Uma cultura de endividamento e apostas

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

A educação financeira no Brasil é um tema que, embora essencial, tem sido negligenciado por gerações. A falta de conhecimento e habilidade para gerenciar finanças pessoais resulta em consequências devastadoras, tanto para as famílias quanto para a economia do país. Sem a compreensão básica sobre como lidar com o dinheiro, muitas pessoas acabam presas em ciclos de dívida e pobreza, perpetuando uma cultura de consumismo imediato e despreparo para o futuro. Além disso, aqueles que adotam uma postura mais cautelosa e poupadora muitas vezes são vistos de maneira negativa, sendo rotulados como “pão duros”. Essa visão deturpada reforça ainda mais o consumo desenfreado e a falta de planejamento financeiro.

Um reflexo claro dessa realidade são as famílias brasileiras, muitas das quais enfrentam uma situação de endividamento crônico. Dados recentes indicam que cerca de 77,7% das famílias estavam endividadas em 2023, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Esse alto índice é resultado de uma combinação perigosa de cultura consumista, aumento do custo de vida e estagnação da renda. Em vez de poupar e planejar para o futuro, muitas famílias optam por consumir imediatamente, utilizando crédito fácil e ignorando os riscos a longo prazo.

A busca por ganhos fáceis é outro fator que agrava a situação financeira das famílias. A cultura da loteria, profundamente enraizada no Brasil, alimenta a esperança de que a solução para os problemas financeiros está em um golpe de sorte. No entanto, o impacto mais grave vem de esquemas fraudulentos, como as pirâmides financeiras. Um exemplo notório é o esquema da “Telexfree”, que lesou milhares de brasileiros prometendo retornos extraordinários e deixou um rastro de prejuízo. Além disso, o crescimento de jogos de aposta online, como o popular “jogo do Tigrinho” e as bets esportivas, atraem muitos que, na esperança de multiplicar rapidamente seu dinheiro, acabam por perder ainda mais.

De acordo com um estudo do Senado, os brasileiros gastam aproximadamente R$ 50 bilhões por ano em atividades de jogos de azar. No entanto, apenas R$ 23 bilhões desse total, em 2023, foram gerados por meio de canais legais, como as loterias federais. Esses números foram destacados em uma reportagem recente da InfoMoney, que também apontou que as apostas esportivas online, de acordo com algumas estimativas, movimentaram mais de R$ 100 bilhões no mesmo ano. Outras fontes, baseadas em dados do Banco Central, indicam que cerca de R$ 58 bilhões foram enviados para sites internacionais de apostas esportivas.

Os desincentivos a investir também desempenham um papel crucial na precariedade financeira dos brasileiros. O histórico de inflação elevada no país incentiva o consumo imediato, já que o valor do dinheiro se deteriorava rapidamente. Episódios como o confisco da poupança no governo Collor e a alta taxação de produtos financeiros desmotivam o ato de poupar e investir, criando um ciclo vicioso de consumismo e endividamento.

A situação do poder público não é muito diferente. O governo brasileiro, frequentemente atolado em dívidas, reflete a própria cultura da população, onde a dívida pessoal é uma constante e a responsabilidade fiscal é deixada de lado. Além disso, os aumentos constantes de impostos diminuem os recursos disponíveis para investimento das famílias, dificultando ainda mais a formação de uma cultura de poupança e planejamento financeiro. Essa falta de comprometimento com as contas públicas perpetua uma economia frágil e vulnerável a crises, com pouca margem para investimentos em educação financeira ou outras áreas fundamentais para o desenvolvimento sustentável.

Diante de tudo isso, a tragédia brasileira se torna evidente. A falta de perspectiva de mudança no curto prazo é alarmante. Enquanto a educação financeira não for priorizada nas políticas públicas e na cultura popular, o ciclo de endividamento, consumismo e vulnerabilidade econômica continuará a se repetir, comprometendo o futuro de milhões de brasileiros.

Afinal, se os governos são formados por pessoas que, em sua maioria, não possuem educação financeira, como esperar que eles cuidem do dinheiro público se muitos não conseguem nem cuidar de suas próprias finanças?

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