Na manhã desta quinta-feira (8), a Polícia Federal deflagrou uma operação de grande envergadura na região metropolitana de Belo Horizonte, com o objetivo de desarticular um suposto esquema de financiamento ao terrorismo internacional. A ação, batizada de Operação Trapiche, é resultado de uma extensa e sigilosa investigação que vem sendo conduzida há meses pela PF, com apoio de agências de inteligência estrangeiras, principalmente o FBI. O Fator teve acesso ao inquérito policial que resultou na ação desta quinta.
Nesta quinta, foram cumpridos 11 mandados de busca e apreensão em endereços ligados aos investigados nos municípios de Belo Horizonte, Contagem e Juatuba. Dois suspeitos foram presos preventivamente. A operação mobilizou cerca de 60 policiais federais.
Origem das investigações
As investigações que culminaram na operação de hoje tiveram início em outubro de 2023, quando a Polícia Federal recebeu informações do FBI (a polícia federal americana) sobre um grupo de brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil que estariam envolvidos em atividades suspeitas de financiamento ao terrorismo.
Segundo o inquérito policial instaurado na época, indivíduos ligados ao crime organizado no Brasil teriam conexões com atividades terroristas na América Latina, Europa e Oriente Médio, formando uma rede mundial voltada para a prática de atos de extremismo violento organizados por organizações terroristas.
Principais alvos
Um dos principais alvos da investigação é o sírio naturalizado brasileiro Mohamad Khir Abdulmajid. De acordo com os documentos da PF aos quais a reportagem teve acesso, Abdulmajid é suspeito de ter ligações com o grupo extremista Hezbollah e de usar empresas de fachada para movimentar recursos destinados a financiar atividades terroristas.
A investigação aponta que Abdulmajid teria viajado para o Líbano em 2016, permanecendo fora do Brasil por 18 meses. Nesse período, foram encontradas fotos em suas redes sociais que o mostram em cima de um tanque de guerra, o que levantou suspeitas sobre um possível envolvimento em conflitos armados na região.
Falsidade ideológica e empresas de fachada
Além disso, a PF identificou fortes indícios de que Abdulmajid estaria se passando por seu irmão, Hussain Abdulmajid, para abrir empresas e realizar operações financeiras. Uma das evidências seria o uso da CNH do irmão com a foto de Mohamad, caracterizando possível crime de falsidade ideológica.
As investigações apontam a existência de pelo menos três empresas ligadas a Abdulmajid em Belo Horizonte, todas tabacarias, que podem estar sendo usadas para movimentar recursos de origem suspeita. São elas:
- Tabacaria do Hussein
- Tabacaria dos Árabes
- Mundo Eletrônico (já inativa)
Uma dessas empresas, a Tabacaria do Hussein, teria tido alterações em seu contrato social em data em que Abdulmajid supostamente estava fora do país, reforçando as suspeitas de uso de documentação falsa.
Viagens suspeitas ao Líbano
Outro ponto que chamou a atenção dos investigadores foi a realização de viagens consideradas suspeitas ao Líbano por parte de brasileiros ligados a Abdulmajid. Entre eles estão:
- J. C. S.: realizou 3 viagens ao Líbano nos últimos 10 meses, apesar de não possuir vínculos empregatícios ou empresas ativas.
- M. M.: viajou duas vezes ao Líbano, uma delas acompanhado da esposa, apesar de morar em uma comunidade do Rio de Janeiro e não ter renda formal.
- L. P. L.: também realizou viagem ao Líbano em condições consideradas suspeitas.
Segundo a PF, essas viagens, considerando a rotina e situação financeira dos envolvidos, levantam suspeitas sobre possíveis atividades ilícitas e se assemelham ao modus operandi utilizado por organizações terroristas.
Conexões internacionais
A investigação também aponta possíveis conexões dos suspeitos com o Irã. Em uma das fotos encontradas nas redes sociais de Abdulmajid, ele aparece ao lado do irmão em um local que parece ser o mausoléu dedicado a Ruhollah Khomeini, líder espiritual e político da Revolução Iraniana de 1979, em Teerã.
Além disso, foram identificadas pela PF diversas postagens com críticas a Israel e aos Estados Unidos, e apoio aos palestinos, o que reforçou as suspeitas de ligação com grupos extremistas.
Operação em Belo Horizonte
A operação desta quinta-feira busca colher mais provas sobre as atividades do grupo na capital mineira e região metropolitana. Entre os materiais apreendidos estão documentos, dispositivos eletrônicos e valores em espécie. Todo o material será analisado pela Polícia Federal nos próximos dias.
As buscas se concentraram em endereços comerciais e residenciais ligados aos suspeitos, incluindo as tabacarias mencionadas na investigação. A PF não divulgou os nomes dos presos preventivamente, mas confirmou que se trata de dois homens diretamente ligados ao esquema investigado.
Desdobramentos
É importante ressaltar que a investigação ocorre em um contexto de crescente preocupação global com o financiamento ao terrorismo. O conflito atual entre Israel e o grupo Hamas na Faixa de Gaza aumentou a vigilância das autoridades sobre possíveis redes de apoio a organizações extremistas ao redor do mundo.
O caso está sendo acompanhado pelo Ministério Público Federal, que deverá se manifestar sobre eventuais denúncias contra os investigados após a conclusão das análises do material apreendido.
A defesa dos investigados ainda não se manifestou oficialmente sobre as acusações. O advogado de Mohamad Khir Abdulmajid havia solicitado acesso aos autos da investigação, mas o pedido foi negado pela Justiça Federal por se tratar de inquérito sigiloso.