Sobre o fim da obrigatoriedade do voto

Talvez esteja na hora de tratarmos o eleitor como um adulto responsável, capaz de exercer o voto como direito e não como imposição
Foto: Divulgação Antônio / TSE

Votar é um direito fundamental para um Estado democrático, onde cada cidadão tem a chance de escolher quem será sua voz e seu representante. No entanto, quando olhamos de perto, o que deveria ser uma manifestação espontânea de liberdade se torna, no Brasil, uma obrigação. E, convenhamos, o que é uma democracia se não podemos nem mesmo decidir a forma como queremos participar?

A obrigatoriedade do voto parte de uma ideia simples e até bem-intencionada: garantir a ampla participação popular no processo político. Mas o efeito que essa exigência causa é, em muitos casos, o oposto do desejado. Obrigar o cidadão a votar não gera engajamento político, apenas um deslocamento em massa e apático até as urnas. Não à toa, o dia da eleição se parece mais com um evento burocrático do que com uma celebração cívica.

John Stuart Mill, um dos grandes teóricos do liberalismo e defensor fervoroso da liberdade individual, em sua obra On Liberty, argumenta que a liberdade de escolha é essencial para o desenvolvimento humano, pois permite que as pessoas tomem decisões de acordo com suas próprias convicções, desenvolvendo assim um senso de responsabilidade e autogoverno. Segundo Mill, a coerção só se justifica para evitar danos a terceiros, não para direcionar as preferências ou o comportamento de indivíduos em questões de foro íntimo e de decisão própria.

Livre escolha

Ao aplicar essa perspectiva à obrigatoriedade do voto, podemos argumentar que forçar o cidadão a votar é uma violação da liberdade individual que Mill tanto prezava, transformando uma escolha pessoal em um dever compulsório. A verdadeira participação democrática, segundo esse pensamento, deve ser baseada na liberdade de engajamento político, permitindo que cada indivíduo escolha de forma autêntica se deseja ou não participar do processo eleitoral. Esse engajamento voluntário, conforme Mill defende, seria mais significativo e contribuidor para uma democracia genuína, onde o voto representa, de fato, uma manifestação de opinião e de escolha.

Um voto obrigatório não representa, necessariamente, uma escolha consciente. Muitos vão às urnas mais para evitar as sanções legais do que para contribuir para o futuro do país. E isso, infelizmente, abre espaço para o chamado “voto de protesto”, onde o eleitor acaba escolhendo aleatoriamente ou, pior, votando em candidatos excêntricos como forma de deboche. O processo perde, assim, uma parte de seu significado e de sua legitimidade.

Além disso, vivemos em um país com uma pluralidade de visões e necessidades. E isso deve incluir o direito de não votar. Em democracias maduras como as dos Estados Unidos e de vários países europeus, o voto é facultativo. E nem por isso a participação é comprometida; pelo contrário, os cidadãos que se apresentam nas urnas o fazem por vontade própria e com uma decisão política já formada.

Autonomia individual

Para que a democracia se fortaleça, precisamos confiar na autonomia de nossos cidadãos e em sua capacidade de escolha, inclusive a escolha de não escolher. Afinal, se a liberdade é um dos pilares da nossa sociedade, por que privar o cidadão do direito de decidir se quer, de fato, fazer parte de cada pleito?

Talvez esteja na hora de tratarmos o eleitor como um adulto responsável, capaz de exercer o voto como um direito e não como uma imposição. Fim da obrigatoriedade? Sim. Porque a democracia se faz com liberdade e, acima de tudo, com respeito à vontade individual.

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