O prefeito Fuad Noman sancionou, sem vetos, o projeto de lei que concede incentivos para quem investir na requalificação de edificações na área do hipercentro de Belo Horizonte. O projeto foi sancionado na íntegra porque o texto foi objeto de um acordo prévio entre a Prefeitura e a Câmara Municipal de Belo Horizonte.
Com a sanção, o presidente da Câmara, Gabriel Azevedo (MDB), espera que a prefeitura avance na modernização da legislação sobre a área central da cidade e, ao mesmo tempo, faça uma busca ativa por imóveis que possam ser oferecidos ao mercado da construção civil para passarem pelo retrofit, que é a requalificação com a mudança de seu uso – normalmente de comercial para residencial.
Porém, o texto final da lei – que é conhecida como Lei do Retrofit – não agradou ao setor de construção, cujas propostas de emenda ao projeto não foram, segundo o empresário Teodomiro Diniz Camargos, contempladas. Para ele, a isenção do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), previstos na lei, constituem benefícios marginais em qualquer projeto de requalificação de imóveis na área central de Belo Horizonte.
Sendo assim, ele não acredita a lei que vá aumentar muito a oferta de imóveis requalificados na capital.
Teodomiro Diniz reclamou também da não inclusão da redução das alíquotas do Imposto Sobre Serviços (ISS) para estimular a ida de empresas para o centro da cidade. Ele argumento que a região central precisa de moradias, mas também de empregos. “Um tem que estar ao lado do outro”, afirmou Teodomiro Diniz, que já retrofitou os edifícios onde funcionavam a mineradora Vale, na rua São Paulo; e a Companhia de Seguros Minas-Brasil, na praça da Rodoviária. E no momento trabalha no projeto de requalificação do “Balança mas não cai”, o icônico edifício localizado na confluência da avenida Amazonas com rua Tupis.
Isenção de IPTU e ITBI
A lei, que já está em vigor, prevê que o imóvel requalificado terá isenção total do IPTU pelo prazo de três anos. No projeto original, a isenção era de 50% do valor do imposto. O aumento do percentual foi uma das emendas negociadas pelo presidente da Câmara Municipal, Gabriel Azevedo, com a Prefeitura. Em relação ao ITBI, que é pago quando da venda de um imóvel, Gabriel Azevedo conseguiu o aumento, de quatro para seis anos, do prazo para a obtenção da certidão de baixa da conclusão da obra.
Na negociação com a prefeitura, o vereador Pedro Patrus (PT) conseguiu incorporar duas emendas. Um dos acréscimos incluía entre os objetivos da lei a implementação de uma política habitacional que garanta acesso à moradia digna para diversos grupos sociais, inclusive a população em situação de rua. O mesmo item da lei incluiu entre seus objetivos o de coibir práticas que levem à exclusão social, como a gentrificação e a especulação imobiliária.
A gentrificação é um processo de transformação e supervalorização de uma determinada área da cidade, promovendo um aumento no custo de vida. Essa dinâmica imposta atrai um novo perfil de moradores — uma população de maior poder aquisitivo —, ao mesmo tempo que expulsa seus antigos residentes, que partem em busca de bairros mais acessíveis economicamente.
Outra iniciativa de Pedro Patrus incorporada ao texto da lei é a emenda que divide os valores pagos à Prefeitura pelos empreendedores entre o Fundo de Desenvolvimento das Centralidades (FC) e o Fundo Municipal de Habitação Popular. Pelo texto original, os recursos iriam apenas para o FC.
De acordo com a lei, para ter direito aos incentivos, o empreendimento terá que adotar pelo menos uma das seguintes soluções de gentileza urbana: fachada ativa (loja com frente para a rua), área de fruição pública e terraço aberto ao público e destinado ao uso não residencial.
Lei flexibiliza adaptações
Na região central de BH, a maioria das edificações é de meados do século passado, quando não havia a exigência de afastamento lateral, entre um prédio e outro, e frontal, do prédio em relação ao alinhamento da calçada. O resultado é que no centro da BH, a lateral de um prédio é colada à lateral de outro.
Também não havia a exigência de que todas as unidades dispusessem de garagens. Além dos afastamentos, as novas edificações incorporam normas de acessibilidade e segurança contra incêndio. A Lei do Retrofit dá uma certa flexibilidade em relação a tais exigências. Para a acessibilidade, admite adaptações que sejam consideradas “razoáveis” quanto às normas legais que disciplinam o assunto.
Em relação à normas de prevenção de incêndios, a lei autoriza o uso das fachadas laterais e de fundo das edificações como, por exemplo para a construção de uma escada de incêndio, bem como dos fossos – que é um espaço fechado nas laterais mas aberto na sua parte superior. Nas edificações de meados do século passado o fosso era para onde convergiam as áreas de serviço.
Como a maior parte dos projetos de retrofit é de edifícios comerciais (salas) em residenciais, a lei abre mão da exigência de dimensão mínima dos cômodos.
A lei também institui, para os imóveis que forem retrofitados, um potencial construtivo adicional que pode ser transferido para outra área da cidade, na forma de um 1,5 metro quadrado para cada metro de área líquida edificada ou convertida.
No texto original, essa paridade era de um metro adicional para um metro de área liquida edificada ou convertida. De acordo com a lei, o potencial adicional somente poderá ser gerado em empreendimentos destinados ao aluguel social para famílias com renda inferior a cinco salários mínimos e pelo prazo de 30 anos.
Mercado de locação social
Para Teodomiro Diniz, o que a lei oferece é muito pouco para atrair as empresas de construção, que segundo ele, não se sentem atraídas para entrar no mercado de locação social. Ele afirma que o custo inicial para se fazer um projeto de retrofit na região central da cidade é muito alto em relação às edificações que partem apenas do lote vazio.
No retrofit, o empreendedor é obrigado a comprar o prédio ou oferecer ao seu proprietário uma parte da futura nova edificação. Só que, segundo Teodomiro Diniz, é muito difícil fazer permuta com o proprietário porque a sensação que ele normalmente tem é de que perdeu uma parte do imóvel, ainda que receba as novas unidades totalmente reformadas.
Outro problema, segundo Teodomiro, é que na região central a logística é mais cara porque o recebimento de material de construção e o recolhimento de entulho tem que ser feito à noite, o que exige pagamento de hora extra para os trabalhadores que ficarão responsáveis por tais funções.
Como exemplo de capital em que, segundo ele, a prefeitura acertou nas medidas de incentivo, ele cita o Rio de Janeiro, onde a outorga construtiva pode ser utilizada pelo empreendedor em qualquer região e em imóveis de qualquer tipo. A outorga apenas para imóveis de locação social não constituiu, segundo Teodomiro Diniz, um incentivo para as empresas de construção.
No momento, 36 projetos de retrofit estão licenciados pela prefeitura do Rio. Outros dez encontram-se em análise. Entre os imóveis a serem retrofitadosestá o icônico edifício do jornal “A Noite”, na Praça Mauá, no coração da zona portuária. Depois de o governo federal ter, sem sucesso, tentado vender o imóvel, a prefeitura do Rio adquiriu o prédio que, meses depois, foi revendido para a iniciativa privada, que irá transformá-lo em um prédio residencial com 424 apartamentos.
A prefeitura de Belo Horizonte foi contatada para falar sobre a lei e as críticas de Teodomiro Diniz, mas não se pronunciou.