Estava esperando a cabeça esfriar – e desinchar – para escrever a respeito da barbárie ocorrida nas dependências da Arena MRV, domingo passado, durante e após o jogo do Atlético contra o Flamengo, que deu ao clube carioca o título da Copa do Brasil deste ano.
Frequento estádios por todo o mundo – sempre atrás dessa bendita maldição chamada Galo – desde os 10 anos de idade, e confesso não me lembrar de cenas tão selvagens. O que centenas de marginais infiltrados na torcida mais apaixonada (e apaixonante) do Brasil fizeram, beira filme de ficção.
Como testemunha ocular, posso assegurar algumas coisas e concluir outras. Em primeiro lugar, a reação imediata da imprensa esportiva local foi errada e injusta. Apontaram os microfones em direção ao Atlético sem lembrar de premissas fundamentais para tanto.
Ordem cronológica
Tão logo ouvi as acusações, em parte infundadas, liguei para colegas das duas principais rádios da cidade e relatei o ocorrido, ou seja, a verdade dos fatos. Ao menos no setor em que estava – e aqui não trato de nada além disso – a responsabilidade foi exclusivamente dos bandidos, é claro, e da Polícia Militar.
No local, havia dezenas de seguranças da Arena que tentavam – sem armas, sem proteção, sem treinamento e limitados pela lei – separar as brigas e auxiliar as vítimas dos arrastões. A Polícia Militar, seja na hora da invasão, seja durante os tumultos, atuou muito pouco ou mesmo nem sequer apareceu.
No dia seguinte – antes de qualquer manifestação da imprensa ou do próprio Atlético nesse sentido -, durante o programa 98 Talks, da Rádio 98, relatei novamente o ocorrido e cobrei o retorno do policiamento ostensivo, por parte da Polícia Militar, também dentro dos estádios.
Segurança é dever do Estado
Ontem, terça-feira (12), ouvi atentamente as entrevistas do CEO da SAF do Atlético, Bruno Muzzi, do presidente do Galo (Associação) Sergio Coelho, e do jornalista e deputado estadual, João Vítor Xavier, todos caminhando no mesmo sentido dos meus comentários da noite anterior.
A obviedade destes nossos comentários é tamanha, que me surpreende a necessidade de expô-los. Jamais entendi a concordância dos clubes mineiros com a prática adotada por aqui, de assumir a responsabilidade da segurança, eximindo o Estado de sua obrigação constitucional e devidamente paga.
Agora, que fique clara uma coisa: caso retorne o policiamento ostensivo oficial aos estádios, quando vândalos, assaltantes e criminosos de toda sorte ultrapassarem as barreiras da lei, que não me venham os defensores dos “direitos humanos” acusar a Polícia Militar de violência e abuso de poder.
Não há solução fácil
Não. É claro que não estou defendendo violência policial e justiçamento, mas não conheço outra forma de combate a crimes violentos senão com – após o máximo esforço de inteligência e prevenção – violência superior. Além dos custos, creio ter sido este um dos motivos do afastamento da polícia dos estádios.
Outro aspecto importante: a administração da Arena, a meu ver, não pode sucumbir às pressões imediatistas e trilhar o caminho mais fácil. Bruno Muzzi disse, sobre adotar medidas de proteção (barreiras de vidro ao final das cadeiras e catracas similares a de masmorras), que “Os justos pagam pelos pegadores“.
Ora, não poderia ser mais incoerente tal postura, pois o mesmo Clube que reclama da “saída mais fácil” encontrada pela Justiça Desportiva, que é punir o Atlético com a interdição da Arena, caminharia, assim, no mesmo sentido. Além disso, todo o gasto em tecnologia terá sido em vão?
História e histórico
A violência entre “torcidas” de clubes de futebol é antiga e mundial. Alguns países conseguiram controlar os vândalos, é verdade, mas ainda assim, ocasionalmente, ocorrem graves incidentes. A própria história de Atlético x Flamengo comprova isso. Com ou sem polícia nos estádios, inclusive.
Em 1980, na final do campeonato brasileiro mais roubado de todos os tempos, os atleticanos apanharam como cães sarnentos no Maracanã – inclusive de policiais militares. Em 1987, no segundo jogo pelas semifinais da Copa União, no Mineirão, os cariocas receberam uma chuva de foguetes na cabeça.
A cada briga, a cada morte, a imprensa e a sociedade fazem um estardalhaço danado, mas sempre esquecem de tudo, poucos dias depois, até que nova tragédia aconteça. Nós, como sociedade, escolhemos ser assim: violentos e coniventes com a violência – em todas as searas do cotidiano, aliás.
Oportunidade
Toda doença crônica exige tratamento de longo prazo. Não existe solução simples para problema complexo. Uma vez reconhecida a gravidade da situação, e diagnosticada suas causas, é imperioso um plano de ação estruturado, persistente, com início, meio e fim.
A meu ver, o retorno do policiamento ostensivo oficial é inegociável. Uma política de tolerância zero, a partir de leis federais que tipifiquem a violência em estádios como crime hediondo, também. E não menos importante, a adoção – no caso, pela Arena – de práticas eficazes a partir dos equipamentos que possui.
Há uma janela de oportunidades aberta à Arena e ao governo de Minas. Juntos, podem – devem! – dar uma solução definitiva e exemplar, que sirva como “case” Brasil afora. O que não podem, como a sociedade civil e a imprensa, é esquecer o ocorrido e daqui a alguns meses, ou anos, assistir a tudo outra vez.