Correios acumulam prejuízos e enfrentam atrasos em entregas

Enquanto lida com rombo de R$ 2 bi registrado em 2023, empresa sofre críticas de usuários por demora na chegada de documentos
Correios têm enfrentado dificuldades financeiras nos últimos anos. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Durante praticamente toda a sua história, iniciada em 1663, os Correios foram sinônimo de pontualidade na entrega de cartas e encomendas. Porém, nos últimos anos, a marcante característica da empresa foi arranhada. Nos serviços postais básicos, como o envio de cartas e cartões postais simples, a pontualidade deixou de existir. O mesmo ocorre na entrega de contas de consumo (água, energia e telefonia). Assim, é comum ver consumidores recebendo boletos após a data-limite para pagamento.

A estatal, que acumulou prejuízos em 2022 e em 2023, quando terminou com déficit superior a R$ 2 bilhões, também enfrentou dificuldades no ano passado. Prova disso é que, em 11 de outubro, a Gerência de Orçamento da companhia emitiu um ofício que alertava para a redução, em torno de 83%, do saldo em caixa registrado naquela data em comparação com o do início de 2024. No documento, classificado como sigiloso pela direção da empresa, foram divulgadas medidas emergenciais necessárias para evitar que os Correios entrem em estágio de insolvência.

À ocasião, três medidas foram listadas: suspensão temporária das novas contratações pelo prazo mínimo de 120 dias; negociação global dos contratos vigentes; a partir de outubro, prorrogação de contratos somente com a utilização de recursos oriundos da economia feita com a renegociação dos acordos. Tais ações têm, de acordo com o documento, o objetivo de retomar o equilíbrio econômico-financeiro da empresa.

Em outra frente, O Fator vem acompanhando há alguns meses a situação de um consumidor que mora em Belo Horizonte, mas tem uma residência no interior do estado. Como se trata de um imóvel de uso eventual, ele optou por receber as contas da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) pelos Correios. Mas os extratos, com raras exceções, são entregues após a data prevista para a quitação.

Outra demora relatada a O Fator veio de uma moradora da cidade de Santa Maria de Itabira, a 130 quilômetros de Belo Horizonte, que postou a cópia de um documento como carta simples. O xerox seria utilizado para a locação de um imóvel que possui na capital. Como a carta não chegava ao destinatário, e para não perder a locação, ela conta que preferiu enviá-lo por intermédio de uma de suas filhas. A surpresa veio quando a correspondência finalmente chegou ao seu destino: foram 28 dias entre o dia da postagem e a data de entrega.

Documento mostra adaptações financeiras programadas pelos Correios

Déficit de funcionários

Os atrasos na entrega dos serviços postais básicos e das contas de consumo foram confirmados por um funcionário de um Centro de Distribuição Domiciliar (CDD) em Belo Horizonte. Conforme o interlocutor, ao longo dos últimos anos, houve redução drástica do número de funcionários da empresa. Assim, a entrega das correspondências, antes procedimento diário, passou a acontecer, a partir de 2018, em forma de rodízio por setor de entrega, variando de uma a três vezes por semana, dependendo do volume de envelopes acumulados.

O resultado concreto de tal situação é a entrega das contas de consumo fora do prazo e a demora para que a carta simples postada em Santa Maria de Itabira chegasse a BH.

Robson Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Correio e Similares de Minas Gerais (Sintect-MG), também confirma os atrasos, atribuídos por ele à redução do número de servidores da estatal, de cerca de 130 mil em meados dos anos 2000, para 84 mil hoje. Segundo Robson, o último concurso público dos Correios data de 2011. Atualmente, há um concurso aberto para a contratação de 3,5 mil servidores.

Para agravar a escassez de servidores, foram implementados, ao longo dos últimos anos, vários programas de demissão voluntária. Houve, ainda, a concessão de aposentadorias a servidores cujas vagas não foram preenchidas. Hoje, o servidor com mais tempo de casa está na empresa há pelo menos 13 anos.

Para Robson Silva, a redução do número de funcionários dos Correios não aconteceu à toa, tendo sido parte do processo de esvaziamento da empresa para que pudesse ser privatizada, como chegou a defender, publicamente, o então presidente Jair Bolsonaro (PL).

A despeito dos problemas, Robson destaca o papel estratégico desempenhado pelos Correios nas grandes operações de logística do poder público, como a entrega das urnas eletrônicas para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e dos livros escolares. Para ele, os atrasos somente deixarão de existir quando houver a contratação de servidores para a reposição do quadro.

Prejuízo crescente

A história dos Correios começou a ser contada em 25 de janeiro de 1663, com a criação do cargo de carteiro. Em 1931, os serviços de correio e telégrafo passaram por um processo de fusão. Nasceu aí, na estrutura do governo federal, o Departamento de Correios e Telégrafos (DCT). A estatal vigente foi fundada em 1969, com o nome de Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, popularmente conhecida como Correios.

Nos últimos 12 anos, os Correios experimentaram uma alternância entre períodos de lucro e épocas de prejuízo. No governo de Dilma Rousseff (PT), a empresa fechou 2013 e 2014 no azul, o que não ocorreu em 2015, quando teve prejuízo de R$ 2,1 bilhões. 

No governo de Michel Temer (MDB), os Correios voltaram a ser uma empresa lucrativa, fato que se repetiu nos três primeiros anos (2019 a 2021) do governo Bolsonaro. Em 2022, o prejuízo voltou ao cenário da empresa, situação que se repetiu nos dois primeiros anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Dois anos atrás, o rombo foi de R$ 600 milhões; no ano passado, chegou aos R$ 2,1 bilhões. Em 2024, a direção da companhia optou por medidas financeiras emergenciais.

É nesse cenário de crise financeira que os Correios vêm trabalhando para manter a continuidade de seus serviços. A prioridade, segundo a fonte da empresa ouvida por O Fator, é o envio das encomendas – Sedex e PAC – que têm prazo de entrega curto e são mais rentáveis. No caso do Sedex, o prazo pode ser de até um dia útil. No PAC, o limite cresce para 10 dias úteis.

Os prazos de entrega foram fixados por portaria do Ministério das Comunicações de 28 de maio de 2021. Para carta e cartão postal simples e registrado, o prazo é de até cinco dias úteis; para impresso simples e registrado, até 11 dias úteis e, para encomenda não urgente, de até dez dias úteis.

A mesma portaria estabelece os percentuais de entrega dentro do prazo para 2021, 2022, 2023 e 2024. Os resultados, que estão disponíveis no site da empresa, apontam que para carta simples e impresso, as metas não foram atingidas em nenhum dos quatro anos. Mas para as encomendas, as metas para estes quatro anos foram atingidas.

Robson Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nos Correios, diz que atrasos são fruto da escassez de pessoal. Foto: William Dias/ALMG

Questionamentos à empresa

No dia 26 de novembro, O Fator procurou a direção nacional dos Correios, em Brasília, para que a empresa se posicionasse em relação aos atrasos na entrega de cartas, impressos e contas de consumo. A empresa solicitou que o pedido fosse feito à direção regional de Minas por e-mail, o que foi feito dia 29 de novembro. A reportagem quis saber, por exemplo, o intervalo médio entre a postagem e a entrega e uma correspondência, a participação do envio de documentos no faturamento global da empresa e detalhes a respeito dos atrasos na entrega de boletos de prestadoras de serviços como a telefonia.

Segundo os Correios, o prazo de entrega das correspondências “varia de acordo com o serviço contratado e com as localidades de origem e destino”. De acordo com a estatal, embora o serviço postal apresente queda global, com diminuição em mais de 70% no número de mensagens enviadas nas últimas duas décadas, os carteiros brasileiros entregam mais de 2 bilhões de textos impressos ao ano. 

Atividades concorrenciais, como a entrega de encomendas, representam 70% das receitas dos Correios. Os 30% restantes estão associados ao segmento de mensagens. 

De acordo com a empresa, esse volume torna importante a existência de uma prestadora estatal do serviço  “O envio de uma carta comercial de até 20 gramas para qualquer canto do Brasil hoje custa apenas R$ 2,55, valor que dificilmente seria praticado por uma empresa privada”, afirmaram os Correios.

Os serviços concorrenciais, como a entrega de encomendas, correspondem hoje a 70% da receita da empresa, estando o segmento de mensagens (cartas) responsável pelos 30% restantes.

Segundo os Correios, “de modo geral”, a distribuição de boletos de empresas como as do ramo de telefonia ‘está regular”.

“Para que a empresa apure com exatidão os atrasos mencionados, é fundamental o fornecimento de dados básicos, como os endereços dos destinatários e os períodos em que ocorreram. Nos casos pontuais que afetam os prazos da distribuição postal, a empresa implementa plano de contingência para normalizar e restabelecer as entregas. Vale ressaltar ainda que alguns prestadores de serviços realizam suas próprias entregas de faturas (por exemplo, contas de energia, água e saneamento básico), o que torna fundamental a informação do endereço do destinatário para averiguação se, na localidade em questão, a entrega das faturas é realizada pelos Correios ou pelo próprio prestador”, informou a companhia.

Por fim, os Correios foram questionados a respeito do apontamento feito pelo sindicato da categoria sobre a queda no número de funcionários. A administração da empresa afirmou que a realização de um concurso é “compromisso assumido” pela atual gestão.

“A demanda para realização de novos concursos depende da avaliação conjunta e das necessidades operacionais requeridas pelos processos produtivos. Além dos investimentos em gestão de pessoas, em 2023 e 2024, foram aplicados R$ 2 bilhões na melhoria das unidades, na aquisição de veículos e em tecnologia”, afirmou.

Empresas são cautelosas

A reportagem procurou também as empresas prestadoras de serviço de telefonia e saneamento. Por meio de nota, a Cemig informou que as contas de consumo são, normalmente entregues pelo próprio leiturista, no endereço da leitura. No mês de outubro, apenas 5,5% das contas foram entregues pelos Correios.

A energética disse estar atenta ao assunto e que, em função disso conseguiu reduzir em 65% o número de reclamações de seus clientes entre maio de 2023 e setembro deste ano. A empresa afirmou que, paralelamente a isso, tem procurado incentivar a adesão de seus clientes ao recebimento da fatura por e-mail. De qualquer forma, a Cemig reconhece a existência de determinadas situações que fogem ao padrão e que são repassadas aos Correios para verificação.

A Copasa informou que também adota o mesmo sistema da Cemig: a entrega das contas logo após a leitura. Por esta razão, a empresa alegou que não era usuária dos Correios. Em resposta, O Fator questionou a Copasa sobre o carimbo “Carta” existente nas contas emitidas em papel. Nele, está o número do contrato existente entre a estatal e os Correios.

Na sequência a empresa admitiu que também envia contas pelo Correio, mas em percentual muito pequeno. No posicionamento, a empresa preferiu não fazer comentários sobre atrasos no envio de contas. 

Em nota, a Tim afirmou que tem recomendado aos seus usuários o recebimento de suas contas por e-mail, mas não se pronunciou sobre os atrasos.

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