Nesse ritmo, não chegaremos lá – e não há uma única resposta para um problema tão complexo, histórico e multifatorial. De acordo com um relatório produzido em conjunto pela ONU Mulheres e pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais, divulgado em 2022, no ritmo atual, podemos levar até 300 anos para alcançar o patamar mínimo de equidade.
A desigualdade de gênero é um problema estrutural que afeta meninas e mulheres em todo o mundo. Embora algumas pesquisas, como a do Fórum Econômico Mundial, estimem um prazo de 134 anos para a equidade, a ONU aponta a necessidade de 300 anos. Diante dos retrocessos que temos observado nas políticas globais, sobretudo no Norte Global – com destaque para os Estados Unidos –, considerar um horizonte de três séculos parece mais realista e nos mantém em estado de alerta.
Segundo o relatório Global Gender Gap (2024) do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 70ª posição no ranking que avalia 146 economias, uma queda de 13 posições em relação ao último estudo, no qual o país estava em 57º lugar. O avanço mundial sobre o tema foi de apenas 0,1 ponto percentual de 2023 para 2024. Atualmente, estamos atrás de países como Colômbia, Peru e México. Já entre os 22 países da América Latina, ocupamos a 16ª posição.
De acordo com o índice Mulheres, Empresas e a Lei (Women, Business and the Law – WBL, na sigla em inglês), conduzido pelo Banco Mundial, que compara 190 economias, o cenário brasileiro se repete: perdemos em equidade de gênero para pares latinos americanos como México, Uruguai, Bolívia, Peru e Paraguai e, em âmbito global, para Nicarágua, República Dominicana e África do Sul (Banco Mundial, 2024).
Além disso, segundo o Banco Mundial, a implementação eficaz das leis depende de um marco regulatório adequado, que contemple mecanismos robustos de aplicação, sistemas para rastrear disparidades salariais de gênero e a disponibilidade de serviços voltados às mulheres sobreviventes de violência. As leis devem ser implementadas de forma eficaz para proteger as mulheres da violência de gênero. No entanto, o WBL constatou que, em nível global, os países implementaram menos de 40% dos mecanismos necessários para garantir essa aplicação.
O Brasil ainda enfrenta desafios significativos em relação à equidade, como disparidades salariais e de representação em cargos de liderança, discriminação, assédio, divisão desigual do trabalho de cuidado e insuficiência de políticas institucionais e públicas. O avanço ainda é lento, assim como o investimento necessário para cumprir os compromissos globais dos quais o Brasil é signatário, especialmente o ODS 5, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.
Diante desse cenário, quais são os caminhos possíveis?
Para avançarmos nessa agenda, é fundamental o engajamento de múltiplos atores, a identificação de boas práticas em nível global e a ampliação do debate técnico baseado em evidências, a fim de construir políticas institucionais e públicas que contemplem ações contínuas e políticas de Estado.
Caminhos consensuais são fundamentais para a construção dessa agenda. Um exemplo é o Communiqué, elaborado pelo Women 20 (W20), grupo oficial estabelecido em 2015, de engajamento do G20 para o empoderamento econômico das mulheres e a equidade de gênero,
O consenso dos países do G20, lançado em 1º de outubro de 2024, durante o Summit Internacional do W20 Brazil, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, reúne as prioridades e recomendações que devem orientar a construção de soluções reais. As cinco áreas prioritárias são:
- Mulheres empreendedoras: acesso a financiamento, capital e mercados;
- Economia do cuidado;
- Mulheres em ciência, tecnologia, engenharia e matemática;
- Mulheres e justiça climática;
- Fim da violência contra mulheres e meninas.
Neste artigo, destaco uma das que considero mais relevantes e decisivas: as recomendações para acesso a financiamento, capital e mercados, que têm o potencial de aumentar o PIB global em 20%. De acordo com o Communiqué, as recomendações são:
“1. Desenvolver instrumentos financeiros e políticas, leis e estruturas de apoio ao empreendedorismo que utilizem o financiamento misto, mais conhecido como “Blended Finance”, para envolver bancos e instituições públicas, privadas, filantrópicas e multilaterais, a fim de promover a igualdade de negócios e financeira para mulheres de diversas origens raciais e étnicas. Um exemplo sólido e comprovado desse tipo de estrutura é o Código de Financiamento para Mulheres Empreendedoras (WE-Fi).
2. Comprometer-se a coletar e monitorar dados desagregados por sexo sobre subsídios, empréstimos, financiamento por dívida, títulos de gênero e financiamento baseado em capital. Desenvolver metodologias para pontuação de crédito e empréstimos sem a exigência de garantias ou com requisitos de garantias alternativas. Incluir alfabetização digital e financeira em programas para mulheres empreendedoras.
3. Aumentar o acesso das mulheres aos mercados domésticos e internacionais por meio de compras públicas (Compras Públicas com Responsividade de Gênero, GRPP) e compras corporativas. Facilitar o envolvimento das mulheres em mercados externos por meio de feiras comerciais e intervenções direcionadas (desenvolvimento de capacidades, mentorias, redes de contatos, etc.) para aprimorar seus conhecimentos e habilidades para atender aos padrões internacionais no comércio internacional, comércio eletrônico e compras eletrônicas.
4. Garantir incentivos fiscais para investidores (incluindo microfinanciamento, investidores anjo, capitalistas de risco e private equity) para apoiar mulheres empreendedoras, incluindo deduções fiscais, créditos, isenções de imposto sobre ganhos de capital e co-contribuições do governo. Oferecer incentivos fiscais e/ou créditos para empreendedoras e seus negócios.” (Fonte W20)
Além dos compromissos de implementar o compromisso de Brisbane de 2014 (25×25) para reduzir em 25% a lacuna de participação das mulheres na força de trabalho até 2025. De acordo com o Relatório da OIT/OCDE de 2024, apenas metade dos membros do G20 atingirá a meta de Brisbane. Implementar compromissos adicionais acordados para promover a igualdade das mulheres, incluindo: (a) reduzir pela metade a lacuna digital de gênero até 2030, (b) aumentar a participação das mulheres em STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), (c) implementar o código de financiamento das mulheres empreendedoras (WE), (d) acabar com a violência contra as mulheres e (e) investir em proteção social, infraestrutura e serviços de cuidados. Cumprir o compromisso dos líderes do G20 de melhorar o desenvolvimento liderado por mulheres e colocar as mulheres no centro de todos os processos de desenvolvimento. Medir, acompanhar e relatar publicamente anualmente o progresso do investimento do G20 em mulheres, tanto em nível coletivo do G20 quanto em nível nacional, rastreando e relatando as iniciativas de financiamento acordadas na Declaração dos Líderes. (Fonte W20)
Para transformar o cenário de desigualdade no Brasil e implementar os compromissos assumidos pelas lideranças globais, a participação das mulheres na política e nos processos de tomada de decisão é fundamental. A garantia da democracia e o fortalecimento de políticas públicas de Estado — e não apenas de governo — são indispensáveis.
Uma articulação eficaz nos níveis federal, estadual e municipal torna-se essencial, incluindo um orçamento sensível à questão de gênero (tema que abordarei em outro artigo), além da participação, do engajamento e do comprometimento das empresas e da sociedade.
A agenda de políticas públicas deve integrar os planos de governo e buscar sua institucionalização por meio de leis que garantam sua continuidade nos próximos ciclos políticos, sem retrocessos. Só assim avançaremos rumo à equidade — e em menos de 300 anos.