A 2ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte determinou, em decisão liminar proferida na noite desta sexta-feira (28), que a mineradora Vale mantenha o pagamento de auxílio emergencial aos atingidos pelo rompimento das barragens da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, ocorrido em janeiro de 2019. A empresa disse ainda não ter sido comunicada sobre a decisão (veja posicionamento no final do texto).
O juiz Murilo Silvio de Abreu concedeu tutela de urgência solicitada pelo Instituto Esperança Maria (IEM), Associação Comunitária do Bairro Cidade Satélite (ASCOTÉLITE) e Associação dos Atingidos por Barragens do Leste de Minas Gerais (ABA-LESTE), determinando que a mineradora realize o pagamento “até que a população atingida alcance condições equivalentes às precedentes ao rompimento das barragens”.
A decisão ocorre em um momento crítico para os beneficiários do Programa de Transferência de Renda (PTR), que substituiu o Pagamento Emergencial inicial e está em fase de encerramento. Em março de 2025, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), gestora do programa, iniciou a redução dos valores pagos, com previsão de finalização total em 2026.
O PTR foi estabelecido no Acordo Judicial para Reparação Integral firmado em fevereiro de 2021, com destinação de R$ 4,4 bilhões. No entanto, o magistrado destacou que, após a celebração deste acordo, entrou em vigor a Lei nº 14.755/2023, que “Institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB)”.
O artigo 3º, inciso VI, desta lei estabelece que as Populações Atingidas por Barragens têm direito ao “auxílio emergencial nos casos de acidentes ou desastres, que assegure a manutenção dos níveis de vida até que as famílias e indivíduos alcancem condições pelo menos equivalentes às precedentes”.
Atrasos na reparação
Na fundamentação da decisão, o juiz apontou os significativos atrasos nas medidas reparatórias previstas no Acordo Judicial. Entre eles:
- Os Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE) estão severamente atrasados, com a Fase 2 sequer iniciada;
- Há atraso na implementação do Anexo I.1 do Acordo, que trata dos Projetos de Demandas das Comunidades Atingidas;
- A indenização individual dos atingidos depende da construção da matriz de danos, processo que tem enfrentado resistência por parte da Vale;
- O Relatório da Administração 2024 da própria Vale S/A prevê que o processo reparatório será finalizado apenas em 2031.
“Não é objeto desta decisão perquirir sobre os responsáveis pelos atrasos no cumprimento do Acordo. Contudo, vislumbra-se que a população atingida ainda não vive em condições equivalentes às precedentes ao rompimento das barragens”, afirmou o magistrado.
Operacionalização da decisão
Para implementar a ordem liminar, o juiz determinou que a FGV apresente, no prazo de cinco dias, “a quantia necessária para que os beneficiários do PTR continuem a receber o mesmo valor pago anteriormente à redução perpetrada em março/2025, considerando o termo final previsto para o encerramento do Programa”.
Após essa informação, a Vale terá cinco dias para realizar o depósito judicial correspondente a 1/3 do valor indicado pela FGV.
O magistrado ressaltou que “atualmente, o PTR tem garantido que os atingidos mais vulneráveis tenham condições para custear suas necessidades básicas, incluindo alimentação e saúde”, justificando a urgência da medida.
A decisão também destaca que “espera-se que tal comando ainda surta o efeito de exortar a ré a passar a participar da construção da matriz de danos de forma cooperativa, pois, quanto antes construída conjuntamente tal matriz e implementada na prática, com os atingidos recebendo suas indenizações individuais, tão logo encerrará o pagamento do PTR”.
Atualmente, cerca de 158.000 atingidos são atendidos pelo Programa de Transferência de Renda.
Em nota, a Vale disse ainda não ter sido comunicada. Veja o posicionamento na íntegra:
A Vale ainda não foi comunicada da decisão da última sexta-feira. No Acordo Judicial de Reparação Integral, firmado em 2021, o Programa de Transferência de Renda (PTR) foi estabelecido como solução definitiva para o pagamento emergencial e acordado como uma “obrigação de pagar” da Vale. Em outubro de 2021, a empresa realizou o depósito de R$ 4,4 bilhões previstos para esta obrigação. Desde novembro de 2021, o PTR é gerido pelas Instituições de Justiça e pela Fundação Getúlio Vargas. Com o depósito, foi encerrada a obrigação da Vale referente ao tema.