A decisão do governo de Minas Gerais de conceder uma ajuda de custo para despesas com alimentação a integrantes das forças de segurança do estado pode esbarrar em uma regra do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa que vem sendo seguido pelo Palácio Tiradentes para refinanciar a dívida com a União. Ao anunciar a concessão do auxílio, no dia 12 do mês passado, a Agência Minas, veículo oficial do Executivo estadual, afirmou que os pagamentos terão caráter indenizatório. A lei que regula o ingresso no RRF, entretanto, veda a concessão de novos benefícios indenizatórios a servidores.
O possível conflito foi confirmado a O Fator por fontes a par das regras do Regime de Recuperação Fiscal.
Em 13 de março, a reportagem perguntou ao Ministério da Fazenda se o Conselho de Supervisão do RRF, que monitora o cumprimento das regras do programa por parte dos estados, vê alguma irregularidade no auxílio. Ainda não houve resposta. Nesta segunda-feira (31), por telefone, a equipe de comunicação da pasta informou que a área técnica da Fazenda federal ainda não havia enviado um parecer sobre o tema.
A vedação à concessão de vantagens indenizatórias consta no oitavo artigo da lei que rege o Regime de Recuperação Fiscal.
Segundo o texto, os governos que seguem as regras do refinanciamento não podem autorizar “a criação, majoração, reajuste ou adequação de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios remuneratórios de qualquer natureza, inclusive indenizatória, em favor de membros dos Poderes, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, de servidores e empregados públicos e de militares”.
A lei do RRF, entretanto, estabelece um caminho possível para a concessão de auxílios indenizatórios: que os pagamentos estejam previstos no plano enviado pelo estado ao Ministério da Fazenda para autorizar a entrada no programa e a consequente renegociação da dívida. No documento remetido pelo governo mineiro, que se tornou público em outubro do ano retrasado, a verba para custear a alimentação das tropas não é mencionada.
Há, ainda, a possibilidade de a Fazenda estadual apresentar uma garantia de compensação financeira. Assim, o estado comprova que irá diminuir os gastos em uma rúbrica de mesma natureza e viabiliza a concessão de um novo auxílio. A compensação, entretanto, precisa ser aprovada pelo Conselho de Supervisão do RRF antes da confirmação de um novo benefício.
O Fator procurou a Secretaria de Estado de Fazenda a fim de entender se houve a elaboração de um plano de compensação financeira para garantir a ajuda de custo alimentícia. A reportagem também quis saber os argumentos que a equipe econômica do Executivo estadual utilizará para, eventualmente, justificar a nova despesa ante o Conselho do RRF.
Perto das 13h30 desta terça, já com a matéria publicada, a Fazenda estadual respondeu aos questionamentos*. A pasta se ampara justamente na possibilidade de fazer compensações e ressalvas para viabilizar os pagamentos às forças de segurança.
“O Plano de Recuperação Fiscal do Estado de Minas Gerais foi homologado em janeiro de 2025 e, desde então, é possível utilizar dos mecanismos previstos pela própria legislação para compensações. Neste sentido, os valores adicionais podem ser incorporados por meio dos mecanismos de compensação e ressalvas, ambos previstos no §2º do art. 8º da Lei Complementar nº 159/17”, lê-se em nota enviada à reportagem.
A ajuda de custo
Segundo a equipe de Zema, o auxílio indenizatório será creditado nas folhas de pagamento de servidores das polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros. Trabalhadores que atuam nas unidades prisionais e socioeducativas, como os policiais penais, também terão direito ao abono.
Serão elegíveis para receber o benefício os servidores com carga horária igual ou superior a seis horas diárias e 30 horas semanais. A princípio, serão fornecidos R$ 50 por dia de expediente. A ajuda vai constar no holerite de abril, a ser depositado em maio.
Ressalva já foi utilizada
Foi por meio de uma ressalva da lei do RRF, por exemplo, que o governo Zema conseguiu incluir, no plano de recuperação econômica, empréstimos previstos para o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) ao longo dos próximos anos.
Ao citar expressamente as operações de crédito no arcabouço de medidas para a redução da dívida, o estado se livrou da trava que proíbe a contratação de empréstimos para casos alheios a eventos de calamidade pública. Assim, o BDMG ficou autorizado a captar recursos junto a outras entidades multilaterais, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês).
Em outra frente, o estado trabalha com a perspectiva de migrar do RRF rumo ao Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag). O novo mecanismo, sancionado em janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), permite a federalização de ativos estaduais, como empresas estatais, para diminuir o saldo devedor dos governos locais. Os próximos passos para o ingresso de Minas no Propag giram em torno da regulamentação de medidas previstas no plano e do envio, à Assembleia Legislativa, de projetos de lei para autorizar a adesão.
*Matéria atualizada às 13h46 desta terça-feira (1°) para incluir resposta enviada pela Secretaria de Estado da Fazenda após a publicação do texto.