O lulismo: democracia progressiva e reformismo
O “lulismo” dos idos de 2003 a 2010 teria significado um “reformismo fraco” e uma quase conservadora “conciliação de classes”? Patentemente, elevara a condição material de vida dos que se encontravam com renda individual diária “abaixo da linha de pobreza”, além de elevar a renda da maioria dos pobres. A métrica de estratificação segundo padrões de consumo contém uma escala de A, o mais rico, a E, o mais pobre. Acima da linha de pobreza e abaixo da “classe C”, a emergente criação típica do lulismo, encontrar-se-ia a “classe D”, a dos pobres ou não miseráveis. Em apenas oito anos o lulismo criara uma “classe C” de consumo com 95,6 milhões de brasileiros com renda familiar mensal acima de R$ 2 mil e até R$ 6 mil, uma nova classe média baixa. Passou a frequentar restaurante, aeroporto e praia. Contudo, o lulismo manteve inalterada a estrutura social de desigualdades, vez que não teria ousado praticar o “reformismo forte”. Com efeito, todo o dinheiro novo orçamentário aplicado no custeio das políticas públicas sociais do lulismo proveio, primeiro, do aumento das receitas correntes, resultante do crescimento econômico anual e continuado do PIB; em segundo lugar, de um deliberado remanejamento intraorçamentário em benefício dos mais pobres e dos pobres. Portanto, com efeito, não houve real transferência de renda de muito ricos e ricos para muito pobres e pobres, isto é, dinheiro novo introduzido no orçamento proveniente de maior tributação sobre os ricos. Antes, todos ganharam mais, sem lutas de classes, o que explicaria porque tais progressos em nada alteraram a estrutura social de desigualdades pré-existente. Daí, a crítica: “conciliação de classes” conservadora! Havia e há quem pense assim, no PT. Em outras palavras, o “lulismo” seria uma forma contemporânea de “transformismo”, algo aquém do reformismo democrático.
Acresça-se que, em apenas oito anos, de 2003 a 2010, o lulismo tirou o Brasil do “mapa mundial da fome”, objetivo programático declarado dos governos do presidente Lula, reduziu a extrema pobreza de 14,5% a 7,3% da população, e a pobreza, de 41,8% a 20,1%. Seja como for, “reformismo fraco”, diziam crenças antigas. Antigas?
Muito calor e poucas luzes
Vista em perspectiva, desde as origens do governo Lula I ao atual governo Lula III, se essa visão crítica reteve algum calor ao longo do tempo, nos dias de hoje essa um tanto sombria percepção dos acontecimentos parece haver perdido as luzes. Provavelmente privou-se do essencial, desprovida de uma visão
prospectiva do tempo político alicerçada na compreensão dos impactos duradouros dos feitos daquela época, demarcados nas emoções, percepções, sentimentos e identidades dos indivíduos das classes populares, os antes muito pobres e os pobres. Estes desfrutaram, concretamente, os benefícios do lulismo, os materiais, de fortes impactos sociais, e os imateriais. Imateriais? Sim, e significativos, vez que estabeleceram com o presidente Lula relações afetivo-psicológicas de reciprocidade, sentindo-se dignificados. Perceberam-se e se percebem agraciados com ações, respeito, reverência, igualdade e dignidade. Essa visão e sensibilidade jamais faltaram ao presidente Lula, autor, líder e implementador decisivo do chamado “lulismo” como modo de governar.1 Seu enfoque é, sempre, a elevação social dos pobres à condição de classes médias, segundo padrões de renda e consumo, de educação, incluída a universitária, e de condições de trabalho que disponham aos trabalhadores a fruição de cultura e o lazer, como direitos. Não obstante, Lula e o PT seriam surpreendidos por um forte deslocamento político do voto da maioria da “classe C” ao campo das direitas. As classes “D” e “E” permaneceram fundamentalmente fidelizadas a Lula, devido ao lulismo, à exceção de dois terços dentre os pobres evangélicos pentecostais e neopentecostais. Nas eleições de 2018 e 2022, votaram em Bolsonaro.
Lulismo, ministérios e o PT: “guerra cultural” e status de consumo versus política, democracia e reformismo
Penso que, em meio a tanto êxito e exuberante aprovação de Lula e de seus dois primeiros governos, o presidente, os ministros do PT e o PT teriam padecido, ao mesmo tempo, de excessivo entusiasmo na celebração da elevação do consumo das famílias das classes populares. Entrementes, ministérios enfatizaram políticas afirmativas da diversidade. Assim agiram sem, ao mesmo tempo, se ocuparem de proporcionar orientação geral, cultural e política direcionada à formação de valores e de uma cultura política democrática entre aqueles que, graças ao lulismo, haviam se emancipado da condição de pobreza, a “classe C”. Precisamente nos anos dourados do lulismo, os novos ministérios formularam e implementaram as notáveis políticas
1 O modo de governar do “lulismo”, como penso, caracteriza-se pela ênfase na formulação e implementação de conjuntos sistemáticos, coerentes e consequentes, de políticas públicas sociais típicas da ideia socialdemocrata, portanto, reformista, a democracia progressiva, a democratização da democracia. O lulismo institucionalizou um amplo e crescente conjunto de políticas públicas, entre si de efeitos multiplicativos de bem-estar e de inclusão social. O modo de governar do “lulismo” é perfeitamente congruente e demanda o “modo petista de governar”, este baseado em uma combinação de democracia representativa e democracia direta ou participativa, a chamada “participação”. A “participação” ocupar-se-ia da criação e institucionalização de conselhos setoriais, conferências setoriais – como as de Educação e as de Saúde ou as de Assistência Social -, isso combinado, no que couber, com algumas forma ou formas de “orçamento participativo”. Entretanto, com o passar dos anos e de governos, ocorreu, em escala crescente, um superávit de poder detido pelos parlamentares do partido, e, inversamente, um crescente déficit de “participação”, da sociedade civil nas decisões de governo e das “bases” partidárias nas decisões do partido. A origem desse fenômeno reside na “oligarquização” do poder, no sentido de menos “participação” no âmbito da vida interna do partido. Nessa esfera, vem ocorrendo, em escalada, o domínio de um ente chamado “mandato” sobre as instituições clássicas do partido, como o diretório municipal, a base. Esse processo de “parlamentarização” do partido não é “natural”; é uma escolha. Resulta em uma concentração de poderes políticos e econômicos nas mãos dos parlamentares, e somente deles. Os “mandatos” impuseram-se à estrutura partidária e sucumbiram os diretórios municipais, as “bases”, aos seus desígnios. De tendência, isso estabeleceu-se como uma estrutura rígida, retroalimentada pela entrada em cena das “emendas milionárias”, administradas discricionariamente somente pelos parlamentares, sem nenhuma forma de “participação” do partido e dos diretórios municipais. (Escrevi e enderecei, em texto, essa análise ao PT-MG, com propostas. O partido o publicou, na íntegra, no site oficial do PT-MG.
públicas de atenção e empoderamento social e de igualdade de direitos das mulheres, das populações negra e quilombola, dos povos indígenas e das comunidades LGBTQIA+, com destaques para a afirmação da política de cotas raciais e sociais e as demarcações de áreas de reserva e proteção de povos indígenas. Não obstante, ao tempo que, de modo revolucionário, o Ministério da Educação(MEC) punha abaixo a muralha histórica de demarcação social, elitista e de classe ao proporcionar precisamente aos pobres e à “classe C” o acesso aos novos e muitos recém-criados CEFET-IFETs e às novas e muitas universidades federais, recém-criadas, o MEC e os demais ministérios, tomados de elevada paixão pela diversidade social e suas causas épicas, iriam exibir déficit de perspectiva e de paixão pela ação propriamente política. A “conta” viria mais tarde, a partir de 2013. Eis que do alto de sua notável elevação ética, ousadia política inovadora e de suas excelentes práticas, porquanto pródigos em propósitos de justiça materializada na forma de políticas públicas institucionalizadas de realização de direitos e de mais igualdades, todavia, ministros, ministérios e o PT demonstraram-se avaros em estratégia propriamente política. Os entusiasmos com as políticas sociais setoriais teriam resultado em insuficiente atenção à coordenação política estratégica das ações do governo. Em que sentido?
Educação e déficit de civismo democrático
Em educação, no ensino fundamental e no ensino médio não houve atenção curricular devida, essencial e inadiável, à educação ética na linhagem dos Direitos Humanos – a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, está constitucionalizada, positivada, integralmente, no artigo 5º da Constituição de 1988 – e à educação para a vida em democracia e para o exercício da cidadania, a ideia de Educação Integral pioneiramente formulada por Anísio Teixeira, em 1950 (Escola Parque, Salvador). Adiante, seria a filosofia educacional da BNCC (2017). Não se faz democracia sem democratas. Não se faz democratas sem jovens democratas. Não se forma jovens democratas sem educação cívica para a vida em democracia nas escolas. Tratar-se-ia de instituir o estudo da Constituição de 1988 nas escolas, associada ao estudo da excelente produção contemporânea de Ciência Política acadêmica, com enfoques na defesa da democracia e na crítica a todos os autoritarismos. Isso não aconteceu. De um lado, o elogio ao consumo, e, de outro, como queriam as direitas, a chamada “guerra cultural” iria ocupar a ribalta, o centro das atenções. O progressismo perdera a capacidade de propor uma orientação geral cultural e política à sociedade. Iniciara-se o cerco à própria democracia.
Entretanto, houve atenção adequada à educação de sentimentos e de crítica a preconceito homofóbico. Houve atenção adequada e eficaz ao enriquecimento curricular na dimensão étnica e de reconhecimento e valorização histórica e
cultural de nossa diversidade social e de nossas ancestralidades indígena e africana. De um lado, atenções fundamentais; de outro, déficit crônico em aspecto crucial, fundamental, instituinte de cultura política para a vida em democracia. Isso esclarecido, os pobres em ascensão de status foram ao consumo, ao tempo em que, na esfera da vida privada dos indivíduos e de suas crenças religiosas, a chamada Teologia da Prosperidade, e, avolumando-se, o discurso do ultraliberalismo, predicavam, respectivamente, o individualismo na forma de empreendedorismo como testemunho de predestinação ou graça, enquanto, em registro ideológico laico, disseminava-se, como orientação geral à sociedade, uma ostensiva condenação ideológica do Estado (defesa do “Estado mínimo”), a desconfiança contra governos (“Mais Brasil e menos Brasília”, postulado que o mercado é o Brasil), a beatificação ideológica do “mercado”, o mantra em louvor ao individualismo confundido com liberalismo: “mais indivíduo, menos sociedade”, e um séquito de condenações endereçadas ao lulismo: condenação do Programa Bolsa-Família e ofensiva ideológica contra a ideia e as práticas de políticas de Estado de bem-estar social. Iniciara-se o ataque ideológico ao lulismo, sem contenção, sem o devido contraditório. Falhou o PT. O ministério se recolheu. A presidente Dilma Rousseff se entregara de corpo e alma à causa do desenvolvimentismo acelerado, ao magistral Programa Pró-Infância e à expansão do lulismo: Programa de Cisternas, Luz para Todos, Luz no Campo. Avolumava-se o ataque à democracia por aqueles vieses. Logo iriam irromper as Jornadas de Junho.
Na ocasião, estavam se formando no país importantes movimentos liberais que exerciam impressionante atratividade sobre jovens universitários. Todos eles, acentuadamente críticos ao PT e ao lulismo. A formação do Partido Novo inscrevera-se como a linha de frente ideológica de um autodenominado “mercadismo” e uma variante chamada “anarco-mercadismo”. Estava em curso a organização de um movimento ideológico de afirmação e exaltação do mercado, em ataque aberto ao ideário socialdemocrata, ao reformismo democrático, ao progressismo. A partir de 2013, as direitas iriam vencer a disputa no campo ideológico. O progressismo iria reduzir-se ao silêncio, ao tempo em que, de um lado e de outro e um contra o outro, avolumavam-se as vozes e a centralidade de lado a lado atribuída à assim chamada “guerra cultural”.
Como queriam as direitas, as esquerdas, em geral, e os movimentos sociais identitários aceitaram o jogo desigual ardilosamente proposto por uma extrema direita parlamentar e religiosa, evangélica pentecostal e neopentecostal, e seus pastores parlamentares e midiáticos, detentores de domínios de redes de TV, rádio e, novidade, de redes sociais. Essa confrontação midiática no campo de valores, logo iria midiaticamente se desdobrar naquilo que as direitas
assinalaram e fixaram como uma defesa da família contra a “guerra cultural” anticristã das esquerdas! A “guerra cultural” logo seria propulsada pela produção exponencial de fake-news nas redes sociais, pioneiramente utilizadas e praticamente monopolizadas pelas novas direitas emergentes. Também, por um certo e quase ainda invisível e inexpressivo deputado federal de extrema direita, do baixo clero parlamentar, Jair Messias Bolsonaro. Ao tempo em que a “guerra cultural” ocupava as atenções e as paixões, Bolsonaro era recepcionado em igrejas evangélicas, predicava em quartéis e em formaturas de militares e de policiais, além de, crescentemente, percorrer, a convite, o Brasil do agronegócio.
No campo do progressismo, a nova paixão pela “guerra cultural” começava a eclipsar a paixão social, além de ocupar o lugar central da ação propriamente política. Seja como for, os muito pobres e os pobres não iriam se afastar do lulismo. Quanto à “classe C” e seu status adquirido, na ausência de paixão pela democracia, o interesse eclipsou a solidariedade, o individualismo anulou o cidadão, o status ocupou o lugar da consciência.
2013: desconexão entre economia e política
Chegáramos a 2013. O desempenho do governo Dilma Rousseff I acompanhava os bons desempenhos dos precedentes governos Lula I e II. Entretanto, economia e política, economia e opinião pública, economia e voto já anunciavam uma curiosa dissociação. Já não se prefigurava correlação positiva entre bem-estar e voto, economia em alta e voto. Opinião, inclinações, preferências políticas e eleitorais, e, afinal, o voto, haviam se emancipado dos acontecimentos econômicos. O absolutamente imprevisível protesto das Jornadas de Junho de 2013, amplo, geral, irrestrito, anárquico, nacional, pluriclassista, desvelara, nas ruas, a existência de novas direitas, ainda inorgânicas, entretanto, orgulhosas da afirmação de sua identidade como direitas. Morria a “direita envergonhada”. Das ruas, daí em diante insurgiram-se como direitas determinadas a disputar as ruas com as esquerdas. Em cena, um estranho protagonismo de entusiásticos cidadãos inconformados com a própria democracia.
A estranha década logo iria impor ao ex-presidente Lula uma dura e dolorosa “travessia do deserto”, em sequência ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. O ataque ao PT e a Lula descrevia um cerco estratégico. Em crise, o progressismo parecia silenciado, sem ideias, em desorientação. As direitas, em ofensiva ideológica e política semelhante a uma contrarrevolução permanente, impuseram ao progressismo um cerco civil, empresarial e de classes médias, togado, fardado e religioso. O próximo alvo consistiria na tentativa de aniquilação da liderança política e eleitoral do ex-presidente Lula.
Da prisão à ressuscitação: “Seja realista, queira e conquiste o impossível”
Quem é esse Lula, presidente pela terceira vez? O tempo, o vento, os acidentes, o ter sentido a dor do cerco moral e político, a dor da prisão, e, na prisão, uma vez mais, a experiência da resistência e a provação da fortaleza moral; na prisão, a rememória e a compreensão dos impactos sociais das ações de seus primeiros governos, desafiando-se a, adiante, garantir ao PT, ao país, aos pobres e às jovens gerações o legado de tantas lutas e de tantos feitos; donde a reflexão estratégica, a revisão mental crítica de seus tantos momentos mais desafiadores à frente dos governos! Na prisão, e, adiante, fora dela, a introspecção psíquica e a reflexão sobre aquela prolongada e dura “travessia do deserto”, de 2015 até a libertação, aos 8 de novembro de 2019, após 580 dias de cárcere. Robustecidas na prisão, a consciência de si no mundo, a fortaleza moral e psíquica, a capacidade adquirida e educada de pensar estrategicamente o jogo da política, a orientação política e a visão de futuro, dispuseram-se a ele. Assim, da prisão ele começara a romper os cercos imediato (a prisão), tático (a condenação e a inelegibilidade) e estratégico (a desmoralização pública pretendida pelos algozes) das direitas contra ele. Compreendera seu papel e determinara-se a se assumir na posição de educador coletivo e reerguer o PT. O rumo: uma causa “impossível”! Ousar lutar ao ponto-limite de disputar e acreditar que iria vencer a mais improvável de todas as disputas eleitorais que protagonizara. Havia aprimorado aquela acentuada capacidade de decifrar as pessoas como elas realmente são ou se apresentam, sobre o que de cada um se deve e se pode esperar, e de como encorajá-las a darem o melhor de si. À exuberante paixão social reunira, autoconsciente e esclarecida, a capacidade política notável de se colocar em lugar de e de assumir a posição de uma ainda inexistente classe dirigente democrática e reformista, sabedor de que, após ele, incumbiria ao PT, e sobretudo ao PT, contribuir decisivamente para a formação nesse país de uma classe política dirigente, democrática, republicana, reformista. Na prisão, quantas noites e vezes não terá, mentalmente, sentido o sentimento de seus companheiros Nelson Mandela e Pepe Mujica! Então, naquela situação agônica, teria discernido com clareza seu papel de líder no país e de principal e decisivo líder do PT e do disperso e atordoado campo do progressismo.
Eis que, poucos anos após, já vitorioso pela terceira vez como presidente, iria ultrapassar a primeira tentativa de golpe de Estado, em novembro-dezembro de 2022, em completo desconhecimento do risco de morte violenta pelas mãos assassinas do então presidente Bolsonaro e da facção militar de generais e coronéis palacianos, a responsável direta pela Operação Punhal Verde-Amarelo. Ainda naquele tão improvável dezembro, sem ainda estar no governo, começara a governar o país para retirá-lo da crise ao repactuar e
garantir, com Fernando Haddad, a revitalização possível do presidencialismo de coalizão multipartidário. Apoiado na Frente Ampla que o ajudara a se eleger e o ajudaria a governar, e sobre a base adquirida da nova aliança com o centrão, obteve a supostamente impossível aprovação da “PEC da Transição” no Congresso Nacional, ainda em dezembro de 2022. Sem a PEC da Transição, restaria o Teto de Gastos de Temer-Bolsonaro. Se assim fosse, o dia da posse assinalaria o início da contagem regressiva de um governo em crise, prisioneiro de um Congresso majoritariamente conservador, ademais, em parte abertamente hostil. O voto também elegera uma expandida extrema direita parlamentar bolsonarista inclinada ao golpismo.
Fez-se a posse, ao tempo em que o golpismo tramava a última cartada a partir dos acampamentos do bolsonarismo estabelecidos em portas de quartéis: a insurreição programada para o dia 08 de janeiro de 2023. Lula assumiu o comando geral da resistência, desfez a estratégia do golpismo, reuniu em torno da legalidade e da Constituição os Poderes da República e os poderes federados, os governadores. Empoderou o Estado Democrático de Direito e o federalismo. Recebeu universal apoio e solidariedade das lideranças mundiais. O papel do presidente na derrota do golpismo fortaleceu o presidencialismo, o mesmo presidencialismo de coalizão multipartidário. O pacto com o Congresso Nacional agendara o próximo e ousado passo: a Reforma Tributária.
Lula queria duas reformas tributárias. A primeira e por 40 anos inalcançada, seria aprovada em situação de “céu de brigadeiro” político. Garantiu:
(i) o fim da guerra fiscal entre os Estados federados, vez que o IVA, integrado, não possibilita isenção fiscal seletiva: é o “tudo ou nada”. Portanto, é o fim da guerra fiscal. A arrecadação dos impostos componentes dar-se-á na ponta do consumo; (ii) segurança jurídica, transparência (desaparece a colcha de retalhos de legislações infinitas, sobrepostas e entre si contraditórias, de estado a estado), previsibilidade, planejamento. Logo, maior atratividade aos investimentos; (iii) impressionante redução de “custos políticos de transação” entre empresários, parlamentos e governos, e uma forte redução de custos de serviços advocatícios e contábeis, por empresa.
A segunda, agendada para 2025, afiança mais democratização da democracia, a democracia progressiva, um passo decisivo para a socialdemocracia, a reforma tributária redistributiva envolvendo a transferência tributária de parte da riqueza concentrada e reconcentrada nas mãos dos muito ricos e dos ricos, reduzir as improdutivas isenções fiscais (cerca de R$ 600 bilhões de perdas tributárias ao ano),e, ao mesmo tempo, isentar de IRPF os que têm renda até R$ 5 mil mensais, a “classe C” de consumo. Fará a diferença. Assunto do terceiro artigo dessa série.
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