O cenário jurídico-econômico brasileiro testemunha um momento sem precedentes no que tange à utilização do instituto da recuperação judicial. Conforme os dados mais recentes do Indicador de Falência e Recuperação Judicial da Serasa Experian, o primeiro semestre de 2024 registrou um número alarmante de 1.014 pedidos de recuperação judicial, representando um aumento expressivo de 71,0% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Este dado não apenas evidencia uma tendência de crescimento acelerado, como também marca o patamar mais elevado para o período desde o início da série histórica em 2005, quando a Lei 11.101/2005 entrou em vigor.
Este crescimento vertiginoso nos pedidos de recuperação judicial sublinha, de forma contundente, a premente necessidade de um instrumento jurídico robusto para a preservação da atividade empresarial em tempos de adversidade econômica aguda. A Lei 11.101/2005, que regulamenta o processo de recuperação judicial, emerge neste contexto como um baluarte crucial na salvaguarda das entidades empresariais, reconhecendo sua inegável função social e seu papel fulcral na tessitura econômica nacional.
O aumento sem precedentes observado no primeiro semestre de 2024 ressalta a importância deste mecanismo como alternativa à inexorável falência, proporcionando às sociedades empresárias em estado de insolvência, porém ainda dotadas de potencial de recuperação, um curso procedimental para a reestruturação de seus passivos e a reorganização de suas operações, sob a égide do Poder Judiciário. Este procedimento recuperacional, de natureza eminentemente restaurativa, concede ao devedor um interregno de suspensão das execuções, comumente denominado “período de blindagem”, propiciando um ambiente favorável à implementação de medidas saneadoras e à negociação com seus credores.
É imperioso salientar que a aplicabilidade do instituto da recuperação judicial não se circunscreve ao âmbito das atividades industriais e comerciais, estendendo-se também ao setor agrícola. As vicissitudes do mercado e as cada vez mais constantes e drásticas alterações climáticas impactam de forma significativa a sustentabilidade financeira dos produtores rurais, o que pode explicar, em parte, o aumento expressivo nos pedidos de recuperação judicial observados nos últimos anos, culminando no recorde histórico de 2024.
Para a consecução exitosa de um processo de recuperação judicial, especialmente em um cenário de demanda sem precedentes, a doutrina e a práxis forense têm sedimentado um conjunto de diretrizes, cuja observância se torna ainda mais crucial:
1. A realização de uma análise pormenorizada da situação econômico-financeira da empresa, abrangendo o exame minucioso de seus demonstrativos contábeis e a avaliação criteriosa de seus processos operacionais, com o escopo de identificar as causas da crise e as potenciais áreas de melhoria.
2. A elaboração de um plano de recuperação consistente e factível, alicerçado em premissas realistas e contemplando estratégias específicas para o saneamento financeiro, a otimização operacional e a reestruturação do passivo, considerando o ambiente econômico extremamente desafiador que tem levado ao aumento histórico nos pedidos de recuperação.
3. O estabelecimento de um canal de comunicação efetivo com os credores, pautado pela transparência e pela regularidade na prestação de informações, visando à construção de um ambiente propício à negociação e à obtenção do necessário apoio ao plano de recuperação, elemento crucial em um contexto de crescente competição por recursos.
4. A constituição de uma equipe gestora dotada de expertise em reestruturação empresarial, com comprovada experiência em gestão de crises e capacidade de implementação de medidas de turnaround, habilidades essenciais para navegar o complexo cenário econômico atual.
5. O acompanhamento rigoroso da execução do plano de recuperação, com a aferição constante dos indicadores de desempenho e a realização tempestiva dos ajustes que se fizerem necessários, aspecto fundamental para o sucesso do processo em um ambiente de rápidas e intensas mudanças econômicas.
O instituto da recuperação judicial, nos moldes delineados pelo legislador pátrio, apresenta-se como um instrumento de singular importância para a preservação da atividade empresarial em momentos de crise aguda, como evidenciado pelo aumento sem precedentes na sua demanda. A observância das melhores práticas de gestão, aliada à identificação do momento propício para a reestruturação e à manutenção de uma governança corporativa sólida, configuram-se como elementos basilares para o sucesso do procedimento recuperacional.
Em última análise, a recuperação judicial bem-sucedida não apenas propicia a preservação da empresa em dificuldades, mas também produz externalidades positivas que se espraiam por toda a cadeia produtiva, beneficiando colaboradores, fornecedores, consumidores e, em última instância, a própria economia nacional. O aumento histórico nos pedidos de recuperação judicial observado no primeiro semestre de 2024 ressalta, de forma inequívoca, a importância deste mecanismo como ferramenta de política econômica e jurídica.
Ao adotar uma abordagem proativa e estratégica no enfrentamento da crise, as empresas podem não apenas superar as adversidades conjunturais, mas emergir do processo recuperacional com uma estrutura mais robusta e resiliente, aptas a trilhar uma trajetória de crescimento sustentável no cenário econômico pátrio. Este processo, ainda que desafiador, contribui para a estabilidade e o desenvolvimento econômico do país, especialmente em um momento em que o número de empresas buscando este recurso atinge patamares sem precedentes.
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