Municípios protocolam nova ação contra Vale, BHP e Samarco e pedem R$ 46 bilhões

Ação foi ajuizada nesta sexta-feira (28) e entregue à 4ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte
A barragem de Fundão, em Mariana, se rompeu em novembro de 2015 matando 19 pessoas e gerando um dano ambiental ainda incalculável. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
A barragem de Fundão, em Mariana, se rompeu em novembro de 2015 matando 19 pessoas e gerando um dano ambiental ainda incalculável. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Um grupo de 21 municípios ajuizou, nesta sexta-feira (28), uma nova ação civil pública contra as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, solicitando R$ 46 bilhões em indenizações pelos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em Mariana  em 2015. A ação está nas mãos da 4ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte.

Os signatários da peça judicial não aderiram ao acordo de repactuação homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro do ano passado. O prazo para o ingresso no novo arcabouço vence em 6 de março, mas a Associação Mineira de Municípios (AMM) pediu mais seis meses para que as prefeituras possam analisar as cláusulas.

Entre os municípios autores estão Mariana e Ouro Preto, em Minas Gerais, além de localidades do Espírito Santo e da Bahia afetadas pelo que é considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil. A ação argumenta que, quase dez anos após a tragédia, ainda não houve uma reparação justa e efetiva para os municípios que sofreram os impactos do derramamento de rejeitos.

“Os municípios continuam absolutamente desprotegidos, do ponto de vista jurídico, em relação à necessidade de ressarcimento aos danos que tiveram que suportar ao longo de todos esses anos. No atual momento, não há qualquer sinalização ou segurança jurídica quanto ao potencial ressarcimento dos danos sofridos por tais entes federativos”, lê-se em trecho da ação.

Múltiplas frentes jurídicas

A nova ação ocorre em meio a um cenário complexo de negociações e disputas judiciais. O prazo para adesão ao acordo de repactuação homologado pelo STF vence em 6 de março, com apenas 14 municípios tendo aderido até o momento. A AMM já solicitou ao STF a ampliação deste prazo em seis meses, argumentando que muitos prefeitos em início de mandato sequer têm conhecimento do acordo.

Paralelamente, tramita no STF uma ação do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) que busca suspender contratos firmados entre municípios brasileiros e o escritório de advocacia inglês Pogust Goodhead, que representa os atingidos na Justiça de Londres O Ibram alega que esses contratos, que preveem honorários de até 30% sobre indenizações, dificultam acordos no Brasil.

Críticas ao acordo de repactuação

A petição inicial critica o processo de repactuação firmado com a União e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, afirmando que os municípios foram excluídos das negociações e apenas “instados a aderir às bases pré-definidas unilateralmente pelas empresas responsáveis pelos danos em um exíguo prazo de 120 (cento e vinte) dias”.

“Pelo caráter absolutamente insatisfatório da repactuação e pela ausência de uma efetiva participação dos Municípios afetados na Mesa de Repactuação, de modo que não puderam influenciar (mesmo que minimamente) naquilo que fora pactuado, não houve a menor plausibilidade de que os Municípios que são parte desta demanda pudessem aderir aos termos do que propunha a Samarco e suas empresas controladoras”, argumentam os autores.

Os municípios sustentam que a adesão ao acordo proposto os obrigaria a “renunciar a quaisquer das demandas anteriormente propostas para a reparação causada pelas empresas mineradoras”, o que, segundo eles, violaria o artigo 424 do Código Civil, que estabelece serem nulas as cláusulas “que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.

Ação detalha impactos

A ação detalha os impactos do rompimento da barragem, que despejou 43,7 milhões de m³ de rejeitos de minério de ferro. O material percorreu 663 km até chegar ao oceano Atlântico, afetando a bacia do Rio Doce e dezenas de municípios.

“O rompimento, cujo risco iminente era efetivamente conhecido pelas empresas, desencadeou o maior desastre ambiental do mundo a envolver rejeitos de mineração até aquele momento”, afirma o documento, que lembra que a tragédia ceifou 19 vidas imediatamente.

A petição classifica os danos em cinco categorias principais:

1. Danos ao patrimônio natural (recursos hídricos, fauna e flora);

2. Danos ao patrimônio histórico-cultural e paisagístico;

3. Danos socioeconômicos imediatos;

4. Danos socioeconômicos mediatos;

5. Danos a comunidades indígenas e povos tradicionais.

Entre os impactos ambientais, a ação destaca a destruição de 1.469 hectares de vegetação, contaminação da água com metais pesados, mortandade de peixes e outros animais, e o comprometimento de ecossistemas inteiros. Mesmo quase uma década depois, estudos citados na ação indicam que “a concentração de metais pesados no estuário do rio continua alarmante”.

Impactos a longo prazo

A ação apresenta dados sobre os impactos econômicos do desastre, citando estudos da Fundação Getúlio Vargas que estimam perdas no PIB agregado de Minas Gerais e Espírito Santo entre 2015 e 2018 de cerca de R$ 250 bilhões, com projeções de perdas futuras entre R$ 455 bilhões e R$ 547,4 bilhões até 2034.

“Também se estima que as perdas de arrecadação pública cheguem a R$ 47,3 bilhões em Minas Gerais entre 2019 e 2034. Para Minas Gerais e Espírito Santo, a perda seria de R$ 81,6 bilhões”, destaca o texto.

Os municípios apontam ainda que “apenas no Município de Mariana, a prefeitura estimava, em 2015, que as perdas em termos de infraestrutura, moradias particulares e aparelhos públicos tenham superado em quatro vezes o valor dos royalties pagos pela Samarco naquele ano”.

A ação dedica atenção aos danos causados a povos indígenas, como os Krenak, Tupiniquim e Guarani, além de comunidades quilombolas e ribeirinhas. Para o povo Krenak, o Rio Doce (chamado de Watu) possui significado espiritual e é central para sua existência e cosmologia.

“Para essas pessoas, o rompimento da barragem é também um rompimento com as práticas do mundo material e espiritual. Eles resistem e buscam manter as suas conexões com um Rio que mudou para sempre”, diz o documento.

Os municípios solicitam que o caso seja tratado como um litígio estrutural, considerando sua complexidade e magnitude. “A conclusão a que se chega é a de que os Municípios afetados merecem uma solução célere, justa e que promova um ressarcimento condizente com os danos sofridos por seus habitantes e por todo o meio ambiente daqueles locais”, argumentam.

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