Em uma sexta-feira (25) marcada por eventos decisivos relacionados ao desastre de Mariana, foi assinado o acordo de repactuação de R$ 170 bilhões, enquanto, paralelamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento virtual de uma ação que pode impactar o processo bilionário que tramita em Londres contra as mineradoras responsáveis pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015.
O novo acordo, firmado entre o governo federal, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, e as mineradoras Vale, BHP e Samarco, estabelece investimentos totais de R$ 170 bilhões para reparação dos danos, sendo estes R$ 37 bilhões supostamente já gastos por meio da Fundação Renova. Paralelamente, o STF, sob relatoria do ministro Flávio Dino, iniciou um julgamento virtual sobre ação do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) que questiona contratos de honorários advocatícios em processos internacionais, podendo afetar diretamente a ação de R$ 260 bilhões movida pelo escritório Pogust Goodhead em Londres em nome de mais de 620 mil atingidos, entre pessoas, empresas e entidades.
A previsão para o encerramento do julgamento virtual é em 5 de novembro. Nos últimos dias, entidades e organizações cadastradas como amicus curiae no processo do STF chegaram a peticionar que o julgamento ocorresse em sessão presencial, para que todos pudessem falar em plenário. Até aqui, nenhuma dessas petições foi acatada.
O ministro Dino votou pela necessidade de apresentação das cópias dos contratos celebrados com escritórios estrangeiros e pela suspensão de pagamentos de honorários baseados em êxito sem prévia análise de legalidade por instâncias brasileiras. A decisão pode influenciar significativamente o “Caso Samarco”, previsto para julgamento ainda em outubro na Justiça inglesa.
Em seu voto, Dino citou diversos precedentes do Tribunal de Contas da União (TCU) que consideram ilegais contratos com a administração pública baseados em honorários de êxito, especialmente quando associados a elevadas taxas de retorno sobre valores obtidos em favor do poder público. O ministro destacou que, como regra, os contratos administrativos devem definir precisamente direitos, obrigações e responsabilidades das partes, com preço certo e preestabelecido, conforme determina a Lei 8.666/93.
Dino ressaltou que não está fazendo, neste momento, “qualquer juízo de valor sobre tal iniciativa ou acerca de suas eventuais consequências em território nacional”. No entanto, considerou necessário verificar as condições em que municípios brasileiros litigam em tribunais estrangeiros, dado o impacto sobre o patrimônio público nacional. O Ibram, autor da ação, argumenta que as contratações com honorários de êxito expõem o erário e as vítimas dos desastres socioambientais a risco de lesão econômica, pois os escritórios de advocacia se tornariam os principais beneficiários de eventuais reparações obtidas judicialmente.
A repactuação do acordo de Mariana prevê R$ 100 bilhões em recursos novos e R$ 32 bilhões em indenizações e obrigações específicas. O novo modelo substitui o anterior, considerado ineficiente devido ao descumprimento de deliberações pela Fundação Renova. As mineradoras informam já ter investido R$ 38 bilhões em ações reparatórias.
A distribuição dos recursos prioriza as vítimas, com 40,44% (R$ 39,83 bilhões) destinados diretamente aos atingidos e 16,38% (R$ 16,13 bilhões) para recuperação ambiental. O sistema indenizatório estabelece pagamentos de R$ 35 mil aos atingidos em geral e R$ 95 mil a pescadores e agricultores, estimando alcançar 300 mil beneficiários.
Como já mostrou O Fator, a expectativa é que 38 municípios de Minas recebam a indenização acordada pela repactuação. Ao todo, serão 49 cidades, sendo 11 do Espírito Santo, e com valores distribuídos conforme índice feito pelo Consórcio dos Municípios do Rio Doce (Coridoce).
Os valores serão pagos mediante adesão voluntária e individual de cada municípios – o que gera debates sobre a escolha entre a repactuação no Brasil ou aguardar por um desfecho do processo judicial na Inglaterra.
Na ação ajuizada em Londres contra a mineradora BHP Billiton, feita pelo escritório inglês Pogust Goodhead, o valor total da indenização pedida é de aproximadamente R$ 230 bilhões. Ainda é incerto dizer quanto, em caso de vitória dos representantes dos atingidos, seria destinado aos municípios.
Um contrato enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela a Prefeitura de Pingo D’água, na região do Vale do Rio Doce, assinado com o escritório inglês indica que o valor estimado do honorário seria de R$ 10 milhões.
No caso da ação em Londres, assinam a representação contra a BHP Billiton mais de 620 mil atingidos, entre municípios, indivíduos, entidades religiosas, comunidades tradicionais e empresas. O valor dos honorários, em caso de êxito no tribunal, varia – para indivíduos, será de 30% do montante a ser recebido. Para empresas, entre 20 a 30%. Já comunidades tradicionais não terão taxa de cobrança.
O julgamento da ação pela Corte de Londres teve início nesta segunda-feira (21) e tem previsão para durar 12 semanas. Após sua conclusão em março, a expectativa é que um resultado final seja publicado pela Corte inglesa no meio de 2025.
Acordo de Repactuação:
- Valor total: R$ 170 bilhões
- Recursos novos: R$ 100 bilhões
- Provisionamento para indenizações: R$ 32 bilhões
- Valor ‘já gasto’ pela Renova: R$ 37 bilhões
- Distribuição dos recursos:
- Atingidos diretos: R$ 39,83 bilhões (40,44%)
- Recuperação ambiental: R$ 16,13 bilhões (16,38%)
- Projetos socioambientais: R$ 17,66 bilhões (17,96%)
- Saneamento e rodovias: R$ 15,29 bilhões (15,52%)
- Municípios: R$ 6,1 bilhões (6,19%)
- Processo em Londres:
- Valor da ação: R$ 260 bilhões
- Em análise pelo STF: legalidade dos contratos de honorários
- Escritório responsável: Pogust Goodhead
- Status: Aguardando julgamento em outubro
- Programas principais:
- Transferência de Renda: R$ 3,75 bilhões
- Retomada Econômica: R$ 6,5 bilhões
- Fundo Popular da Bacia do Rio Doce: R$ 5 bilhões
- Saúde coletiva: R$ 12 bilhões
- Saneamento básico: R$ 11 bilhões
- Povos indígenas e tradicionais: R$ 8 bilhões
- Recuperação ambiental: R$ 14,13 bilhões
Posicionamento do escritório inglês
Em nota, o escritório Pogust Goodhead afirmou que os valores da repactuação “estão longe de cobrir os profundos prejuízos”. Veja a nota na íntegra:
“O acordo de Mariana assinado nesta sexta-feira (25) mostra que, após 9 anos de negligência, as mineradoras finalmente decidiram reagir à pressão da opinião pública e do julgamento na Inglaterra, que começou na última segunda-feira (21). Ainda assim, os valores definidos estão longe de cobrir os profundos prejuízos sofridos pelas vítimas, que continuam lutando por justiça e reparações integrais.
A assinatura deste acordo só demonstra, portanto, a relevância da ação inglesa. Infelizmente, as negociações no Brasil ocorreram a portas fechadas, sem transparência, e foram encerradas sem participação dos atingidos. Além disso o acordo prevê que parte da reparação será diluída em 20 anos, ou seja, 30 anos após o desastre.
Os tribunais ingleses foram claros ao determinar que o julgamento na Inglaterra pode prosseguir independentemente dos eventos no Brasil, apesar das repetidas tentativas da BHP de negar aos nossos reclamantes essa via para a justiça. Reiteramos também que não haverá qualquer tipo de duplicidade de indenizações. Nossos clientes não foram incluídos nas negociações e buscam reparações integrais por uma série de danos morais e materiais que não estão contemplados no acordo no Brasil.
A ação inglesa tem como principal objetivo responsabilizar publicamente a BHP pela tragédia de Mariana e representa uma oportunidade única para que as vítimas possam contar suas histórias. Além disso, estabelecerá um precedente histórico, tornando mais difícil para as empresas multinacionais negligenciarem sua responsabilidade nas comunidades em que operam.
O Pogust Goodhead permanece comprometido em garantir que as vítimas recebam uma indenização justa e completa pelos prejuízos sofridos.”