Brasil e redemocratização: da primavera à ‘revolução de veludo’ do lulismo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

A invasão da Tchecoslováquia por 500 mil soldados e tanques da URSS, comunista, aos 20-21 de agosto de 1968, aniquilou a “Primavera de Praga”, o sonho de realizar, em liberdade, em democracia, o que ficaria conhecido como “socialismo com rosto humano.” Lá, a liberdade triunfaria sobre a opressão somente 21 anos após, quando a pacífica e democrática “Revolução de Veludo”, de 17 de novembro de 1989, pôs fim ao totalitarismo no pequeno e etnicamente dividido país. A anterior propriedade estatal, de tipo soviético, tornou-se pública, precedendo as privatizações. Em liberdade, a sociedade decidiu substituir a chamada socialização dos meios de produção, outrora controlada pela burocracia do Partido Comunista, por sociedades de acionistas: então, dois terços dos tchecos tornaram-se acionistas das empresas “públicas”. Esse foi o modo democrático de transição que escolheram como preparação para as vindouras privatizações, assegurado que os cidadãos, sem exceção, desfrutariam de políticas públicas socialistas de bem-estar social e de bens de cultura na terra de Václav Havel e de Milán Kundera.

No Brasil, nossa bem-sucedida “Primavera”, a redemocratização, pôs fim à ditadura militar. Precedera-a uma penosa e tenaz luta de resistência democrática. Foi assim que, a duras lutas, a nossa conquistada “Primavera” estendeu-se da campanha das “Diretas Já”, de 1984, passando pelo fim do regime autoritário, em 1985, até a conquista da Constituinte soberana e a notável mobilização nacional da sociedade civil pela participação na elaboração da Carta. A promulgação da Constituição Cidadã de 1988 garantira, entre as cláusulas pétreas, a democracia minimalista. Com ela, a primeira eleição direta para presidente da República desde a precedente e tão distante, a de 1960. Referendara, também, um maximalismo democrático estampado em notável declaração de direitos. Daí em diante, pela via de contínuas disputas políticas e de poder, as promessas estampadas em Lei começariam a sair do texto para entrar na vida dos cidadãos e dos pobres e muito pobres do país. Após o grande consenso, a vigorosa disputa política pelo poder, entretanto, pautada por ideias, programas e projetos para o Brasil. Anos adiante, o lulismo, a nossa “Revolução de Veludo”, iria pôr a Lei e o orçamento na vida dos muito pobres, dos pobres e de todos os cidadãos. Mais que regulamentar dispositivos constitucionais stricto sensu, introduziu na vida política e social brasileira o reformismo democrático.

Interrompido e fortemente revertido nos anos de 2016 a 2022 (Temer e Bolsonaro), retomado no governo Lula III, o reformismo democrático, todavia em desenvolvimento, é um processo inacabado. Por exemplo: (1) falta pôr os muito ricos e ricos no imposto de renda, na tributação de dividendos, de heranças, das remessas de lucros ao exterior, e, afinal, pôr um basta definitivo na farra das isenções fiscais improdutivas; (2) falta transformar as centenas e centenas de assentamentos de Reforma Agrária existentes, em áreas de alta produtividade agrícola e de consolidação de uma classe média rural produtora e próspera; (3) falta realizar a segunda revolução na educação básica: após a universalização, a garantia de ensino e de aprendizado de excelência, para todos, com escolas em tempo integral e pedagogicamente orientadas pela ideia de Educação Integral e de educação para a cidadania e a vida em democracia (BNCC, 2017); (4) falta garantir saneamento pleno, com tratamento final de esgotos, para os 50% da população que atualmente não dispõem desse serviço fundamental de saúde e bem-estar; (5) falta garantir oferta e alternativas de formação técnica e tecnológica continuadas à ainda grande parcela da população de 15 a 29 anos de idade, a geração “nem, nem”, que ainda se encontra fora da escola e fora do mercado de trabalho; (6) falta introduzir no país, ainda que gradualmente, a jornada de trabalho semanal 4 x 3, associada à inovação tecnológica e à formação continuada ao longo da vida.

Assim é a democracia: quanto mais realiza suas promessas, tanto quanto florescerão novas exigências. Tudo isso custa dinheiro, muito dinheiro. Receita pública provém de impostos. A “galinha dos ovos de ouro” precisa de ambiente de negócios, confiança, segurança jurídica, estabilidade macroeconômica, crescimento econômico continuado, inovação, elevação da produtividade, lucratividade razoável e incentivo ao investimento. Tributação tem limites. No entanto, demandas tendem a subir pelo elevador; oferta ou atendimento, pela escada. Tensões, naturais, não precisam “escalar” ao ponto de uma luta de classes radicalizada, como a promovida no período Temer-Bolsonaro, numa espécie de jogo antidemocrático de “soma-zero”: solapar para destruir o reformismo democrático, o lulismo. O lulismo é a resposta: capitalismo e socialdemocracia, infelizmente, e ainda, apesar dos nossos capitalistas! Falta ao país uma classe dirigente progressista.

O lulismo

O lulismo assinala e descreve o nosso processo de incessante disputa política entre democratização da democracia, objetivo político e ideológico do progressismo, e, de outro lado, conforme diversa perspectiva de poder, a contenção conservadora da democracia. O lulismo consiste no alargamento, aprofundamento e institucionalização de um amplo conjunto de políticas públicas de estado de bem-estar social, até o ponto de não-retorno da realização de uma profunda modificação em nossa estrutura de desigualdades e de estratificação em classes sociais. Portanto, a ideia de justiça social do lulismo concebe objetivos muito além do reducionismo contido na ideia de Justiça como equidade, uma acomodação à maneira de políticas “focalizadas”, contudo, sem enfoque redistributivo. O lulismo quer o fim da pobreza: elevar os pobres e muito pobres à situação social de classes médias: a sociedade afluente, mais igualitária e democrática.

Como processo político, pode ser descrito como um construtivismo político e social de ampliação da igualdade, um processo de produção de novos direitos e de políticas públicas de Estado de mais inclusão social, o que implica a luta política pela conquista de poder e pelo  controle de recursos de poder e orçamentários para garantir o financiamento sustentável de tais políticas. Esse é o “lulismo” em marcha. Em marcha sob a democracia e sua luta de classes política! Diferente do suposto de uma “marcha forçada” postulada por aqueles que desejam que o reformismo adquira a velocidade do relâmpago, o que denominam de “reformismo forte”, produto de uma intuição puramente intelectual. O que o “lulismo” realiza é o reformismo em ação: nem fraco, nem forte, reformismo, em continuidade e cumulatividade, porém, não necessariamente em “progressão continuada”, vez que a luta de classes política e no campo das ideias aí está, radicalizada pela Direita, precisamente para conter, obstruir, reverter e, se possível, aniquilar o lulismo. O lulismo não é Lula. Hoje, é uma ideia. Lula, mais que o PT e além do PT, é o verdadeiro “intelectual orgânico” e o dirigente do lulismo; é o progressismo politicamente em coalizão das esquerdas com o centro do espectro político e ideológico. Partidariamente, o PT é o testamentário do lulismo. O lulismo não teria progredido sem o PT. O problema de Lula e do PT reside no fato de que Lula é maior que o PT. Quem engendrou essa “desequilibração” de méritos e virtudes políticas não foi Lula! Lula é a vanguarda do PT, sem personalismo algum. É! Os governos Lula I e Lula II são o berço, a infância, a juventude e o tempo das muitas e pioneiras vitórias do lulismo, incluída a consolidação de uma base social de sua sustentação e fidelização política e eleitoral na sociedade.

As paixões do lulismo

O lulismo é filho de duas paixões: a paixão social e a paixão propriamente política. Deseja os fins e, cada vez mais, sabe discernir os diversos caminhos pelos quais obter os meios para realizá-los, a começar, determinantemente, da busca e controle dos meios e dos recursos de poder político. Lulismo é, a um tempo, a distribuição social do poder político entre todas as classes sociais, incluídos, é claro, os trabalhadores e os pobres, e o controle de recursos de poder para, na forma da lei, garantir a distribuição social da riqueza pela via da tributação progressiva. O lulismo é a ação coletiva organizada no poder político, o progressismo no poder político. É a práxis da luta de classes democrática e popular (não-revolucionária) no poder político, práxis realizada a cada momento sob circunstâncias a um tempo herdadas e frequentemente não escolhidas; é, singularmente, ação governativa e construção institucional. Portanto, também muda as circunstâncias. O lulismo fez e prossegue fazendo o país progredir e desenvolver-se notavelmente. Pôs os pobres no grande jogo nacional da competição política e do poder. Pôs os pobres no orçamento e nas políticas públicas de Estado. Todavia, tais conquistas ainda permanecem potencialmente sob risco político de reversibilidade, ainda que parcial.

O lulismo vive um problema político, por assim dizer, “doméstico”: a relação entre Lula e o PT. Enquanto Lula tem introjetadas na “alma” do seu Ser a paixão social, por instinto de classe e experiência pensada, e a paixão política, como sabedoria existencial, sendo apaixonado por suas paixões e propósitos, ele detém a sabedoria de fazer a “equilibração” entre essas duas paixões, sem abdicação alguma. De modo diverso, o PT vem progressivamente (ou regressivamente?) demonstrando-se cada vez mais apaixonado pela paixão política enquanto apenas enamora, quase platonicamente, a paixão social. Em Lula, a paixão social é vida em abundância, uma exigência ética permanente. Por isso, Lula é único como líder.

A agenda do lulismo para 2025: a Reforma Tributária II

O dinheiro novo proveniente da desejada tributação progressiva sobre os ricos e muito ricos, assunto da segunda fase da Reforma Tributária e agenda para o ano de 2025, se ainda não se encontra disponível para ser destinado aos pobres na forma de ampliação da macropolítica de Estado de bem-estar social, entretanto, encontra-se, nesse momento, já disponível e em abundância para os ricos e muito ricos. Com efeito, com a anuência da maioria do Congresso Nacional, a Direita e as classes dominantes “sequestram” do Tesouro público cerca de R$ 600 bilhões ao ano na forma de indevidas e absolutamente improdutivas isenções tributárias. Não bastasse, ricos e muito ricos ainda não pagam o IRPF (pejotização dos gastos privados), nem os impostos naturalmente incidentes sobre dividendos (nos Estados Unidos e na Europa, da ordem de 20%), sendo a tributação sobre heranças de apenas 4% (nos Estados Unidos, 50%, e, na Europa, 40%). Daí o alarde geral e atenção concentrada e exclusiva do mercado e das mídias sobre o “gasto primário” (receitas versus despesas governamentais) e o silêncio sepulcral sobre o chamado “gasto tributário”. O que é isso? É luta de classes “na veia”. A gula da Direita alcança o bolso da população, em dose para elefante! Luta de classes da Direita contra o povo brasileiro, das classes economicamente opulentas e dominantes contra os trabalhadores e os pobres. Portanto, o lulismo em ação e o poder político constituem, nesse sentido, a luta de classes do povo brasileiro em resposta política à radicalizada luta de classes dos ricos e muito ricos e da Direita brasileiros. Com uma outra diferença fundamental: a Direita faz política como quem quer guerra; o lulismo faz política como quem quer soluções. A extrema-direita vai ao golpe e ao “Punhal Verde-Amarelo” do assassinato de um presidente eleito; a Direita não extremista fecha-se em silêncio obsequioso e entoa o coro da “anistia” para criminosos de lesa-pátria. Não demarca campo contra o golpismo e o extremismo. Esse é o Congresso Nacional que temos, com o qual Lula tem que lidar dia a dia, em situação de minoria estrutural e de maioria ocasional, com penosos custos de transação.

O “liberalismo” econômico de Temer e Bolsonaro: ataque concentrado ao lulismo

Nossas políticas sociais de Estado de bem-estar social, ou nossa socialdemocracia, ainda são financiadas pelo orçamento de receitas correntes mediante remanejamentos intraorçamentários, ou seja, sem a geração e aporte de dinheiro novo proveniente de tributação progressiva sobre a renda dos muito ricos e ricos. Portanto, trata-se de um amplo conjunto articulado de políticas públicas de redistribuição de renda, serviços e bem-estar direcionadas aos muito pobres, aos pobres e a uma nova classe média C de consumo. Entretanto, essas conquistas ainda se encontram sob risco potencial de reversão, pelo menos parcial, dada a ausência, até o presente momento, de uma política de Estado de efetiva, real e constitucionalizada e institucionalizada transferência de renda dos muito ricos e dos ricos para a imensa maioria da população, os desiguais e os mais desiguais.

Esse é o assunto da Reforma Tributária II, ou a fase redistributiva da Reforma. Essa é a agenda do “lulismo” para 2025. Donde se conclui que a nossa Revolução de Veludo, o lulismo, tem, à frente, um longo e inacabado processo. O lulismo cessará o seu tempo histórico quando em nosso país não houver nem “muito pobres” ou pessoas “abaixo da linha de pobreza”, nem pobres, portanto, quando todos alcançarem a necessária ascensão econômica ou afluência a uma condição de vida de classes médias e uma consciência cidadã de compromisso inarredável com a democracia, vez que tais conquistas somente serão possíveis e asseguradas sob a democracia, e, nela, se, e somente se, conseguirmos aprofundar a democratização da democracia. Esse é o propósito essencial do que aqui designamos de “lulismo”, a verdadeira socialdemocracia brasileira.

Recorde-se que dos governos Michel Temer a Jair Bolsonaro, de 2016 a 2022, todas as conquistas do “lulismo” estiveram sob ameaça e risco. Solidários entre si, o “liberalismo” amarelo de Temer e o reacionarismo sepulcral de Bolsonaro e do bolsonarismo ocuparam-se de promover ações concretas de reversão reacionária do legado do lulismo. Só não lograram êxito pleno porque Lula venceu as eleições e os derrotou, além de, sucessivamente, impor derrotas épicas às duas tentativas de golpe de Estado da nova e ultrarreacionária Direita brasileira e seu “bloco de poder”, hoje, parcialmente desfeito. Desfez-se o “partido fardado”. As Forças Armadas institucionais estão fora disso. Parte ponderável do “centrão” já está prudencialmente apartada da esfera de gravitação da extrema direita (o bolsonarismo). Há sinais, promissores, de que parte dos evangélicos que haviam retirado Jesus Cristo dos templos para, em seu lugar, entronizarem o extremismo e o “mito”, agora clamam: “Pai: afasta de mim esse cálice”!

Dos cercos contra Lula e o lulismo à derrota eleitoral de Bolsonaro: o legado da Direita

Sob o governo Temer e seu ensaio geral de imposição do neoliberalismo, ou, em outras palavras, sua disposição para promover um ataque geral ao legado do lulismo, as novas direitas, em gradual consórcio de interesses e de paixões descomedidas, adotaram o “Teto de Gastos”. No poder, Bolsonaro, o acolheu e o radicalizou, determinado a incrementar o esmagamento orçamentário das políticas sociais do lulismo. Pela primeira vez no país, o neoliberalismo ocupara o poder em seu próprio nome. O mercado financeiro entrincheirara-se em um todo-poderoso Ministério (ampliado) da Economia: absorvera o de Planejamento e Gestão, para esvaziá-lo; por absorção, dissolvera o Ministério do Trabalho e o da Previdência Social. Nem todos haviam percebido que o presidente eleito era um autocrata. Sabiam-no um autoritário. Sócios no condomínio de poder, neoliberais e o capitalismo financeiro, assim como o “partido fardado” e seu primeiro pelotão de ministros-generais palacianos, imaginavam “domesticar” a proverbial e escancarada “ferocia” presidencial, entretanto, utilizando-a para seus propósitos de poder e domínio. Ignoravam o estado psíquico de um presidente e suas pulsões e paixões destrutivas e em entrega total ao propósito de promover, em modo contínuo, uma contrarrevolução permanente de aniquilação de “seus” inimigos internos. Psiquicamente impregnado pela mentalidade destrutiva – dita libertária[i] – moldada pelo “olavismo” (Olavo de Carvalho), este, psiquicamente, um autocrata obsessivo, além de desconfiado de todos e de cada um dentre os seus sócios no poder, Bolsonaro determinara-se a concentrar o poder em sua pessoa, como queriam o “olavismo” e o recém-formado “gabinete do ódio”.

Entretanto, o partido fardado do general Villas Bôas imaginava “domar a fera”.  Projetara governar o presidente. Com efeito, as Forças Armadas militarizaram a estrutura de Estado e de governo. Primeiro, com a anuência do autocrata. Mal percebera o partido fardado que o autocrata iria empenhar-se em tentar transformar o Exército em “sua” Guarda Pretoriana, a serviço do autocrata, subtraindo-lhe o papel de uma instituição de Estado. Os primeiros generais palacianos, ideólogos do “partido fardado”, assim como os primeiros e legalistas comandantes das Forças Armadas e o próprio ministro da Defesa, um general, seriam sucessivamente descartados, como queriam o gabinete do ódio, o próprio Olavo de Carvalho e o presidente. Seguiu-se o recrutamento e a formação de um agregado palaciano de generais pretorianos. Formaram uma subalterna falange de quatro estrelas: o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno, o ministro-chefe da Casa Civil, e, após, ministro da Defesa Walter Braga Netto, o novo comandante do Exército, e, após, ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, além do general Luís Eduardo Ramos, ex-comandante do Comando do Leste (São Paulo), ministro-chefe da Secretaria de Governo, e, após, ministro-chefe da Casa Civil. A militarização do Palácio do Planalto, da Presidência e do aparelho de governo e de Estado chegaria a abrigar mais de sete mil militares das Forças Armadas. Não obstante, as instituições do Estado Democrático de Direito resistiram e se impuseram à ofensiva do autocrata, com eficácia e destemor.

Em retrospecto, vencida a ditadura civil-militar de 21 anos (1964-1985), restabelecida a democracia, transcorreram 25 “anos dourados” de vida democrática desde a Constituição de 1988, até 2013. Desenvolveram-se a modernização do capitalismo, e, seguindo-se, o reformismo democrático. Entretanto, uma década sombria viria interromper aquele florescente período de anos dourados de vida democrática, em plenitude. Em cinco anos, de 2013 a 2018, as novas direitas e seu extremismo e catalizador irromperam de um nada. Constituíram um “bloco histórico” de poder. Uniram-se e, em “marcha acelerada”, ocuparam-se da destruição do “lulismo”. Tinham o propósito de eliminar as instituições inclusivas, as reformas e as políticas públicas de bem-estar social criadas e institucionalizadas como políticas de Estado pelos governos Lula I e II, pelos governos Dilma Rousseff e pelo PT. Estavam determinadas a promover a ruína daquela oportunidade histórica de realização incremental de uma Revolução de Veludo democratizante, liderada por um ex-operário e ex-sindicalista, um nordestino, sem diploma universitário, que alcançara a Presidência da República nesse nosso país sob o domínio do poder econômico concentrado e sua ordem “social” de desigualdades obscenas e de obsceno preconceito social de classe, pai e mãe de todos os outros muitos preconceitos que existem e há no meio de nós. Aquele “bloco histórico” odiava a Constituição de 1988, odiava o Estado Democrático de Direito, odiava o Título II: Dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição, e, singularmente, seus artigos 5º, 6º e 7º. As novas direitas odiavam os governos bem-sucedidos do presidente Lula, de 2003 a 2010, berço e desenvolvimento do lulismo, o nosso reformismo com democracia.

Na década de 1950, sob cercos da Direita civil e militar, ao presidente eleito Getúlio Vargas restara o suicídio (1954). O resistente “trabalhismo”, a cultura política reformista construída sob a nascente democracia, seria destruído pela ditadura de 1964. Juscelino Kubitschek, presidente eleito em 1955, experimentou ameaça de não tomar posse. De Governou o país de janeiro de 1956 a 1960. É o pai do moderno desenvolvimentismo capitalista brasileiro (Plano de Metas). Pelo voto, iria retornar à Presidência se houvesse a eleição prevista para1965. A ditadura o prendeu e tudo fez para lhe impor humilhações. Restou-lhe o exílio, em Portugal. Após e de volta à terra, o ostracismo em seu próprio país, até a morte, em um acidente.

Os cercos contra Lula

Contra Lula, o extremismo, o bolsonarismo civil-militar, togado e religioso tramou um tríplice cerco na certeza de que, entre o martelo e a bigorna, do cerco resultaria a destruição de uma época (2003-2010) democrática e reformista de elevação civil dos pobres. Daí, em concatenação, os tão desejados cercos: o imediato (a prisão), o tático (a condenação e a inelegibilidade) e o estratégico (a desmoralização pública pretendida pelos algozes). Afinal, derrotado nas urnas, o autocrata e sua corriola de generais golpistas decidiram executar os assassinatos do presidente eleito em 2022, do vice-presidente Geraldo Alckmin (para que não restasse um sucessor natural) e do juiz do Supremo Alexandre de Moraes. Por muito pouco não ultimaram o tríplice assassinato.

Ironicamente os golpistas de ontem e de hoje parecem desejar dar razão ao velho Marx de “O 18 Brumário de Luís Napoleão” e sua tese: “A democracia é apenas a forma política de revolução da sociedade burguesa e não sua forma conservadora”. Esses golpistas não são conservadores. Irônicos e elegantes, em geral cultos, os conservadores creem que o seu habitual pessimismo é apenas um otimismo bem-informado. Infelizmente, eles inexistem entre nós. Já os reacionários, abundantes, são inflexíveis ignorantes em seu irrefreável triunfalismo nutrido por ignorância, má fé e paixões destrutivas. Reacionários enxergam a realidade toldada pelo véu da ignorância e por uma teia de preconceitos. São delirantes. O bolsonarismo, ou a ignorância em louvor à bestialidade, atraiu e amalgamou, em um bloco, o familismo, uma lumpen-burguesia de oportunistas, uma lumpen-teologia e seus pastores do fim do mundo, um lumpen-generalato com a mão no punhal, e uma bandidagem miliciana. Foi assim que Olavo de Carvalho e Paulo Guedes, medíocres ideólogos do lumpen-poder ou do poder abandidado do autocrata, mais os extremistas, acompanhados dos oportunistas semileais à democracia, todos associados à religião sectária e ao pretorianismo militar, uniram-se para assediar, aviltar e destruir o legado do lulismo e a própria democracia.

Juntos, queriam promover a POLÍTICA DA MISÉRIA. Perderam. De presos e suspeitos e processados, contudo, algo conquistaram: entrincheiraram no Congresso Nacional a “MISÉRIA DA POLÍTICA”, a traficância, a mais abjeta corrosão da ética e até mesmo da moralidade ou do pudor parlamentar. Assim como nos templos evangélicos é urgente sair a política partidária e a ideologização para Jesus ali retornar, no atual Congresso Nacional ou saem as “emendas milionárias”, fonte de corrosão do civismo democrático e do espírito republicano, ou ali teremos nada mais que uma coabitação entre oligarcas corrompidos, donatários de mandatos e suas conexões com os arrendatários de votos precificados à base de emendas. Eis, aí, um dos legados da Direita nacional e do bolsonarismo. Para ser justo: não sem as vênias e as gananciosas conveniências argentárias de parte – talvez majoritária – das esquerdas parlamentares. Após 36 anos de vida da Constituição de 1988 e sua celebração da beleza da política, a Direita nacional e seu ódio à “Constituição Cidadã” nos deixa como legado a MISÉRIA DA POLÍTICA. Perdeu no voto para presidente. Entretanto, conquistou o Congresso Nacional.

O lulismo é, hoje, a alternativa de civilidade política e republicanismo, de continuidade do reformismo democrático. É o esteio para a necessária formação de uma “classe dirigente democrática”, de composição plural, reunindo democratas às esquerdas e ao centro, além de empenhada na formação de uma direita democrática, não autoritária, hoje inexistente no país. O lulismo e a aliança que dirige, é, nos dias de hoje, no país, a esperança em ação portadora do futuro de nossa democracia.


[i] As novas direitas não moldaram o seu “Mito” redentor. Antes, seriam por ele modeladas no extremismo, ou, pelo menos, na complacência obsequiosa com o extremismo. Em reação à derrota nas eleições de 2022, Jair Messias Bolsonaro exibiu as entranhas do seu psiquismo, mentalidade, desejos, pulsões, paixões, ódios e ideologia: vimos o autocrata assumir-se como o anjo exterminador da liberdade e cultor da violência extrema. Pois a liberdade, segundo Bolsonaro, é a liberdade para agir a partir de seus impulsos, pulsões e paixões destrutivas, vez que incapaz de agir contra elas, para contê-las ou para mudá-las. Por isso, causa estranhamento o apoio da maioria dos evangélicos a ele. O elevado e brilhante teólogo e escritor, o francês João Calvino, – como Lutero, um dos dois grandes fundadores da Reforma e do protestantismo – enxergaria em Jair Messias Bolsonaro um condenado sem salvação porque completamente escravo voluntário dos seus i9mpulsos, pulsões e paixões movidas e excitadas pela concupiscência, ódios e violência. Jair Bolsonaro é, com efeito, um ser completamente livre para agir a partir de suas paixões destrutivas. Essa é a sua “liberdade”, seu “libertarismo”! MAS NÃO É ABSOLUTAMENTE LIVRE PARA AGIR CONTRA ELAS, OU PARA MUDÁ-LAS. PORTANTO, DESCONHECE COMPLETAMENTE A AUTODETERMINAÇÃO ÉTICA E A RESPONSABILIDADE MORAL. Estranhamente, em 2022, obteve a adesão de 68% dos evangélicos brasileiros, que tanto prezam a responsabilidade moral da pessoa.

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