Dívida dos Estados: a política do “pires na mão”

Com o intuito de aumentar sua arrecadação sem repartir receitas, a União utilizou-se abusivamente das contribuições
Dívida de Minas com a União supera os 165 bilhões de reais
Dívida de Minas com a União supera os 160 bilhões de reais (Foto: ALMG)

A proposta do Senador Rodrigo Pacheco para a solução da dívida dos Estados não é “um prêmio para Estados endividados”, mas um passo singelo para minimizar a “política de pires na mão”.

Na ADO 25, os Ministros Barroso e Gilmar Mendes acertaram ao afirmar que o Brasil vive uma “crise do federalismo fiscal”, que decorre não apenas da falta de responsabilidade fiscal, mas, sobretudo, das políticas tributárias da União que privilegiaram as contribuições sociais em lugar dos impostos que seriam compartilhados com os Estados.

No modelo federal, os Estados devem ter os meios próprios para atuar (autonomia financeira). Essa posição emancipatória não se coaduna com a “política do pires na mão”, muito usada pelos governos autocráticos para submeter os gestores estaduais. É por isso que a Constituição estabeleceu não apenas uma detalhada distribuição de competências tributárias entre os entes federados (artigos 153 a 156), mas também a repartição obrigatória da receita proveniente dos impostos federais com os Estados, DF dos Municípios (50% do IR; 60% do IPI; parte do IOF e do ITR etc.). O desenho federal foi pensado para possibilitar o cumprimento das funções constitucionais de cada ente e garantir sua autonomia financeira. O “equilíbrio federativo” evita a submissão dos Estados pelo viés financeiro.

Entretanto, como afirmou o Ministro Luís Barroso, na ACO 2178, “o federalismo fiscal brasileiro vive um momento delicado, marcado por insuficiências e desequilíbrios” e, para tal situação, contribuíram fatores como o centralismo tributário da União; a concessão de incentivos fiscais federais em tributos compartilhados com os entes menores; a omissão do Congresso em disciplinar medidas compensatórias das perdas sofridas com a desoneração das exportações; a guerra fiscal; as obrigações de amortização da dívida dos Estados com a União.

Com o intuito de aumentar sua arrecadação sem repartir receitas, a União utilizou-se abusivamente das contribuições, porque a receita desses tributos federais não é compartilhada com os Estados e Municípios. Por isso, elas já representam mais de 2/3 dos valores arrecadados pela União (em 1988, apenas 23,8%). Essa prática vem proporcionando um “desequilíbrio de forças”, deturpando o sistema constitucional tributário, tornando-o disfuncional, complexo e ineficiente.

Exemplificando: a União instituiu, em 1988, a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), que, em verdade, é um “imposto de rendas paralelo” não compartilhado com os entes menores. A CSLL foi criada com uma alíquota de 8% e, para isso, a União promoveu uma redução na alíquota do IRPJ em 5%. Os entes menores, dessa forma, financiaram, com recursos que deveriam ser partilhados, a criação da CSLL (de receita puramente federal)!

Foi assim que o modelo federal foi sendo deturpado e a “crise do federalismo brasileiro” agravada. É nesse cenário que a União insiste em cobrar a dívida dos Estados sem considerar o “desequilíbrio federativo” que promoveu.

A propósito, se a União já centraliza mais de 68% da receita tributária (os Estados respondem por 25% e os Municípios por 7%), aos entes menores cabem, cada vez mais, as despesas com saúde, com educação e com segurança. Hoje em dia, a União gasta apenas de 4% a 5% de seu orçamento com saúde. Nos gastos com o Sistema Único de Saúde, a princípio, a União participava com mais de 50% das despesas (2000) e, hoje, com menos de 35% (dados de 2022). Os gastos foram sendo pouco a pouco repassados para Estados e Municípios. Assim, do gasto total com saúde, no Brasil, 32% são da União e 68% dos Estados e Municípios. Com relação aos gastos com educação (dados de 2021), cerca de 72% estão a cargo dos Estados e Municípios e 28% com a União. Os gastos com segurança (Polícia Militar, Polícia Civil e Sistema Prisional), basicamente, ficam a cargo dos Estados (82% com os Estados).

Assim, por mais que possa ter havido, no passado, real irresponsabilidade fiscal dos Estados, esse quadro atual de crise se deve, antes de tudo, à “participação decisiva da União”, como pontuado pelo próprio STF.

Os Estados precisam de recursos para atenderem suas finalidades igualmente públicas e é nos ombros dos entes menores que estão as despesas essenciais com educação, saúde e segurança. Os recursos retirados, como os relativos à CSLL, porém, são realocados nos próprios Estados seguindo determinações arbitrárias do Governo Federal por meio de “transferências voluntárias”, cada vez mais costumeiras. Se a União minimizou a autonomia financeira dos entes menores, por outro giro, usa e abusa desses recursos para fazer a política do “pires na mão”.

Como resta claro, as propostas de redução da dívida dos Estados não são paternalistas, mas medidas que reduzem o “desequilíbrio” proporcionado pela política tributária da União, ao longo das últimas décadas. São medidas democráticas e de justiça.

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