máxima de que muitas lutaram antes de mim e de nós para que eu pudesse estudar, escrever, me tornar advogada, desenvolver minha autonomia intelectual e exercer livremente minha profissão. Além da minha curiosidade, carrego uma indignação que posso descrever como visceral quando me deparo com o abismo das desigualdades em nosso país e no mundo, especialmente sob a perspectiva de gênero.
Reflito sobre a recente conquista de direitos e proponho que pensemos em soluções práticas para preservar os avanços já alcançados e avançar rumo à igualdade. Os dados do Banco Mundial revelam que, globalmente, as mulheres ainda têm acesso a apenas dois terços dos direitos garantidos aos homens, ou seja, nenhum dos 190 países da pesquisa Mulheres, Negócios e a Lei, oferecem oportunidades plenamente iguais às mulheres.
Nesse sentido, para que tenhamos nossa plena liberdade e a eliminação das desigualdades, é essencial preservar os direitos já adquiridos, garantir a participação política das mulheres em igualdade com os homens e pensar em soluções e tecnologias sociais de políticas públicas que respondam aos problemas reais da nossa sociedade, com base em evidências e na ciência.
É fundamental lutar pela plena democracia, pelo fortalecimento do papel das nossas instituições e pelo cumprimento da nossa Constituição Federal de 1988. Para que isso ocorra, a equidade entre homens e mulheres deve ser o alicerce desse projeto de país e de mundo que almejamos: justo, próspero e habitável para todas e todos, como algo real e não utópico.