O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sessão plenária realizada na última semana, proferiu decisão unânime que estabelece um marco jurisprudencial significativo no que tange à privatização da Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale S/A. O acórdão, publicado nesta segunda-feira (2), consolida o entendimento de que o processo de desestatização da referida empresa não é passível de reversão, encerrando assim uma controvérsia jurídica que perdurou por mais de duas décadas.
A decisão, relatada pelo Ministro Mauro Campbell, está vinculada à tese fixada no âmbito do Tema/IAC 7 do STJ, constituindo um precedente qualificado com repercussão direta sobre o conjunto de ações que questionavam a legalidade e a legitimidade do processo de privatização da Vale. O cerne da tese aprovada pelo STJ reside na constatação de que, em virtude da conexão existente entre as diversas ações populares que tinham como objeto litigioso a privatização da Vale, a sentença transitada em julgado em uma delas, especificamente a proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, possui eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, nos termos do artigo 18 da Lei 4.717/1965.
Este entendimento jurisprudencial tem o condão de afetar diretamente mais de 70 ações civis públicas que, ao longo dos anos, questionaram, sob diversos prismas, o processo de desestatização da companhia. A decisão do STJ, ao reconhecer a força da coisa julgada e sua extensão a todas as ações populares com o mesmo objeto, estabelece um precedente robusto que fortalece a segurança jurídica no âmbito das privatizações realizadas no país.
No bojo de sua análise, o STJ debruçou-se sobre quatro questões jurídicas fundamentais que permeavam a controvérsia.
Primeiramente, reconheceu-se a configuração da coisa julgada, decorrente do trânsito em julgado de ações populares e de ação civil pública anteriormente ajuizadas. Este reconhecimento reforça o princípio da segurança jurídica, impedindo a perpetuação de litígios sobre matéria já decidida definitivamente pelo Poder Judiciário.
Em segundo lugar, a Corte Superior aplicou a teoria do fato consumado, levando em consideração a consolidação fática da privatização ao longo dos anos. Esta abordagem jurisprudencial reconhece que, após um lapso temporal significativo, a reversão de certas situações jurídicas pode acarretar mais prejuízos do que benefícios ao interesse público e à estabilidade das relações jurídicas.
Ademais, o STJ procedeu à análise da alegada ilegalidade e lesividade no âmbito da ação popular, considerando, para tanto, a prévia aprovação do processo de desestatização pelo Tribunal de Contas da União. Neste aspecto, foi reconhecida a inexistência de dano ao patrimônio público, tendo em vista a avaliação criteriosa da participação acionária da União na empresa privatizada.
Por fim, o tribunal examinou a alegação de julgamento extra petita proferido pela instância de origem em sede de reexame necessário, garantindo assim a observância aos princípios do dispositivo e da congruência, pilares fundamentais do processo civil brasileiro.
De se destacar que a decisão do STJ transcende o caso específico da Vale, estabelecendo um precedente jurisprudencial de suma importância para futuras privatizações e para a consolidação da segurança jurídica no ambiente de negócios nacional. Ao inviabilizar novas ações judiciais que visem questionar a privatização da Vale, o tribunal fornece um arcabouço jurídico mais estável e previsível para investimentos de longo prazo no país.
Do ponto de vista econômico e corporativo, a decisão coincide com um momento de transição na governança da Vale. Recentemente, a companhia anunciou a eleição de Gustavo Pimenta, atual vice-presidente financeiro, como novo Presidente a partir de 2025, em substituição a Eduardo Bartolomeo. Esta mudança na liderança, agora respaldada pela segurança jurídica proporcionada pela decisão do STJ, permite à empresa direcionar seus esforços para estratégias de longo prazo, livre das incertezas legais que pairavam sobre sua estrutura societária.
É mister salientar que a Vale foi objeto de um segundo processo de reestruturação acionária durante o último governo federal, ocasião em que a participação da União nas ações da mineradora foi reduzida de 26,5% para 8,6%. Esta operação resultou na transformação da companhia em uma corporation, com capital pulverizado no mercado, consolidando sua natureza de empresa privada com controle difuso.
A decisão ora em comento representa um marco na jurisprudência pátria sobre processos de desestatização. Ao encerrar uma disputa que se arrastava por quase três décadas, o STJ não apenas pacifica um caso concreto de notória relevância, mas também estabelece balizas jurisprudenciais claras para situações análogas que possam surgir no futuro.
A tese fixada pelo tribunal reforça o princípio da segurança jurídica, pedra angular para a atração de investimentos e o fomento do desenvolvimento econômico nacional. Concomitantemente, reconhece a complexidade inerente aos processos de privatização e a necessidade premente de se ponderar os efeitos de longo prazo das decisões judiciais sobre a economia e o interesse público.
Impende ressaltar que, não obstante a publicação do acórdão, subsiste a possibilidade de as partes interessadas solicitarem esclarecimentos sobre a decisão, por meio dos instrumentos processuais cabíveis. Entretanto, a unanimidade do julgamento e a robustez da fundamentação jurídica adotada pelo STJ sugerem que eventuais recursos terão escopo limitado, não devendo alterar substancialmente o mérito da decisão.
Em última análise, esta decisão do Superior Tribunal de Justiça não apenas encerra um capítulo controverso na história econômica e jurídica do Brasil, mas também pavimenta o caminho para uma maior estabilidade no ambiente de negócios do país. A pacificação desta questão jurídica de grande envergadura contribui para a consolidação de um cenário mais propício ao desenvolvimento econômico sustentável, reafirmando a importância do Poder Judiciário na construção de um ambiente institucional sólido e confiável para investidores nacionais e estrangeiros.