Uma lei assinada por Romeu Zema no apagar das luzes de 2024, autorizando o governo estadual a pagar todo tipo de empresa por créditos de ICMS, foi modificada de última hora para valer apenas para fabricantes de ração e abatedores e criadores de aves e suínos.
As empresas acumulam créditos de ICMS ao comprar mercadorias, insumos ou bens de capital necessários à produção. Ao fabricar ou vender os produtos finais, também com incidência do ICMS, elas têm em tese direito a abater a diferença. Em tese mesmo, porque os mecanismos para as empresas se beneficiarem desses créditos são limitados. Em agosto de 2023 a secretaria mineira de Fazenda iniciou estudos para aprimorar as maneiras de as empresas de fato aproveitarem esses créditos.
O Fator apurou que há empresas mineiras com literalmente milhões de reais em créditos acumulados de ICMS que elas ainda não conseguiram aproveitar.
O aproveitamento desses créditos pode ser comparado à restituição do Imposto de Renda de uma pessoa comum. O contribuinte declara o imposto, e, quando a Receita constata que ele pagou a mais, faz a restituição meses depois.
Em setembro de 2024 o deputado estadual Adriano Alvarenga (PP) apresentou projeto de lei para que o governo estadual pudesse comprar os créditos de ICMS das empresas – “em moeda corrente” – desde que o governo realize leilões e com deságio (ou seja, desconto) de pelo menos 25%.
Uma empresa com R$ 100 mil em créditos, por exemplo, se inscreveria para receber no máximo R$ 75 mil. As empresas que oferecerem os maiores percentuais de deságio serão as vencedoras do leilão.
A justificativa do projeto original de Alvarenga é ecumênica: “Empreendimentos, produtores rurais, bem como todas as pessoas jurídicas que possuam saldo credor continuado (…) são potenciais geradores de Créditos Acumulados do ICMS”, diz o texto. Nos artigos do projeto em si, não há menção a setores específicos da economia.
O texto sofreu algumas modificações, mas, mantendo seu caráter universal para todos os negócios, foi aprovado na CCJ e na Comissão de Administração Pública em 3 de dezembro.
Dias depois, porém, uma grande mudança aconteceu. Sob a relatoria de Zé Guilherme (também do PP), o projeto foi modificado para valer apenas para o ICMS de “estabelecimento fabricante de ração, abatedor de aves ou de suínos ou criador de aves ou de suínos”.
Em seu parecer, Zé Guilherme não justificou a mudança, escrevendo apenas que houve “intuito de aprimorar ainda mais o texto aprovado e promover ajuste no requisito estabelecido para a utilização do crédito acumulado”. Na reunião da Comissão de Fiscalização em 11 de dezembro, o deputado apenas leu o texto, também sem explicar por que o projeto foi limitado a esse tipo de empresas. Nenhum deputado discutiu, e a votação na comissão foi simbólica.
No plenário, o projeto também surfou, sendo aprovado por 48 x 0 no dia seguinte. Zema sancionou o texto em 20 de dezembro.
O deputado estadual Zé Guilherme disse a O Fator ter buscado “priorizar setores que têm grande relevância para a economia mineira e que enfrentam desafios específicos”.
“A suinocultura e a avicultura”, disse Zé Guilherme, “já possuem um histórico de benefícios fiscais e logísticos no estado, o que reforça a necessidade de ações mais específicas para viabilizar a competitividade deles”.
O relator acrescentou que “houve um consenso entre os parlamentares para garantir que o projeto fosse aprovado de maneira equilibrada e direcionada a setores estratégicos”.
A assessoria de imprensa de Adriano Alvarenga, autor do projeto original, disse que o texto final é “resultado de intensos debates entre os deputados e deputadas”, e que ele está satisfeito com o resultado. “Fortalecer a vida do homem do campo e o agronegócio é uma prioridade do nosso mandato”, acrescentou.
A secretaria de Fazenda de Minas Gerais não respondeu às nossas perguntas – por exemplo, se entende que restringir a recompra desses créditos a um setor da economia é suficiente.
A assessoria de imprensa do governo estadual também não nos respondeu.